domingo, 18 de dezembro de 2011

CIENTISTAS DESCOBREM VIDA EXTRATERRESTRE?




KEPLER 22B - O SONHO DO "TERRENO" PRÓPRIO.

O ano de 2011 termina com uma grande surpresa repleta de novos significados. Na segunda semana de dezembro cientistas da Agência Espacial Americana – NASA anunciaram a descoberta de um planeta com características parecidas com as da Terra. Localizado fora de nossa galáxia, a mais de 600 anos-luz de distancia da Terra, o novo astro foi batizado pelos norte-americanos como Kepler 22b. Segundo estimativas, ele possui dimensões 2,4 vezes maior do que o planeta que habitamos atualmente e tem temperatura aproximada de 22 graus centígrados. Para os cientistas estas evidencias tornam-se bastantes para se pensar as possibilidades de futuras habitações humanas (ISTOÉ 2195, 2011). Sem dúvida alguma essa é talvez a mais importante descoberta de todos os séculos. A notícia coloca não só a sociedade científica em ebulição, mas de modo geral o mundo financeiro. As perspectivas de colonização com certeza elevarão os índices das bolsas de valores, grandes investimentos em pesquisas espaciais serão feitos nos próximos anos e em pouco tempo missões científicas partirão rumo às novas terras. Inicia-se uma nova era para o que já se conhece como corrida espacial. Em 2011 o céu deixou definitivamente de ser o limite para o homem.

Sempre gostei de filmes de ficção científica. Repletos de misteriosos seres alienígenas sempre despertaram entre nós muita tensão e curiosidade. A simples possibilidade de existência dos seres extraterrestre sempre dividiu opiniões. Altos, magros, gelatinosos, com apenas um olho ou repletos de filamentos pegajosos, os ETs a muito tem despertado grandes emoções e elevado as bilheterias dos cinemas em todo o mundo. Violentos ou pacíficos se tornaram personagens clássicos em nossa literatura. Neste sentido, Kepler 22b representa uma grande chance de resposta a uma pergunta que nos persegue e intriga a milhares de anos. Estamos realmente sozinhos no universo? Na minha concepção, não. Na verdade acho que seria um imenso desperdício, além de enorme incoerência, existir vida apenas em um dos nove planetas que formam nossa galáxia. Não haveria sentido a existência de milhões de astros, estrelas e planetas totalmente desabitados. Seriam como grandes bolas flutuando no ar como simples bolhas de sabão soltas ao vento ou simplesmente meros objetos decorativos. Acredito que a questão não é se existe vida fora da Terra, mas que tipo, ou tipos de vida podem existir. É neste sentido que Kepler passa a representar uma concreta possibilidade de respostas a curto e médio prazo. Para os cientistas da NASA e especialistas do mundo inteiro encontrar vida alienígena é só uma questão de tempo.

Em séculos passados dominamos os mares para descobrir novas terras. Nos séculos futuros dominaremos o espaço em busca de novos planetas habitáveis, denominados pelos astrônomos especialistas como superterras. Com a colonização de Kepler, nós, habitantes do continente americano perderemos então o título de novo mundo. Na verdade a Terra se tornará nossa antiga morada. Acho até que com o tempo se tornará uma espécie de colônia do novo planeta. A idéia, por mais absurda que possa parecer nos trará imediatamente a memória terríveis filmes de ficção científica anteriormente considerada fantásticas demais e distante da realidade, onde seres humanos escravizados tornam-se reféns de aliens poderosos e malvados que extraem da Terra os recursos que necessitam. Porém, o enredo que se desenha a nossa frente parece revelar diferentes possibilidades. Não acredito que nos tornaremos reféns dos alienígenas, mas sim, reféns de poderosos homens que governarão Kepler. Neste sentido, acho que a ambição humana assumirá dimensões gigantescas, uma vez que o planeta a ser explorado é quase duas vezes e meia maior que a Terra. Numa dedução lógica, em poucos anos invadiremos o planeta. Então instalaremos hotéis de luxo em Kepler e pagaremos fortunas por um final de semana no outro lado do mundo. Os condomínios residenciais serão uma realidade futura. Verdadeiras cidades serão construídas, deixando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Porções de terras serão oferecidas em comerciais de televisão. As grandes empresas abrirão suas filias e em pouquíssimo tempo “organizaremos” o planeta ao nosso modo. Abriremos estradas e rodovias, instalaremos shopping center, restaurantes, cinemas e mais uma porção de coisas necessárias ao conforto do homem moderno. As perspectivas de desenvolvimento econômico são imensas. Talvez Kepler apresente melhores condições de vida devido à preservação de suas estruturas originais. Talvez ainda não exista desenvolvimento [partindo do nosso referencial, logicamente falando], e muito menos poluição por não haver ainda o desgaste de suas reservas naturais. Definitivamente Kepler será nosso roteiro preferido. Porém nem todos terão acesso. Apesar de maior não haverá espaço para todos. Numa visão mais pessimista, diria até que Kepler abrirá para alguns, quem sabe, uma nova possibilidade de consolidação da supremacia de uma raça pura. Afinal de contas a eugenia é um sonho humano que se encontra apenas temporariamente adormecido. Não há duvidas que o modelo higienista volte a se impor no novo processo de colonização.

Mas independente disso tudo, Kepler é na verdade uma grande promessa para a perpetuação de nossa espécie. Trás em seu bojo certo alívio para os muitos que receiam o inevitável colapso terrestre, afinal de contas, não estamos mais em um beco sem saída porque já temos para onde nos mudar quando a vida aqui ficar impraticável. Ficção e realidade se misturarão para criarmos uma nova versão da “Arca de Noé”, mais potente e moderna, pela qual transportaremos pequenas quantidades de espécies da nossa fauna e flora. Entre os humanos, logicamente, serão selecionados os mais capacitados intelectualmente e aptos a atender as novas demandas. Não deve ser fácil conquistar um planeta muito maior que o nosso. Assim, será preciso enviar cientistas, filósofos, grandes artistas, empresários influentes e políticos que comporão a nata da nova sociedade. Logicamente que será preciso alocar pessoas operacionais, até porque alguém precisará colocar a mão na massa para consolidar construções concretas. Em curto prazo replicaremos as relações de poder e instalaremos um sistema econômico em Kepler. Talvez uma versão do capitalismo. Talvez algo mais nocivo.

Mas como nem tudo na vida são flores será preciso primeiro pensar [ou talvez repensar] algumas questões de ordem prática. A primeira refere-se diretamente ao direito a descoberta. Kepler será colonizado pelos norte-americanos, pela união européia, pelos japoneses, chineses, ou por quem conseguir chegar lá primeiro? Com certeza nessa corrida não haverá muito espaço para nós brasileiros. A não ser que a união dos países emergentes lance uma nova modalidade de parceria econômica, abrindo espaço para o surgimento de empresa de exploração planetária, do tipo “BRINC no Espaço”. Neste caso, com certeza seria uma nave espacial bem colorida devido a multicromagem das bandeiras brasileira, russa, indiana e chinesa. Talvez nada disso seja preciso e apenas uma tripulação multinacional, no melhor estilo globalização pacífica, inicie o processo de colonização. Além de mais econômico, a ação seria mais democrática. Independentemente disso, uma coisa é certa, será necessária a participação da iniciativa privada porque o montante financeiro exigido para tal empreitada será estratosférico.

Partindo da lógica “todos juntos venceremos”, se fará imprescindível a divisão dos lucros. Ou seja, o planeta terá que ser dividido como um grande bolo fatiado. Quais porções de terras habitáveis caberão a cada país participante da nova missão? Faremos mais uma vez, a replicação de nosso sistema político e econômico, dividindo Kepler em regiões de conflitos. Talvez até façamos uma nova releitura do “Tratado de Tortesilhas”, dividindo o planeta em hemisférios. Não é verdade que a fundamentação da nossa lógica capitalista costuma nos mostrar que as boas práticas devem ser replicadas? Isso poupa tempo para as tomadas de decisões e garante os resultados esperados [alguém duvida?]. Assim, estabeleceremos os mapas geográficos, onde algumas regiões serão inevitavelmente mais desenvolvidas que outras; onde nações ricas explorarão e subordinarão outras menos afortunadas. Será o reinício de uma nova tentativa para velhos problemas. O problema consistirá então em construir novos modelos. O que acho improvável. Porém, acho mais oportuno no momento pensar em coisas mais urgentes.

Segundo os cientistas, a órbita de Kepler é equivalente há 290 dias terrestre. Isso quer dizer que o planeta gira em torno de si mesmo em um tempo menor que a Terra no mesmo movimento [deu pra entender?]. De modo simples, isso significa que o ano Kepliano [ou seria Kepliniano?] é 75 dias mais curto que o ano terrestre. Será que precisaremos [re]pensar as dimensões cronológicas, caso contrário nossa vida em Kepler se tornará mais curta? Se uma década na Terra equivaleria a aproximadamente 3.650 dias, em Kepler esse número cairia para 2.900 dias. Ou seja, passar uma década em Kepler nos custaria 2,05 anos de vida. Será que se morre mais rápido em Kepler? E como ficará nossa ensandecida busca pela eternidade? Fora isso, precisaremos pensar quanto tempo de vida gastaremos para chegar até lá. Neste aspecto, confesso que como sempre fui muito ruim em física, resolvi recorrer à internet para descobrir que ano-luz é uma unidade de comprimento que corresponde ao espaço percorrido por um raio de luz em um ano [simples?]. Fato é que essa é uma medida grande demais para aplicações comuns aqui na Terra. Por isso tal medida destina-se a marcar distancias no espaço cósmico, entre as estrelas de uma mesma galáxia [o que não é o caso de Kepler] ou entre galáxias distintas [o que é o caso de Kepler].

Resumindo, ano-luz parece ser uma medida útil apenas para os astrônomos [o que não é o meu caso], por tanto para nós pobres mortais [o que é o meu caso] torna-se bastante imaginar que um ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros. Isso corresponde a quase 63.240 vezes da distancia média entre a Terra e o Sol [deu para entender agora?]. Num calculo rápido podemos deduzir então que o novo planeta está a mais de 37.944.000 Km [trinta e sete bilhões, novecentos e quarenta e quatro milhões de quilômetros] de distancia. A questão então é a seguinte: se para o homem ainda é impossível se locomover na velocidade da luz, tal distancia se tornará ainda muito mais demorada para ser percorrida com os recursos que dispomos. Alguém consegue responder em dados simples o que significa 600 anos-luz? E ainda, diminuir minha ansiedade respondendo a uma simples pergunta: se hoje, com quarenta e cinco anos, eu saísse rumo a Kepler, com quantos anos de idade eu chegaria? Antes das respostas chegarem prefiro imaginar que com a claustrofobia e aerofobia que tenho morreria no caminho. Ou seja, Kepler está definitivamente fora dos meus planos turísticos. Meu único consolo é que tal situação parece se estender a todos de minha geração.

Devaneios a parte, o bom disso tudo é que fica mais evidente a existência de vida fora da Terra. Ou seja, os aliens podem existir de fato. O que acredito piamente. Isso nos traz outras reflexões bem mais difíceis de maturar porque mexe diretamente com questões mais complexas como religiosidades, sobretudo. Imaginemos por exemplo, que Kepler 22b já seja habitado. Não que isso possa impedir nosso processo de colonização, afinal de constas a história nos tem mostrado cotidianamente o poder de dominação e da violenta força de subjugação da raça humana. E não duvidem que se os Keplenianos se meterem a besta a gente passa por cima. O problema é pensar que se Kepler está em outra galáxia e têm habitantes, não seria provável que estes tenham também um deus, ou algo parecido? No caso da existência de um deus, esse por sua vez, será o mesmo que o nosso? Sim, responderão os mais apressados e convictos da fé cristã. Contudo, se os Keplenianos [ou será Keplianos?] tiverem também sido criados a imagem e semelhança de Deus, a coisa ficará confusa demais. Isso porque, ou eles serão semelhantes a nós, ou Deus nos terá enganado. Pior ainda, será pensar que talvez Deus nunca tenha nos dito isso, o que significaria que os escritos bíblicos se configuram como uma grande farsa. Uma simples criação humana. Numa outra hipótese, se seus habitantes tiverem outro deus, significa que o nosso não é único, onipotente e onipresente. O universo estaria então dividido sobre o domínio de deuses distintos e poderosos, o que nos colocaria em outra grande enrascada. Descobrir quem criou o universo. Além disso, precisamos pensar caso a hipótese se confirme, sobre a quem deveremos obediência cega e irrestrita? Passaremos a adorar dois deuses? Via de dúvida, e para não dá um nó maior em nossa cabeça, talvez seja melhor optarmos pela hipótese de uma possível dupla face de Deus. Acho que assim agradaríamos a gregos e troianos, ou melhor, corrigindo, aos Terráqueos e os Keplenianos.

Caso eles não tenham um deus, ou deuses, não seria problema para nós. Seria até fácil ensiná-los a seguir nossas doutrinas e dogmas. Já fizemos [e continuamos fazendo] isso tantas outras vezes, que de certa forma, já adquirimos a prática da indução. Imagino que não seria diferente do que foi a colonização do Brasil, por exemplo. Até de certo modo, imagino que adotaremos os mesmos procedimentos. Primeiro invadimos as terras do novo planeta. Depois numa ação amistosa e de paz tentamos lhes ensinar o sentido e significado de civilização. Por fim, os ensinaríamos a trabalhar para garantir o progresso do planeta. Com o tempo alienaremos sua cultura. Ensinaremos tudo o que sabemos aos novos camaradas, menos como se institui o poder. Para evitar problemas futuro. Seremos verdadeiros deuses, ou donos, dos inocentes Keplenianos, que a esta altura terão sido classificados como casta inferior. Na verdade o processo, provavelmente será até mais simples, sem os entraves e discursos demagogos do pessoal dos direitos humanos. Talvez nem existam movimentos em prol dos direitos humanos, porque esses provavelmente não serão assim considerados. Mesmo que nos sejam semelhantes, no máximo receberão a alcunha de selvagens, como fizemos com os indios que habitavam o continente americano; ou de sub-raça, como fizemos com os negros africanos, ou mesmo com os judeus. Prática para o estabelecimento das normas é o que não nos falta.

O grande desafio, porém, será a necessidade de refletir nossa soberba supremacia. Isso porque em Kepler talvez exista uma raça mais evoluída. Quem sabe até superiores em inteligência, forças e armas. Será que eles já não nos conhecem? Será que por nos considerem tão desprezíveis e/ou desinteressantes preferem nos ignorar? Talvez não sejam amistosos. Mas independente disso tudo, chegaremos até eles com ou sem autorização [e que ninguém duvide]. Kepler é para nós na verdade não uma escolha, mas uma possibilidade de manutenção da vida humana. Não podemos esquecer que sempre funcionamos dentro de uma lógica parasitária que nos impõe a necessidade de novos recursos para explorar e assim seguir vivendo. Durante os séculos no multiplicamos rapidamente como pestes. Invadimos florestas e mares e mesmo assim não dispomos mais de espaço com condições de habitação. Em suma a Terra se tornou pequena demais para nós humanos. A corrida espacial não difere das grandes navegações. Não estamos fazendo nada de diferente. Seguimos apenas uma lógica considerada “natural”. Kepler ou outro planeta qualquer que por ventura surja a nossa frente será inevitavelmente habitado. É uma questão de sobrevivência. De vida ou de morte. E nesse ponto, a morte sempre nos foi inoportuna. Nossa história é marcada por conquistas. Chegamos a Lua, conhecemos o Sol, chegaremos a Kepler, dominaremos o cosmo. Exploraremos planetas e galáxias distintas porque somos guerreiros. Em pouco tempo a Terra será apenas uma colônia que abastecerá os humanos de Kepler. E na sequencia, Kepler se transformará com o passar dos séculos em colônia de algum novo planeta porque continuaremos predadores. Contra fatos não existem argumentos. E a conquista do espaço é fato concreto.

Essa guerra pela sobrevivência perde espaços terrenos para exigir espaços mais amplos e universais. Não existirão limites para a raça humana. E mesmo as questões de ordem divina serão revistas, novas crenças e filosofias serão [re]criadas e a nova ordem [re]estabelecida. Neste sentido, Kepler torna-se recurso ou meio para se chegar aos fins. Abrirá espaço para questionarmos inclusive a própria existência de um deus único. Com o tempo encontraremos as devidas respostas, preenchendo lacunas seculares. Saberemos por exemplo, se Jesus também visitou Kepler. Isso partindo da crença em um Deus único. Ou ainda, se Ele os teria enviado outro filho? Neste rastro surgirão respostas para perguntas abertas até os dias atuais. Por exemplo, será que a Maria-Kepliniana também era virgem quando concebeu o filho do deus de Kepler? Será que esse também morreu na cruz para salvar seus habitantes? Será que já inventaram o natal em Kepler? E se não tiver carnaval? Se não tiver corrupção a gente envia um bando de políticos. Se os faraônicos templos religiosos desmoronarem diante da verdade absoluta criaremos outra forma de alienação de massa. Se tiverem armados ou tentarem resistir os dizimamos, afinal já fizemos isso antes.

Mas se em Kepler existir miséria, melhor. Aí sim nos sentiremos literalmente em casa. Mostraremos o poder de nossos princípios de caridade despretensiosa. implantaremos nossas políticas de assistencialismo bem sucedidas. Os subjugaremos e os dominaremos através de nossas doenças. Primeiro os infectamos e depois vendemos a cura. Negaremos saúde, como também educação e direitos. Criaremos leis poderosas e depois os manteremos trancafiados por desacato a supremacia humana. Instalaremos o tráfico de drogas em suas comunidades para torná-los dependentes do nosso sistema. Talvez até o nosso crack possa dizimá-los de forma mais rápida e assim economizamos com artilharia, como fazemos atualmente. Aos poucos, lenta e sorrateiramente alienaremos seus bens e seus corpos para nos tornarmos soberanos. Por fim, os chamaremos de povo, estabelecendo seus limites de acesso para garantir a ordem do poder. Nada muito diferente. Nada muito estranho. Nada muito contraditório a nossa natural conduta humana.

Sem dúvidas, o ano de 2011 entrará para nossa história, e dos Keplenianos também, como marco das grandes perspectivas incertas e duvidosas. Com certeza absoluta nossas vidas serão contadas a partir do antes e do depois dessa grande descoberta. Talvez até os tradicionais aC e o dC [antes de Cristo e depois de Cristo] sejam substituídos por aK22b e dK22b. Talvez esse seja apenas o primeiro planeta que invadiremos. Talvez consigamos expandir nosso poder de destruição pelo universo. Talvez nossas bombas e armas de guerra provoquem uma grande explosão futura. Quem sabe assim conseguiremos reproduzir a tão sonhada explosão que originou o big-bem. O problema é que talvez, diferentemente não originemos a vida, mas a morte e o fim da raça humana.

Boas reflexões para todos em 2012. Vamos rumo a Kepler!































quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

UM NATAL REPLETO DE BREGAS BORBOLETAS TENDENCIOSAS






NO RECIFE O NATAL É BREGA.

O natal é uma data extremamente brega! Engraçado como o passar dos tempos nos trás revelações inesperadas. Durante a infância, ou mesmo adolescência, se quer supus questionar antigos ensinamentos. Tão pouco na juventude. Era natal e pronto. O fato em si já referendava a magnitude simbólica. Tempo de paz, amor, solidariedade, e acima de tudo, caridade. Não se falava alto no natal, evitavam-se brigas e desavenças. Espécie de trégua momentânea em respeito aos dogmas do cristianismo. É preciso purificar a alma para se viver o natal porque Jesus morreu na cruz para salvar e redimir a humanidade. Sob esse argumento nos ensinavam a importância de refletir sobre os nossos próprios erros, purgar os pecados e fortalecer as promessas pessoais. Uma espécie de alto flagelo imposto pela cultura, pelo qual se buscava, e muitas vezes até se alcançava uma elevação caricata. Definitivamente não é fácil refletir sobre o natal. Na verdade torna-se extremamente difícil, e porque não dizer impossível, questionar símbolos secularmente fossilizados no imaginário das sociedades ocidentais. Via de dúvidas, prefiro esclarecer que questiono as construções do natal contemporâneo, engolido pelo capitalismo, e assim transformado em negócio rentável.

Talvez a comercialização do natal nem seja um pecado tão grande assim, visto a própria mercantilização da fé, fato que também se mostra secular. Na verdade, o fato me parece mais reflexo do que propósito. Aprendemos a comprar o natal, o que logicamente se diferencia do vivenciar o natal. Para mim um bom exemplo evidencia-se no marketing adotado por um clássico cartão de créditos cujo slogan destaca: “algumas coisas na vida não tem preço! Para o resto...”. Neste sentido, conheço pessoas, que guiadas pela lógica mercantil buscam inclusive obter até o que o cartão sabiamente salienta não poder comprar: sentimentos. Há muito tempo atrás, por exemplo, conheci uma senhora, irmã de um grande amigo, que comprava os presentes natalinos durante o mês de janeiro porque os produtos ficavam pela metade do preço. Ela costumava guardar “presentes” para possíveis necessidades sociais. Em uma destas, durante um natal que não lembro a data, ganhei um par de meias. E confesso que se esqueci a data, o mesmo não ocorreu com o presente. Não pelo valor comercial, mas pelo simbolismo agregado. Nunca conseguir usar as pequeninas meias de cor azul escuro, mas guardei-as por um longo tempo. Poderia mesmo dizer que considerava aquele, um presente inesquecível. Era um exemplo do que não se fazer no natal.

Também já vi pessoas criticarem os presentes solicitados por amigos secretos. Neste ponto, vale salientar que amigo secreto moderno estabelece até preço para as simbólicas lembrançinhas natalinas. Numa lógica do nem tanto e nem tão pouco, estabelece-se piso e teto para valorar a generosidade alheia. O bom do “negócio” é que se evita sempre que possível as decepções e situações constrangedoras. Cá prá nós, não existe coisa pior do ganhar no natal um presente que não tem haver com você. O mais engraçado e divertido desses eventos, no entanto, é poder presenciar a reação dos presenteados. Cara de espanto ou de surpresa é regra geral. Mesmo quando o presente é exatamente um dos três que você registrou na lista previamente organizada. Depois tem os comentários e críticas sobre quem acertou em cheio o que se desejava; sobre o valor que estava abaixo do estabelecido; sobre as más intenções por trás de presentes caros; ou, sobre as possíveis preferências das chefias. Os amigos secretos tornaram-se atravessados inclusive por recortes de classe. Sorte de quem for escolhido pelo diretor da empresa, azar de quem cair nas mãos do auxiliar de serviços gerais. No nosso natal solidamente capitalizado, o presente é o que menos importa, mas sim, o valor e o status que ele representa. É nesse sentido que tenho constantemente pensado no quanto nos tornamos bregas por vivenciar uma festa que parece ter perdido sentido. Ou seja, o que quero dizer é que para mim o natal é uma festa que parece repleta de obrigações costumeiras ultrapassadas.

Dentro da cultura popular nordestina, brega é sinônimo de cafonice e deselegância. Também nos serve como classificação de estilo musical, representado por canções melosas devido ao sentimentalismo empregado as letras. Há quem duvide que o brega tenha alguma qualidade artística devido à falta de refinamento poético. Há quem o classifique como arte menor por considerá-lo empobrecido. Mas penso que se arte representa uma capacidade humana de por em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria; ou ainda, capacidade criadora de expressar ou transmitir sensações ou sentimentos, tendo a acreditar que esta não necessariamente precisa de refinamento. Popularmente costuma-se dizer que viver é uma arte. Logo, acredito que se o brega enquanto estilo musical retrata o cotidiano de um determinado segmento da população, revelando sensações, percepções e sentimentos específicos, automaticamente deve ser entendido enquanto arte. Talvez a questão chave para as divergências se concentre no entendimento relativo ao conceito de estética. De outra estética que representa e configura o estilo de vida de quem não pertence à burguesia. É neste contexto que o termo brega parece também perpassado pelos recortes étnico/racial e de classe social. Assim, o que não é burguês torna-se automaticamente brega, porque na contramão do clássico, tende a quebrar uma tradição pautada na falta de excessos de ornamentações e no culto a simplicidade e a sobriedade. Elementos estes que segundo a tradição cristã prescrevem os fundamentos e as condutas natalinas.

Na prática brasileira, no entanto, o natal não é clássico. Pelo menos, não de forma generalizada. Primeiro, porque a sobriedade é utópica uma vez que a própria tradição incorporou o famoso brinde natalino. Pode parecer exagero, mas basta verificar as estatísticas sobre acidentes no transito, acentuadas pelo consumo de bebida alcoólica. Segundo, porque a simplicidade da festa exige champagne, taças de cristal, peru, presentes caros e roupas novas, entre outras coisas. Pode parecer contraditório, mas nem todo mundo tem acesso. E muito menos cartão de créditos. Terceiro, porque os excessos de ornamentações se tornaram marca de felicidade, seja nas decorações que iluminam as cidades e casas, seja nos acessórios que iluminam os corpos. Se a prática contraria o fundamento, e se o natal não corresponde ao conceito de clássico, evidencia-se sua tendência ao brega. Assim, o natal tem se tornado definitivamente uma festa prá lá de brega.

Uma pessoa mal vestida para os festejos natalinos, por exemplo, torna-se brega pelo desencontro com ultimo grito da moda. Mas na verdade a moda não grita. Ela dita, num sentido mais restrito de imposição e prescrição, as regras e tendências a partir de uma estética considerada como bom gosto. E isso é fundamentalmente necessário ao natal capitalista que incorporamos. E bom gosto significa gosto finalmente adequado às exigências da moda e dos costumes. Por sua vez, se os costumes podem ser entendidos como hábitos e práticas generalizadas pelo senso comum, automaticamente, contrariar as regras estabelecidas para o natal nos torna brega. Não será isso que fazemos a cada final de ano? Neste mesmo caminho, penso que usar brilho demais em terras marcadas por tamanha desigualdade social parece brega, mas não é, e sim status. Dessa forma, só nos resta classificá-lo como prática do pedantismo acintoso. Adotar comportamentos deselegantes durante as refeições é extremamente brega por contrariar a etiqueta gastronômica. Ri alto demais em locais públicos nem se fala. Mas acho que no natal tudo pode. Como pode também demonstrar decepção pelo presente recebido; incomodar a vizinhança, mesmo que para eles o natal não faça sentido; impedir que seus funcionários domésticos vivenciem o natal em família devido ao grande jantar que será oferecido para um grupo seleto de amigos, do qual logicamente, estes só devem, e podem, se aproximar para servir-los; ou ainda, promover festas natalinas que se configuram como espaços de articulação política ou extensão dos negócios.

Vale também que no natal não se olha para baixo, mas para cima. Não que dê azar, mas porque é no alto que se encontra a beleza das luzes que decoram ruas mal cheirosas e repletas de mendicantes. As luzes que iluminam árvores e prédios não se irradiam por becos onde se encontra a escória. Por exemplo, não existem borboletas coloridas na Av. Conde da Boa Vista. Elas também não chegaram às principais praças públicas do centro da cidade. Talvez porque nas praças Maciel Pinheiro, da República e Joaquim Nabuco, apenas para citar algumas, não existam flores. Talvez por que estas já estejam tomadas pelas mariposas, por extensão, prostitutas, que junto às travestis borboleteiam nas noites, independentemente do natal. Talvez, porque clarear tais espaços revele a segregação social e a ausência do poder público, o que não seria bem visto pelos de[votos]. Mas pelo menos, no caso específico de Recife, a Av. Agamenon Magalhães está repleta delas. Azuladas, rosadas, amareladas ou brancas, elas margeiam o canal que finda no Rio Capibaribe, dividindo a cidade velha em ilhas. Assim, suas lindas e criativas asas em material reciclado se limitam a sinalizar interligações entre bairros nobres. Não que o natal recifense seja apenas destes, mas que a queima de fogos fica mais bonita na praia de Boa Viagem ninguém duvida. Afinal de contas, natal nos dias atuais também é sinônimo de competição. Quem sabe um dia não se consegue melhorar a imitação de inspiração carioca. Neste ponto, me questiono se a imitação é um comportamento brega. Será que cabe no natal?

De forma resumida e simples, o que mais me consola é saber que depois do período natalino as bregamente coloridas luzes se apagam e a cidade volta rapidamente a sua rotina desorganizada e frenética. Isso se repete a anos. É tudo igual e nada muda, ou parece que mudará. Mas neste ponto, é realmente uma dádiva saber que tanto a Simone, quanto um séquito de padres cantores, reconhecidamente como legítimos comerciantes nataleiros, serão silenciados novamente por um bom e considerado período de tempo. Bom também saber que a poluição sonora mais uma vez diminuirá consideravelmente, e que o único e original brilho a iluminar a cidade virá do sol e da lua. O que tende a deixar tudo novamente menos desigual e injusto. Pelo menos no sentido da visibilidade das mazelas urbanas. Até porque os astros e satélites não costumam iluminar partes ou áreas, mas a todos, e de forma igualitária. E apesar de também virem de cima, não escondem as sujeiras e as condições subumanas em que vivem milhares de recifenses, para quem, muitas vezes, o natal capitalista que vivemos também não faz sentido, e muito menos trás melhorias.

Assim, que voem as borboletas do Recife. Não as das praças, porque cumprem com seus papeis sociais. Mas as que servem apenas como enfeites passageiros e efêmeros a pequenos e restritivos espaços. Que estas sobrevoem a cidade e irradiem os corações dos homens que verdadeiramente precisam de iluminação política social. Que abram suas asas para lhes ensinar o verdadeiro valor da sobriedade e simplicidade, elementos fundamentais para resoluções de problemas em cidades “classicamente” abandonadas não só durante o natal, como o velho e brega Recife.


domingo, 20 de novembro de 2011

DAS RUAS COLORIDAS DO RECIFE




CIRCULO DA AMIZADE
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS




CONSTRUINDO SONHOS

Envolvidos em mais um projeto social nos transformamos nos últimos meses em caçadores de tampinhas de garrafas PET. Com o novo desafio não posso negar meu espanto diante da inevitável constatação: Recife é uma metrópole totalmente tomada pelo lixo. Mais aterrador é poder constatar o quanto somos extremamente mal educados, sem a mínima noção de civilidade. Há muito tenho revelado meu descontentamento, bem como denunciado o descaso, descompromisso e ineficiência da atual administração pública comandada por um prefeito que continua dando as Costas para a cidade. Andando pelas principais avenidas ou paralelas torna-se impossível não observar a imundície que se espalha por ruas, calçadas, praças e prédios. Neste sentido, a herança “mascateira” parece ferver em nosso sangue, incorporada em nossa cultura. Para quem não lembra [ou quem não aprendeu devido ao comprometimento de nossa educação pública] o termo mascateiro figurava como alcunha depreciativa dada outrora aos portugueses do Recife pelos brasileiros que habitavam Olinda, e da qual derivou o nome de uma guerra iniciada em 1710 em nosso Estado - Guerra dos Mascates. Três séculos depois, tornamo-nos uma espécie de grande mercado público a céu aberto onde se vende e se compra de tudo - das saladas de frutas preparadas na hora e embaladas para viagem até artigos mais sofisticados. Das fantasias de carnaval às fantasias sexuais oferecidas por crianças e adolescentes que habitam as comunidades marginais [na etimologia da palavra margem]. E neste sentido é interessante ressaltar que o Recife, e por extensão o recifense, ao passo que margeia segmentos populacionais também se torna marginal [no sentido restrito a desvio de caráter moral e de ilegalidade] por negar igualdade de direitos e condições para o desenvolvimento saudável.

A omissão e a desorganização parecem ter se tornado nossas principais características. Vivemos numa cidade onde o comércio formal e os comércios informais travam verdadeiras batalhas diárias e adotam as mais esquisitas, e porque não dizer escabrosas estratégias para conquistar clientes. E falo da informalidade no plural para salientar a variedade na clandestinidade consolidada, que abrange inclusive as grandes e poderosas redes do tráfico, sejam de drogas, armas ou seres humanos. É o estabelecimento da “Lei do Autorizo”, ou lei do direito adquirido que se dá pela omissão. E neste vale tudo, tem-se sempre a impressão de que tudo cabe e tudo parece permitido. Assim, enquanto bicicletas adaptadas com potentes equipamentos de som anunciam as ultimas promoções, lojistas se valem de amplificadores e megafones para gritar a “queima de estoque”. O ruído ensurdecedor toma conta da cidade provocando incômodo e muito estresse. Quem mora em Recife não tem descanso. Definitivamente podemos afirmar que vivemos em uma cidade histérica, caótica e sem governo, onde se grita muito, se corre muito e se atropela demais. No meio disso tudo se constata ainda a existência de uma verdadeira máfia formada pelo comercio pirata que se alastra e se consolida entre ruas, avenidas e vielas. A ebulição de pessoas diante de praticáveis e carroças ambulantes revela a força do mercado informal. “Tudo pela metade do preço”, informam os comerciantes. Grandes estopas ou lonas plásticas são estendidas pelo chão e servem como mostruário aos artigos oferecidos. A luminosidade do sol refletida em CDs, DVDs, panelas de alumínio e produtos plásticos encadeiam e embaçam a visão. Empurrões e trombadas constantes provocam contusões e até ferimentos mais graves. Em dias de chuva a coisa tende a piorar mas ninguém parece se importar ou se incomodar com tamanho tumultuo. Recife tem assim se transformado em uma terra sem lei onde vale a máxima do “cada um por si e Deus por todos”.

Somos comerciários e comerciantes de origem. Vivemos e gostamos da “feira”. Incorporamos a prática da xepa diária. Praticamos o escambo e comercializamos todo tipo de artefatos. Negociamos honras, ideologias políticas, votos, vagas em filas, empregos e vidas. Vendemos carnes - animal e humana, não só em espaços ditos de entretenimento, mas também nas ruas. Os comércios desorganizados a cada dia congestionam mais as vias públicas espalhando uma quantidade imensa de lixo que se aglomera e entope as canaletas. O clima tropical parece atiçar os ânimos e assim, homens e bichos se misturam numa competição frenética por espaço, que não termina com o por do sol. Ratos que mais parecem gatos sorrateiros correm apressados entre os entulhos e famílias desassistidas. Em dia de movimento a cena é realmente dantesca, digna dos grandes clássicos de terror ou suspense. Nessa muvuca toda não seria de admirar que a quantidade de garrafas pet jogadas pelas ruas facilitasse nosso trabalho. Em uma pequena caminhada, com média de meia hora, por exemplo, é possível coletar até 150 tampinhas. E essa nos tem sido na realidade uma atividade quase que diária. E falo no plural porque a ação é conjunta e envolve outros profissionais vinculados ao projeto. Numa soma matemática despretensiosa podemos imaginar, que se a cada meia hora 150 tampinhas são recolhidas em apenas uma rua, durante um dia poderíamos chegar a 7.200 unidades. Se multiplicarmos o total diário por trinta dias chegaríamos a um quantitativo aproximado de 216.000 tampinhas, apenas nas principais ruas da cidade, o que em um ano assumiria a proporção de 26.280,00 garrafas descartadas de forma irresponsável.

GRANDE MOSAICO COM TAMPINHAS PET
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS

Neste ponto, saliento que é impressionante perceber como determinadas coisas ou fatos tornam-se invisíveis aos olhos quando nosso foco é outro. Não posso negar que já havia despertado para tal problema, porém quando nos tornamos envolvidos diretamente o mesmo assume proporções estarrecedoras. Mas esse exercício tem me servido de base para várias reflexões, principalmente sobre os impactos ambientais sobre a cidade, e consequentemente, sobre a qualidade de vida dos seus habitantes. De certa forma, até já desenvolvi uma base hipotética que norteia a lógica da minha teoria da Invasão PET: “por mais absurdo que pareça para cada garrafa jogada nas ruas existirá inevitavelmente uma tampa”. Em outras palavras quero dizer que ao se encontrar uma garrafa pet, logo em seguida será possível se deparar com uma tampinha colorida equivalente. Como a prática traz a perfeição, até já conseguimos identificar a cor da tampa pelo tipo de produto estampado nas embalagens: vermelhas para coca-cola; azul, branca ou amarela para água mineral; verde, laranja e roxa para águas com sabor, etc.

Variadas em cores e formas essas peças podem ser encontradas nas próprias garrafas ou abandonadas pelas ruas. A sequencia é simples e reveladora da conduta comportamental. Ou se joga a tampa primeiro, e depois a garrafa, ou vice-versa; ou joga-se ambas de uma única vez. O fato alarmante é que a nossa coleta tem revelado que nunca se deixa de jogá-las pelas ruas. Neste mau hábito coletivo, muitas até são frequentemente atropelas pelos veículos e se tornam inutilizáveis. Tem também as desafortunadas que rolam até os bueiros e se perdem para sempre nos esgotos poluídos. Outras, com o tempo vão sendo fincadas na terra como sementes que não vingarão nunca [o que de certa forma é positivo porque não se reproduzirão]. Independente de seus destinos, todas são tampas plásticas que poluem o ambiente e passarão séculos para se decompor. Numa visão mais pessimista poderíamos prever que daqui a algumas décadas não precisaremos mais do asfalto, pois que as nossas ruas já estarão cobertas por um enorme tapete impermeável. A situação em si, não parece alarmante ao recifense, e talvez até contribua para melhorar a imagem da cidade. Teremos então ruas extremamente coloridas. E quem sabe assim, os profissionais de marketing e publicidade possam descobrir que as ruas também podem se transformar em excelentes espaços de propaganda e divulgação. Nessa lógica, se as ruas são de responsabilidade administrativa do governo, vislumbrar-se-ia maior recolhimento de impostos. Quem sabe esse não se torna um bom projeto para a atual prefeitura? Imaginemos, por exemplo, como seria encantador residir em uma avenida refrigerante; ou mesmo morar em um velho e histórico sobrado instalado em uma ruela asfaltada com tampas de suco de laranja. Neste caso, as grandes organizações fariam o papel do governo e assim a atual gestão poderia até redirecionar os nossos recursos públicos para outros fins [de interesse coletivo, claro].

Confesso que a experiência de coletar tampinhas pelas ruas da cidade tem me revelado, e até propiciado situações bem engraçadas. Certo dia caminhando pela Rua José de Alencar, repleta de bares, fiteiros e ambulantes [verdadeiro paraíso para catadores de tampinhas], uma senhora mostrou-se incomodada com minha presença. Fato é que sem perceber, parecia seguir seus passos. Na verdade a mesma caminhava a beira das calçadas, e eu atrás, coletava as tais tampinhas jogadas nas canaletas. Em certo momento acho que apressei o passo, com a visão focada em duas tampinhas azuis livremente abandonadas próximas a uma banca de revista. A senhora assustada iniciou uma corrida desenfreada, com certeza temendo um assalto [o que não é incomum em Recife]. Em outra situação, estava em uma esteira de ginástica da academia que frequento. Na máquina ao lado havia uma garrafa quase vazia ainda com a tampa. Não iria conseguir passar despercebido, por isso, de forma automática afanei meu objeto de desejo. Um senhor que estava próximo reclamou a posse. Mas era tarde demais para ele, afinal eu havia sido bem mais ágil no ato de coleta. Essas e outras situações se somam as ações em restaurantes e lanchonetes comumente realizadas por mim e um companheiro de aventuras. Aos nossos olhos, tais tampinhas parecem verdadeiras pedras preciosas. São como rubis, esmeraldas, safiras e brilhantes que chamam nossa atenção e provocam certa ansiedade pelo desejo de aquisição. Quantas vezes nos prometemos que não coletaríamos naquele dia e minutos depois nos pegávamos agachados pelas ruas? Até competição já fizemos para ver quem coleta mais.

Talvez até possamos classificar nossos atos como nova modalidade de algum transtorno compulsivo. Isso porque com o passar do tempo a coisa parece se tornar um vício. Em alguns momentos até se faz necessário um esforço maior no sentido de resistir ao hábito recém adquirido. E neste caso específico, a melhor solução para controlar a ansiedade e os impulsos involuntários é evitar pegar a primeira tampinha. Num futuro próximo acho até que precisaremos dos grupos de apoio, seguindo a mesma lógica do “evite o primeiro gole”. Neste sentido, apesar de antiga a tática parece funcionar também conosco. Outro fato que merece destaque, ou tratamento refere-se ao fortalecimento de nossa auto-estima, diretamente atingida pelo olhar do outro. Neste aspecto torna-se interessante avaliar o impacto, ou impressão causada pelo nosso pequeno movimento sobre as pessoas. Do espanto a admiração, as expressões variam de acordo com as situações. Em algumas dessas, percebemos que as pessoas passam a nos observar de forma estranha. Como se fossemos malucos. A perplexidade estampada em muitos dos rostos curiosos evidenciam uma pergunta, ou indagação, muitas vezes silenciada pelas circunstancias morais: porque pessoas normais estariam se passando para coletar tampinhas de garrafas espalhadas pelas sujas e esburacadas ruas do Recife? Acho que algumas pensam se tratar de caridade ou algo no caminho do assistencialismo. Outras, talvez nos vejam como ambientalistas sonhadores e utópicos que pensam em salvar o planeta. Mas, a maioria com certeza tenderá sempre a nos rotular como doidos varridos. E talvez até sejamos.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARTICIPAM DO
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS

Contudo, nossa causa tem um objetivo bem concreto: contribuir para construção do “circulo da amizade”, atividade lúdica e pedagógica desenvolvida junto a crianças e adolescentes de uma comunidade esquecida pelas políticas públicas. Na verdade o intento é montar um grande e colorido mosaico, com figuras formadas a base de tampinhas de garrafas pet, que expressam os mais puros sonhos e desejos de crianças e adolescentes comuns, que se diferenciam apenas pela falta de acesso aos serviços públicos de qualidade. Assim, não coletamos apenas tampinhas descartadas de forma irresponsável, mas contribuímos para a construção de sonhos, fundamental para o desenvolvimento saudável de qualquer ser humano. Não pregamos falso ambientalismo, apenas encontramos na reciclagem uma forma viável para ensinar através da educação possibilidades de transformações pessoais e sociais. Também não praticamos assistencialismos, mas apenas buscamos através da coerência pedagógica favorecer a inclusão social. E isso sim é transformador por viabilizar sonhos. Sonhos de adultos que acreditam na assistência social como alternativa concreta para diminuir [ou pelo menos minimizar] desigualdades sociais em um país tão rico em ideologias e tão pobre em educação e coerência cidadã.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

INVASÃO OU INVERSÃO DE VALORES MORAIS E POLÍTICOS





A INVASÃO DO PET VERSUS A INVERSÃO DO PETI.


A cada novo dia me convenço mais que estamos envoltos em uma revolução que poderíamos classificar como sócio-ambiental. Refiro-me diretamente a Invasão Pet. E antes que se apontem duvidas sobre um horizonte por demais nebuloso, esclareço que o PET a que me refiro nada tem haver com o PETI. E só para evitar confusões, é bom lembrar que o Peti [com I] – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um programa do Governo Federal que possibilita a articulação de um conjunto de ações, que tem como objetivo retirar crianças e adolescentes das práticas do trabalho infantil. Nessa lógica reafirma-se o velho jargão de que “Lugar de Criança é na Escola”. Mesmo que estas não funcionem ou não contribuam efetivamente para o desenvolvimento cognitivo e/ou moral das crianças e adolescentes, como se verifica em muitas comunidades isoladas nos confins de muitos municípios pernambucanos. E não pensem que me refiro aos distanciados geograficamente da capital, pois que esta é uma realidade bem próxima e atinge também a grande área metropolitana. A isso se chama Inversão do Peti.

Já o Pet [sem I] a que aqui me refiro, trata-se do Politereftalto de Etileno, que é um polímero termoplástico formado pela reação entre o ácido tereftálico e o etileno glicol [se algum químico de plantão souber explicar melhor, agradecemos], principalmente utilizado na forma de fibras para tecelagem e na forma de embalagens plásticas para bebidas. Logo esse Pet é mais conhecido, afinal de contas quem não toma refrigerantes e sucos em garrafas plásticas? E o pior, quem nunca jogou uma garrafa dessas no meio da rua? A isso podemos chamar de Invasão do Pet. E este, assim como o Peti, também se mostra mau administrado pela maioria dos municípios, não só de nosso Estado, mas creio que de forma generalizada por todo o país.

A diferença entre ambos é bem simples: o primeiro é classificado e deve ser entendido enquanto “programa”; já o segundo, classificado e entendido enquanto “produto”. Logicamente devemos considerar que todo programa tem como objetivo um produto final de qualidade; ao passo que, todo produto tem como premissa básica a qualidade de um programa operacional. Mas independentemente de suas classificações, ambos - programa e produto dependem da qualidade gerencial. Assim, podemos dizer da existência de um verdadeiro antagonismo praticado pela gestão pública no que se refere ao gerenciamento dos dois. Pois que, se o Peti trabalha na perspectiva da prevenção enquanto estratégia de proteção contra as situações de vulnerabilidades e riscos sociais a que milhares de crianças e adolescentes brasileiras estão expostas; o Pet, por sua vez, representa uma ameaça não só a essas, mas a toda humanidade.

Digo então, que entender sobre Peti e de Pet é mais que uma decisão voluntária, mas uma consciente obrigação por parte de todos os cidadãos brasileiros. O gerenciamento de ambos é uma responsabilidade direta da gestão pública. Quanto a isso não há dúvidas. Mas o seu monitoramento e controle pertence e cabe à sociedade civil como um todo. Neste caso, o antagonismo também se estende ao povo, ou melhor, as populações em geral. Se por uma lado o Peti gera renda, que logicamente movimenta o mercado; por outro, o Pet tem gerado altos custos devido aos impactos ambientais, pelos quais todos nós pagamos. Logo, os elevados custos diminuem os lucros, o que enfraquece o mercado. Sem mercado não existe geração de renda, o que inviabiliza o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. E assim sucessivamente.

O positivo da questão é que Peti e Pet mostram-se como grandes problemas administráveis. Mas para isso não basta boa vontade, mas educação. Principalmente educação de base, e consequentemente, educação política [o que logicamente difere da educação de base politiqueira]. Seguindo esse raciocínio, Peti, Pet e Educação estão diretamente relacionados. De forma mais simples e direta, a equação Peti/Educação/Pet respalda-se na possibilidade do Peti garantir educação de base também para o uso e controle do Pet por parte de crianças e adolescentes. E isso se faz na escola. Logo, vale a velha máxima de que o lugar de Pet é o mesmo da criança, ou seja, na sala de aula. O produto Pet se torna então instrumento de base para um programa de transformação social que se dará através da educação ambiental. E isso se faz através da consciência ecológica.

Amplamente sabe-se que criança bem educada contribui para a transformação familiar. Famílias bem informadas, não só sobre direitos, mas também sobre responsabilidades contribuem para a transformação social. Numa lógica seqüencial entenderemos que Educação de base transforma o indivíduo, que por sua vez transformará a família e consequentemente a sociedade. Se a sociedade transforma o Estado, sempre valerá a máxima de que só a educação será capaz de transformar o mundo. E isso é matemático, ou seja, é preciso [tanto no sentido de exatidão, quanto no sentido de necessidade].

Se o raciocínio lógico é fundamental ao desenvolvimento adequando dos indivíduos, também se mostra fundamental ao desenvolvimento do país. E isso se dá através do acesso ao ensino de qualidade. Que também será garantido a milhares de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidades e riscos sociais através do Peti. Mas este, especificamente, só funcionará e atingirá seus objetivos [que devem ser nossos enquanto cidadãos] se houver uma gestão política pautada na educação moral [o que infelizmente parece está em falta no mercado]. Será que a gente consegue? Melhor então deixar como reflexão.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

HOMENS E MULHERES TRANS - SERES MITOLÓGICOS







TRANSEXUALIDADES - QUESTÕES QUE REVOLUCIONARÃO O MUNDO MODERNO

A sexualidade humana sempre foi um tema inquietante e ao mesmo tempo tentador. O entendimento de como determinadas orientações e preferências sexuais se estabelecem ou se estruturam tornou-se foco de discussões polêmicas ao longo dos séculos, dividindo opiniões, e consequentemente povos e culturas. O movimento feminista trouxe a tona uma necessidade de reavaliação sobre a heteronormatividade, instaurando as discussões sobre gênero entre os acadêmicos e os simples mortais. A revolução sexual impôs novas reflexões sobre as sexualidades dos homens e mulheres, abrindo espaço para a emergência de novas configurações e possibilidades de suas vivências e experimentações. Erotismo, tesão, excitação, prazer e orgasmo invadiram os campos de pesquisas, nas mais diversas e distintas áreas de conhecimento, possibilitando novos olhares sobre como os sujeitos da contemporaneidade tem convivido com suas sexualidades. Antes tabu, com o advento da AIDS, a partir da década de 1980, nunca se falou e pensou tanto sobre sexo e comportamentos sexuais. A viabilidade das discussões fez emergirem dos subterrâneos, categorias identitárias que por muito tempo foram consideradas, rotuladas e mantidas as margens da sociedade como desviantes da norma que se pautava numa lógica unicamente reprodutiva.

Neste sentido entende-se que os tempos mudaram, porém as regras preconcebidas e discriminatórias parecem se mostrar ainda fossilizadas no censo comum das populações em geral. Em vários encontros com estudantes, profissionais da educação, da saúde ou operadores do direito das mulheres, crianças e adolescentes, tenho observado certo ranço em relação as novas configurações da sexualidade, que logicamente encontra respaldo numa lógica biológica e higienista da condição humana. Penso então, se de certa maneira, o pânico gerado pelas diferenças não se mostram como resultantes de um estado de latência. Dito de outra maneira, questiono se para muitas pessoas essa sólida demarcação das diferenças não se apresenta como forma de proteção ao desejo de experimentações potenciais. Sendo mais claro e objetivo, proponho uma reflexão sobre o que realmente nos incomoda na figura das travestis. Será a concretude da quebra de regras naturalizadas como sadias pela cultura ocidental, ou os significados inerentes a constatação da plasticidade das sexualidades? De certo modo, as travestis resgatam velhos signos mitológicos por viabilizar a harmonização entre o masculino e feminino. Seres híbridos que transitam facilmente entre polaridades. Mulheres penianas que concretizam a simetria em um único corpo. Neste sentido, confesso que gosto de pensar nas travestis como sereias encantadas e encantadoras, que numa relação “metá-metá” brincam com as dimensões do imaginário e das subjetividades alheias. Nem humanas, nem peixe. Nem homens e nem mulheres, apenas seres concisas em si mesmas.

Mas no campo dos devaneios, não tem sido raro o contato direto com discursos oposicionistas por parte de ferrenhos conservadores e defensores da velha moral e dos bons costumes, que insistentemente se mantém presos na doutrina do esquartejamento dos corpos. Tendem ainda a entender os homens e mulheres em partes, de forma segmentada e não totalitária. O que é o homem afinal? O que o diferencia da mulher? Afora o pênis, na minha concepção, nada mais os diferencia além dos constructos culturais. Aprendemos a ser homens e mulheres através da cultura, o que significa que existem flexibilidades sobre as próprias concepções sobre o ser macho e fêmea. Não acredito que uma mulher possa, e deva ser vista e entendida apenas como portadora de uma vagina. Afinal de contas, nós humanos somos muito mais que apenas órgãos genitais. Neste sentido, os conceitos de masculinidades e feminilidades nos abrem um leque de possibilidades de entendimentos e concepções que talvez se encontrem mais alinhados com as necessidades e demandas da modernidade. Se sairmos do recorte biologista talvez se consiga entender que o pênis é um órgão tão importante quanto os demais, mas não tão mais operante que os outros a ponto de garantir nossa existência. Como se diria antigamente, talvez o problema consista no fato de algumas pessoas pensarem mais com a “cabeça de baixo”, justificando expectativas e comportamentos através de uma representação simbólica outorgada ao pênis. Neste aspecto, as pessoas falocêntricas tenderam a minimizar suas capacidades de vivenciar prazeres.

Muito tenho ouvido dizer que “as travestis são mulheres presas em corpos masculinos”, ou ainda pior, “homens com almas femininas”. Nestes casos, costumo dizer que definições romanceadas não inviabilizam configurações preconceituosas. A identidade sexual de um sujeito é resultado de um conjunto de fatores e não de uma única causa – a transgressão. No processo de desenvolvimento humano, ninguém nasce com a genuína vontade ou vocação para ser homem ou mulher. Pessoas se descobrem enquanto sujeitos do feminino ou do masculino. A orientação sexual sinaliza o foco do nosso objeto de desejo [ou dos objetos de desejos], para quem ou onde direcionamos nossa atenção e nos sentimos atraídos afetiva e sexualmente. E neste sentido, um pênis ou uma vagina não controlam comandos e impulsos instintivos e corporais no sentido de direcionamento dos desejos. Não é algo racional e manipulável, mais involuntário e inconsciente, pois que é do campo das subjetividades. E subjetividades não se moldam, mas se constroem ao longo dos tempos a partir das experiências individuais. No entendimento dessas novas configurações da sexualidade que se apresentam talvez a grande dificuldade se concentre no processo de abandono a norma milenar estabelecida a partir da biologia, para revisitar velhos conceitos a partir da concepção de gênero. Acredito que só através desse reordenamento poderemos entender e conceber a existência, bem como a viabilidade da existência de homens com vaginas e mulheres com pênis.

Neste sentido, sempre tenho questionado meus alunos sobre suas concepções de heterossexualidade e homossexualidade. Busco dessa forma, instigá-los a [re]pensar no quanto ainda estamos presos aos paradigmas conservadores e ultrapassados que tem respaldado nossas compreensões sobre a sexualidade humana. Como se diria os mais velhos, gosto mesmo de “cutucar o diabo com a vara curta”. Começo lembrando-os que o que caracteriza a heterossexualidade é a atração pelo sexo oposto - logo, homens sentem desejos por mulheres, e por sua vez, as mulheres por homens. Considerando-se então a cirurgia de transgenitalização, pela qual se torna possível a mudança de sexo, um homem que gosta de outro homem, quando transgenitalizado será retirado da categoria homossexual e passará a ser entendido como pertencente a categoria heterossexual. Claro que entre os alunos a colocação mostra-se perturbadora e impactante num primeiro momento, porém as reflexões começam a fluir de forma mais sistematizada. A celeuma se instaura no exato momento de se questionar o que demarca ou delimita a orientação sexual de uma pessoa. Se o que configura e determina nosso entendimento sobre o que é ser mulher encontra-se centrado existência de uma vagina, não existe motivos plausíveis para não se reconhecer uma transexual também enquanto mulher. Explicando melhor, podermos pensar: se antes da cirurgia a pessoa em questão era do sexo masculino pelo simples fato de possuir pênis, após os procedimentos cirúrgicos, automaticamente passará a ser concebido como mulher, pois que agora possui vagina. O silêncio sempre se faz presente nestes momentos. Considero mesmo que o seja inevitável. Porém o incomodo inicial é sempre quebrado com argumentos recorrentes: “mas ela não possui útero e nem trompas, logo não pode ser considerada ou classificada como mulher”. O mais engraçado de tudo é constatar a repetição da afirmativa seguinte, também recorrente: “pelo menos não é uma mulher natural”.

O velho discurso do que é natural parece ser bastante para justificar resistências, negando possibilidades de reflexões mais fundamentadas numa concepção lógica. O objetivo de tal provocação é possibilitar novos olhares sobre velhas concepções. A “mulher não natural” estabelece o lugar de negação e exclusão da “mulher artificial” – a mulher transgenitalizada. Por esse viés entende-se então que não é a vagina que determina o ser mulher. Agora trompas e úteros são evocados para reivindicar o lugar da norma, o que valida e respalda o discurso unicamente biológico entre estudantes ainda nos tempos atuais. Recorro então a uma nova provocação questionando-os se este recorte não nos levaria a entender que o fato de algumas mulheres não possuir útero as destituiria automaticamente do lugar de mulher. Novo silêncio se anuncia e dessa vez tende a se mostrar mais prolongado. Algumas argumentações fragilizadas são lançadas ao ar, até que a grande cartada é lançada sobre a mesa. “Mas mesmo com vagina, as transexuais não conseguem gozar”. Ponto final para a velha discussão, ou momento para ressuscitar Freud e sua polêmica teoria sobre o gozo clitoriano? Talvez momento propício e ideal para se questionar sobre gozo e as formas de gozar, penso eu. E lá vamos nós em novas buscas por respostas. Gozar é a mesma coisa que ejacular ou são coisas distintas? Ejacular é orgânico, logo biológico, enquanto gozar é emocional, logo subjetividade? Só existe gozo através e/ou via ejaculação? Será que um sujeito pode pela falta de envolvimento afetivo, por exemplo, chegar a ejacular sem gozar? E um sujeito envolvido emocionalmente e/ou afetivamente poderá chegar ao gozo sem necessariamente ejacular em algumas situações?

Mas uma vez os antigos diriam que “esse assunto daria panos para as mangas”. Assim, recorrendo ao dicionário verificamos que gramaticalmente gozar significa sentir prazer intimo, deliciar-se com; sentir prazer ou satisfação; experimentar prazer. Na cultura brasileira, gozar assume o sentido de se atingir o orgasmo. Entende-se então que orgasmo pode ser classificado como o mais alto grau de excitação dos sentidos ou de um órgão, especialmente durante o ato sexual. Já ejacular pode ser compreendido como derramamento com força, emissão, expulsão [de um líquido, por exemplo]. Neste sentido o ato de “ejacular algo” parece configurar-se como ação mecânica, que poderá ou não vincular-se a ação prazerosa. Prazer, ou gozo, por sua vez mostra-se como algo mais amplo por envolver sentimentos. O gozo sexual pode ser pensado pelo campo da subjetividade por agregar vários fatores, entre os quais, as sensações provocadas pelo toque, pelo atrito, pelo beijo, troca de suores, galanteios, encantamentos, paixões e amores, entre outros. O gozo em si independe da excitação sexual, o que não se aplica, via regra, a ejaculação. Assim, parece falarmos de coisas distintas, que logicamente quando unidas provocará uma espécie de prazer, mas não a única ou a melhor forma. Outro aspecto relevante é que o prazer não necessariamente se vinculará ao ato sexual. A ejaculação por sua vez, relaciona-se via regra, diretamente ao ato sexual, seja solitário, em dupla, em tripla ou nas mais variadas quantidades de conjugação. Ainda vale salientar que o gozo não será proporcionado apenas pelos pênis ou vaginas, até porque existem outras zonas erógenas espalhadas pelos corpos que podem provocar sensações tão ou mais prazerosas. Neste jogo de sedução e liberação da energia libidinal parece ganhar mais quem expande as possibilidades para outras partes corporais como dedos, bocas, línguas, pés, ânus, seios, entre outras. Neste sentido, o ato de ejacular mostra-se isolado e restrito a um único órgão, enquanto que o prazer tende a revelar outras dimensões corporais e sensoriais.

Acho que neste ponto torna-se interessante pensar que ninguém goza igual a ninguém, seja na forma, intensidade, localização da fonte de prazer ou sentido atribuído ao ato [e ao fato]. Se existe forma, ou regra regular para provocar a ejaculação, o mesmo não se aplica ao gozo. Este faz parte da descoberta, inclusive da própria sexualidade. Assim, acho que gozar é um estado de congruência psíquica e física, pelo qual o corpo torna-se loco das sensações sentidas e vivenciadas. Afirmar que uma pessoa transgenitalizada não goza é negar as possibilidades de descobertas individuais. É tentar generalizar algo que é pessoal e intimo demais para ser propagado como regra. Basta-se pensar que muitos dos homens dotados de pênis e mulheres dotadas de vagina [e também útero e trompas] não conseguem gozar durante as relações sexuais, o que também se aplica ao ato de ejacular, seja voluntaria ou involuntariamente. Neste aspecto, vale a máxima de que a intimidade é algo intransferível, pois que se torna subjetivado na particularidade de cada indivíduo.

Descobri-se do feminino ou do masculino não nos inviabiliza de experimentar novas experiências e configurações corporais e emocionais. Formas de vestir, andar, comer, sentar, falar, bem como comportamentos, são frutos de constructos sociais. Não são naturais ao indivíduo, mas aprendidos e apreendidos dentro de uma cultura específica. Homens escoceses usam saias e nem por isso são destituídos do lugar de masculino. Homens brasileiros esperam o carnaval para extravasar a feminilidade. É a nossa cultura, nem melhor ou pior. Apenas culturas diferentemente ricas. E é por via desta que atos e comportamentos são naturalizados como características peculiares ao masculino e ao feminino. A sociedade ocidental institucionalizou os papéis de gênero, que consolidados no censo comum das populações brasileiras, se estabeleceram como rígidas regras que devem ser seguidas. Então a dificuldade não consiste em aceitar as diferenças, mas no processo de quebra com os antigos paradigmas sociais. Também neste aspecto vale lembrar que a cultura nos dirá dos comportamentos, do processo de socialização, mas não dos nossos sentimentos e desejos mais íntimos. Assim, é preciso entender que orientação sexual não é fruto da aprendizagem, mas das descobertas pessoais. E para quem gosta do discurso “naturalizante” talvez seja aconselhável melhor observar a base da doutrina, uma vez que a própria natureza mostra-se vasta em diferenciações de espécies, onde heterossexualidade, bissexualidade e homossexualidade caminham juntas “desde que o mundo é mundo”.

Finalizo destacando apenas que o processo de naturalização dos processos pessoais e humanos parte talvez da nossa necessidade de diferenciação, processo pelo qual nos descobrimos a nós mesmos, e assim formamos nossa própria identidade. A necessidade de categorização é humana e não da natureza. É uma criação do homem. Assim, da mesma forma que tendemos a dividir e agrupar pessoas entre negros e brancos, altos e baixos, gordos e magros, feios e bonitos, nos sentimos tentados as categorias sexuais – gays, lésbicas, travestis, transexuais, intersexos, bissexuais, homossexuais, heterossexuais, pansexuais. Mas se estas categorizações nos respaldam a distinção do outro, nos tornando individuais [indivíduos], não devem nos servir para respaldar também as desigualdades. Até porque apesar das diferenças identitárias somos iguais em essência no que se refere à espécie animal. Como diz a sabedoria popular, “o mundo não foi construído em apenas um dia”. Do mesmo modo, uma identidade não se constrói do dia para a noite. Por isso, torna-se pertinente [re]pensar que orientação sexual não se configura como opção, pois que esta parte de uma decisão de escolha voluntária e consciente. A classificação ou terminação “opção sexual” nos serve apenas para consolidar a concepção de identidades e práticas desviantes da norma heterossexista que se pauta numa cultura falocêntrica que não cabe nos dias atuais, onde os metrossexuais parecem ditar as novas regras de conduta masculina e a moda. Assim, mais uma vez plagiando o Pepeu Gomes, lembro que “ser um homem feminino não fere o lado masculino” de ninguém, e que ser [e se mostrar] diferente é salutar, não podendo servir como justificativas para a destituição da honra e/ou caráter do outro.

sábado, 15 de outubro de 2011

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

O QUE É POLITICAMENTE CORRETO?
Muito tem se falado sobre comportamento politicamente correto. Neste sentido, a polêmica atual tem como base a nova campanha de lingeries da Hope, estrelada pela nada menos mega modelo Gisele Bündchen. Na referida peça publicitária, a estrela ensina como as mulheres devem dar péssimas notícias aos seus maridos. Ela surge então em dois momentos. No primeiro, vestida, anuncia que bateu com o carro, estourou o cartão de crédito e que sua mãe virá morar com o casal. Num segundo momento, retorna usando sofisticadas peças íntimas de cor vermelha. A situação geradora de conflitos é a mesma, as informações são as mesmas e a mulher é a mesma. O que muda então? O apelo à sensualidade e erotização como armas de sedução e barganha. E o que causa incômodo, a ponto de consumidores, movimentos feministas e secretarias de governo tentar impedir sua veiculação? A manutenção da idéia preconceituosa de que a mulher é o sexo frágil e que precisa usar o corpo para negociar com o parceiro, cultuado como o todo poderoso e dono do mundo – o homem. Neste sentido, o corpo torna-se então objeto capaz de reduzir ou minimizar a violência masculina. Mas, de que violência se está realmente falando? Da violência física resultante da possível cólera desenfreada do marido diante das catástrofes comunicadas pela esposa; ou da violência moral a que a personagem precisa se submeter para não ser agredida? Porque não apelar para o diálogo ao invés de precisar tirar a roupa? Poder-se-ia entender ou deduzir que neste caso específico, o corpo da mulher em questão torna-se moeda de troca, uma espécie de reparação ou compensação aos danos materiais provocados? Ou tudo não passa apenas de uma brincadeira, pautada numa cultura héteronormativa e sexista?
Na minha concepção, não acredito que proibir uma campanha se mostre menos agressivo do que o subtexto machista impresso no comercial. Afinal de contas vivemos em um regime democrático, pelo qual lutamos tanto, o que nos possibilita a livre expressão.  Porém, entendo e compactuo com o movimento que alerta para a necessidade de se chamar a atenção da população em geral, principais consumidores dos produtos vendidos, sobre as estratégias de marketing utilizadas pela empresas de propaganda e produtoras. A bem pouco tempo atrás a Juliana Paes aparecia dentro de uma garrafa de cerveja, que despertava no imaginário masculino que se poderia degustá-la inteira. Indiretamente, considerando que cerveja se consome pela boca, pelo qual se dá o ato de comer, entende-se que cerveja e mulher tornam-se comestíveis e que estão à disposição de todos. A fora isso se veicula a idéia errônea da mulher enquanto objeto de consumo. Mulher e cerveja no Brasil, de certa forma, viraram quase que sinônimo. A imagem de uma mulher nua, com os braços arqueados sobre os cabelos tornou-se rótulo e marca da “Devassa”. Entre linhas sugere-se que ambas, apesar de boas e prazerosas, podem provocar estragos – devassidão, a ponto de levar os homens a perderem a cabeça, ou o controle. Mas devassa, também tem significados mais negativos, tornando-se muitas vezes, pelo menos no Nordeste, sinônimo de mulher de caráter duvidoso. Uma mulher devassa pode, por exemplo, ser correlacionado a mulher prostituta. Esclarecendo aqui, que logicamente o ato de exercer a prostituição não necessariamente torna mulher uma devassa ou de caráter duvidoso. O que questiono é o porquê as mulheres ainda permitem que sua imagem seja vendida de forma negativa. A cerveja não pode ser devassa por si só, independente do recorte de gênero? O problema é talvez esteja no poder da publicidade em transformar até mesmo coisas negativas em imagens positivas. Assim, até certo ponto, algumas mulheres se sentem homenageadas no papel de devassa, ou da “boa”, que todo homem deseja e cobiça, mas a qual nem sempre respeita.
Penso que nesta discussão, nos cabe também chamar a atenção das pessoas ou personalidades, tidas como formadoras de opinião. Talvez o melhor caminho fosse questionar as/os próprias/os modelos sobre suas concepções e comprometimentos com as mensagens vinculadas as suas imagens. Se é que as ofertas monetárias possibilitam espaço para tais reflexões. No momento atual torna-se facilmente perceptível que algumas dessas personalidades também já se tornaram produtos. Talvez a falta de consciência política os faça pensar muito mais em suas contas bancárias do que nas repercussões de seus atos, gestos e palavras. Neste sentido também, se faz necessário entender que nem todo mundo tem a obrigação de levantar bandeiras alheias ou participar de movimento dos quais não conhece, acredita, ou pior credita respeito e/ou importância. Especificamente no caso da violência contra mulher, talvez quem nunca tenha sofrido agressões não encontre motivos para tanto alarde provocado por uma simples campanha publicitária. Mas considerando que o Brasil é um país com os maiores índices de violência doméstica, e que as principais vítimas são exatamente as mulheres, mostra-se contraditório que uma mulher bem sucedida como a modelo contratada precise utilizar de recursos tão primários e estereotipados para justificar suas falhas.
Sempre tenho dito em palestras, cursos ou mesmo em minhas aulas que ministro, que quando nos dispomos a ocupar um determinado lugar devemos assumir as responsabilidades inerentes ao lugar que ocupamos. Ou seja, nos tornamos responsáveis diretos pelos impactos causados no coletivo a partir de nossas próprias ações. Assim, talvez não seja realmente a campanha que deva ser censurada, mas as personalidades que contribuem para fortalecer os estigmas sociais delegados a determinados segmentos da população. E aqui, vale salientar que quando me refiro a censurar não me refiro a proibir, mas a chamar a atenção. Penso que a tão sonhada transformação cultural e social do país só se dará pela educação. Neste sentido, quero dizer que se a população feminina fosse mais esclarecida iniciaria um movimento de boicote as peças da referida empresa. Por esse viés, se cada vez que a população que se sentisse atingida e incomodada por determinada campanha substituísse as marcas dos produtos consumidos, provocaríamos uma alteração de comportamento por parte dos produtores e publicitários. Na verdade a linguagem mais poderosa do mundo moderno chama-se dinheiro, entendido aqui, como lucros. É o que sustenta uma organização comercial. Se as compras diminuem, os lucros caem, provocando reflexões sobre a qualidade dos serviços prestados. Talvez quando o consumidor entender que tem a grande arma nas mãos, consiga provocar um movimento contrário e consciente em prol do respeito ao exercício da cidadania. E a coisa é bastante simples. Se por exemplo sou mal atendido em um determinado restaurante, nunca mais volto ao local. A mudança na lógica consiste então, em fazer o consumidor entender o seu lugar de cliente – de provedor. Isso significa entender que somos nós os grandes responsáveis por determinadas ofensas e insultos a que somos expostos frequentemente pela publicidade midiática. Se me torno um consumidor consciente, contribuo de forma significativa para a transformação publicitária. Para mim, como diria a famoso investigador inglês, “isso é elementar meu caro!”.