domingo, 18 de julho de 2010

A HISTORIA DA MINHA VIDA - PARTE FINAL

Capítulo VIII – Lições de Minha História de Vida

Sintetizar quatro décadas de existência tem sido um grande desafio. Espanto-me ao perceber que minha anterior pretensão, que se restringia a contar e reavaliar minha vida em apenas poucos relatos, tenha se transformado numa narração tão extensa, e talvez cansativa ao leitor que por descuido se aventure a lê-la. Impressiona-me ainda mais verificar a quantidade de lembranças, boas em sua maioria, me chegaram e de certa forma se impuseram em minha narrativa. Sempre digo que a escrita tem vida própria, e muitas vezes, determina a forma e conteúdo de um texto. Algo involuntário termina definindo os caminhos e cabe ao autor o papel de simples instrumento pelo qual as palavras vão dando vida as histórias, mesmo ainda que esta seja sua própria história de vida. Acredito que escrever é uma arte, algo que se torna projetivo, permitindo imprimir uma característica própria e pessoal. E é assim, que agora relendo tudo que escrevi nestes últimos dias, percebo que cada história se torna rica apenas pelo simples fato de ser história. E ainda, mesmo que o personagem narrativo seja fictício, o que não é o caso aqui, revela muito de quem escreve. Acho mesmo, que não se escreve sobre alguém ou sobre qualquer coisa sem se falar um pouco de si mesmo.

Posso apenas dizer diante de tantas linhas escritas que aqui estou eu. Completamente exposto, e porque não dizer despido diante de tantos estranhos anônimos. E confesso ser inquietante verificar que pessoas que nunca conheci, e que provavelmente nunca irei conhecer passaram, a saber, sobre mim. Fiquei realmente impressionado também ao verificar que essa história não mais me pertence apenas, mas sim ao mundo, uma vez que os acessos ao blog registram lugares e países que só conheço geograficamente. A internet tem esse poder de tornar tudo instantâneo e imediato. Mais uma forma de se alcançar o mundo, e talvez perpetuar uma existência. Não avaliei ainda as consequências desse ato, porém acredito que se houverem serão apenas positivas.

Sei apenas que contar sua história de vida é talvez um ato de coragem, por possibilitar não só o conhecimento público de fatos muitas vezes guardados a sete chaves, mas principalmente por te remeter a um processo de auto-avaliação. É assim que me vejo, relembrando e reavaliando posicionamentos e posturas. Sei que algumas me causam orgulho, e que as faria exatamente da mesma forma; outras, no entanto, me surpreendem e revelam traços de uma personalidade que conheço, mas que de certa forma me dizem muito do que não sabia a meu respeito. Dizem de mim, da minha construção de caráter, de meus anseios e desejos, egoísmos e fragilidades. Essas muitas linhas me gritam condutas a serem reavaliadas e repensadas, mas não causam arrependimentos. De certa forma me proporcionam momentos de espontânea felicidade e diversão, uma vez que consigo perceber minhas próprias mudanças e conclusões de processos ou ciclos de vida. Assim, olhar para trás te trás saudades e saudosismos, mas trás também revelações ricas em detalhes sobre que és, e porque não dizer, sobre a pessoa em quem te transformasse.

Poderia mesmo, neste momento reavaliar minha relação com a religião católica. Sim, porque até certo momento de minha vida, posso dizer que fui católico, não apostólico romano, mas católico forçado. Como também fui torcedor do Sport (mesmo nunca tendo gostado verdadeiramente de futebol) por condicionamento e influência externa. Mas especificamente sobre a religião, relembro dois grandes momentos em que realmente pude sentir e certificar meu vinculo e ligação (que sempre digo direta) com o divino. O primeiro durante a infância, quando ao brincar com meus irmãos (que agora não lembro quais) fui empurrado de um batente do terraço de minha casa. Cairia sobre restos de um poste de concreto, que quebrado ao meio deixava exposto às ferragens internas. E foi como se voasse lentamente para meu destino trágico, até sentir uma força me impulsionar em outra direção. Sei que logicamente pode ter acontecido por um impulso involuntário, ou mesmo por extinto de sobrevivência que em situações de grande perigo nos revela forças desconhecidas. Porém, prefiro acreditar na intervenção divina. Sei que naquele momento meu anjo da guarda estava comigo (e felizmente bem atento). Dizem que “Deus” protege as crianças, e acho que realmente é uma grande verdade.

Outra situação que me fortalece tais vínculos ocorreu há poucos anos atrás. Estava em certa batalha ideológica (como muitas que vivi e viverei sempre que preciso) com uma antiga amiga (acredito que não possa mais denominá-la como tal, assim a definição servirá apenas para facilitar a escrita), por diferenças de conceitos e entendimentos relativos a condução de processos de trabalho. Na verdade sempre tivemos pontos de vistas diferentes, e de certa forma opostos, em várias outras situações e relações de trabalho (deve ser coisa de canceriano, já que ambos somos de julho). Mas o fato é que desta vez fui obrigado, por várias circunstancias, a recorrer à justiça (dos homens, e que por isso é cega). Começava meu inferno astral, como diriam os esotéricos. Fiquei endividado por uma divida que não era minha e cobrir despesas sem fundo de caixa. Confesso que entrei em crise. Não pelo dinheiro em si, mas pelo fato de ter sido traído e destratado por uma pessoa que usufruiu de minha amizade e bondade por quanto tempo lhe foi útil. Por ter sido enganado, difamado e prejudicado por uma pessoa, que inclusive teve as chaves de minha casa e acesso a minha privacidade. Por uma pessoa a quem sempre suportei e tentei administrar suas inconveniências e oportunismos por acreditar nos processos de mudanças pessoais. Sentia mágoa por ter sido afanado por uma pessoa que representava uma instituição séria, mas que a meu ver lhe proporcionava o falso poder comum às pessoas que confundem cargos de gestão com aquisição de força e autoritarismo. Por fim, estava tomado por um ódio que nunca experimentara antes e por uma sede de vingança que nos atormenta e aumenta a cada dia. Confesso que tenho certa dificuldade para lidar com as grandes injustiças, e aproveito para salientar que em relação a tal situação, essa é apenas minha versão dos fatos, o que não implica em verdade absoluta (fato que só a justiça poderá definir, assim espero).

Um dia fui levado até aos pés de Nossa Senhora da Conceição, e diante de sua imagem, chorei toda a mágoa que me sufocava e envenenava naqueles meses de ineficiência da justiça dos homens. Mas o fato é que senti mais uma vez um elo com o divino. Não precisava palavras, não se faziam necessárias as suplicas, pois naquele instante estávamos sós. Era uma relação de mim com uma força superior e invisível. Era uma relação de reencontro comigo mesmo. Olhei para o rosto da santa e sentir a tenacidade de seus olhos. Era como se me conhecesse em profundidade e em essência. O céu estava completamente azul, sem nuvens. Não havia vento e isso me deu a sensação de que o tempo tinha parado naquele exato momento mágico. Não conseguia desviar os olhos, pois estava numa espécie de transe, num momento indescritivelmente único (e como diriam os grandes psicólogos, fenomenológico). As lágrimas me escorriam pelo rosto e “eu chorava a cântaros”, como diria uma grande atriz amiga minha. Sentia uma quentura confortável que vinha daquela imagem e isso me lembrava o calor e aconchego maternal. E era exatamente isso que me parecia, estava sendo acolhido por minha própria mãe. Não sei precisar o quanto durou aquela experiência, mas acho que o suficiente para me esvaziar dos rancores. Já não sentia raiva, já não existia mágoa, mas apenas a plena certeza de perdão. Estava tranquilo e em paz comigo, ao mesmo tempo, que começava a entender a situação como decorrência da fragilidade de caráter que acomete algumas pessoas.

Não me tornei ou descobri católico após o fato. Apenas validei minha religiosidade, que não se enquadra nos moldes das religiões tradicionais. Mas que me satisfaz em plenitude da certeza de que estou ligado a uma força que rege as coisas. Talvez ao cosmo, por não encontrar outra nomenclatura que consiga traduzir minha forma de pensar. Sei apenas que o divino está em mim, e que este também sou eu. Assim minhas rezas tornam-se conversas, que provavelmente são comigo mesmo e impulsionam a força positiva que todo ser humano possui, mas que apenas muitas vezes, esquece de usá-la. O que quero dizer é que ao reescrever minha história encontro as devidas justificativas para tais posicionamentos. Aprendi durante minha trajetória que não preciso de códigos ou modelos propostos, mas que posso criar e até recriar meus próprios modelos. Seja sobre religiosidade, “time do coração”, posicionamento político ou filosófico, sempre seremos livres para buscar nossas próprias respostas e construir, ou não, as “formas” exatas, concretas ou simbólicas de nossas crenças pessoais.

Esses quarenta e quatro anos de vida me possibilitaram experiências e vivencias que me dão autonomia e respaldo para validar minhas próprias certezas e verdades. Não tenho só a idade atual, mas tenho guerras, catástrofes, regimes políticos e aberturas democráticas em meu currículo. Pude ver o mundo mudar e acompanhar suas mudanças, tenham sido elas inesperadas ou imprecisas. Mas são mudanças e somente isso. Aprendi que nos cabe refletir e decidir seguir em frente ou simplesmente abandonar a vida seja através de quais mecanismos ou formas. Durante esses anos enfrentei epidemias, crises econômicas, desastres climáticos. Perdi amigos de formas abruptas e inexplicáveis, sofri acidentes de carro, quebrei partes do corpo, fui assaltado, violentado de várias formas e modalidades, fui criticado, julgado por muitos, mas isso são apenas fatos. Acima de tudo, esses “anos dourados” me deram a certeza de que também fui amado e continuo amando muito, e não apenas aqueles com quem dividi minha intimidade, mas a todos que de uma forma ou de outra atravessam meus caminhos. Em diferentes intensidades, momentos e períodos, dediquei (e dedico) afeto e carinho. Os anos de minha vida me ensinaram acima de tudo o valor da tolerância e do perdão. Aprendi o sentido pleno de convivência e a importância da seletividade. Assim, escolho de certa forma a quem dedicar meus sentimentos mais puros, e com estes compartilhar momentos. Aos demais, tento dedicar respeito e atenção (digo tento porque sei que nem sempre consigo), mesmo que nem sempre seja possível estabelecer relações afetivas. Aprendi com a vida a não ter inimigos, mesmo que me considerem como tal. A não valorizar as tragédias, mas sim as conquistas.

Também aprendi que preciso me respeitar para me fazer respeitado, e isso num sentido mais amplo. Não me agrido em conveniências ou conformidades sociais do politicamente correto tão atual. Permito-me ser critico e magoar-me com as criticas que recebo, para posteriormente entende-las e assimilá-las. Porque respeito meu tempo e meus limites enquanto humano. Tornei-me diferente não por soberba ou sentimento de superioridade, mas por certeza de que sou único e individual como todos nós o somos. Descobri que sou critico não por petulância ou arrogância, mas porque aprendi e decidir ser sincero, e a não fazer tanto esforço para agradar por correr o risco de peder a naturalidade.

Aprendi a respeitar meu rio e me aventurar em suas correntes, mesmo que me tragam surpresas desagradáveis ou frustrações. E neste sentido digo que nenhuma frustração foi maior do que poder constatar que meu antigo reino, que se localizava num subúrbio chamado Camaragibe (e antes a gente escrevia com “j”) não era real. Ao retornar as minhas origens, talvez levado pelas águas do destino, pude constatar que o mesmo não passava de um pequeno lote de terra onde se entulhavam uma enorme quantidade de árvores, animais e dez crianças. A casa em sim era extremamente simples e as vias de acesso nunca foram encantadas. Não havia príncipes e princesas naquele lugar. Também não existiam comadres fulôrzinhas ou papa-figos e os céus não eram mais iluminados por fogos ou enfeitados por pipas (que a gente aprendeu a fazer e chamar de papagaio). Nada mais da minha infância ou adolescência estava ali, e sei logicamente nunca mais estarão.

Por outro lado descobri que as memórias jamais serão esquecidas e nada de nossa história se apaga definitivamente enquanto estivermos vivos ou as fizermos eternas. Assim, sei que meu reino viverá para sempre em mim e nas histórias que faço questão de contar. E não falo de lugar ou espaço determinado, pois que as belezas das coisas bem vividas se tornam atemporal. Vivi num lugar mágico e tive de certa forma uma vida de contos de fada que me fizeram criativo e sensível para viver o lado inverso da moeda. Os personagens, reais ou fictícios que povoaram minha história de vida seguirão comigo para sempre, porque aprendi que a magia se torna fundamental para espantar as mazelas da vida cotidiana e competitiva. Aquele lugar não existe mais porque o criamos e só através de nossas lembranças abrimos as portas que possibilitam um retorno salutar. Não é saudosismo, é riqueza de passado. Não é nostalgia e constatação de que a felicidade foi a base de nossas existências. Assim, aprendi a reverenciar meus pais e irmãos, que me proporcionaram histórias e experiências que contribuíram para consolidação de meus conceitos e caráter. A esses dedico meus agradecimentos e gratidão eterna por terem vivido e dividido comigo os momentos e fases mais importantes de minha vida, e por terem contribuído para que pudesse ter me tornado a pessoa que sou. Nem melhor e nem pior, apenas uma pessoa que se sente feliz e realizada em seus intentos e objetivos. E acima de tudo por terem me ensinado que a vida se aprende vivendo.

Sei apenas que o rio Capibaribe que cortava meu antigo reino, hoje corta a cidade onde resido. Não são as mesmas águas, pois que não sou a mesma pessoa. Transformo-me e renovo a cada dia como suas correntezas. Assim são os rios e assim sempre serão as pessoas. E neste sentido, gosto de me assemelhar ao grande Capibaribe que corre distancias, abre fronteiras e exige espaços. Essa é a dinâmica e lógica da vida. E assim pretendo seguir, até que minhas águas doces se acalmem e se percam para sempre no infinito do mar salgado.

Acho que é isso. Mas nesse momento confesso não saber terminar a história, talvez por que, por se tratar da história real de minha vida ela não finda agora. Afinal vivi apenas menos de sua metade. Quem sabe lá na frente, a mais quarenta e quatro anos (pelo menos) consiga complementá-la e definir um final. Neste momento peço apenas que sejam complacentes comigo, e se desejarem ou preferirem me ajudem a construir e escrever os próximos capítulos com as criticas ou comentários que julgarem pertinentes. Assim deixaremos, em certa medida, de ser estranhos anônimos uns aos outros, mas integrantes de uma grande história, que agora se torna coletiva.

E assim, como diriam meus pais: “entrou pela perna do pinto e saiu pela perna do pato. Senhor rei mandou dizer que contasse mais quatro”. E que a vida se encarregue por ela própria de contar o restante de nossas histórias.

Com carinho à:

Epitacio Filho e Alice Maria, Lidia Maria, Monica Maria, Rejane Maria, Eduardo Mozart, Verônica Maria, Eliel José, Ligia Valéria, Edson George e Pollyanne Conceição.

Meus sobrinhos, Hillus, Jullyana, Eduardo, Renan, Piêtros, Bruna, Rafael, Victor, Igor, Hugo, Brizza, Lucas e Georgia, e também aos cunhados e cunhadas, além dos sobrinhos-netos Iago e Alice.

Em especial a George Demetrios e Normando Viana, amigos irmãos, e a Danilo Cárias, amigo e assessor de comunicação.

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