sexta-feira, 30 de agosto de 2013

NATAN DONADON E OS DANADÕES NA POLÍTICA NACIONAL


 
DEFINITIVAMENTE OS POLÍTICOS NÃO ME REPRESENTAM!

Já temos nosso primeiro presidiário de luxo, para quem continuaremos pagando salários e regalias! É o Deputado Natan Donadon, condenado pelo Supremo Tribunal Federal – STF a 13 anos e 04 meses de prisão por peculato e formação de quadrilha. Destaca-se que Peculato se configura como crime cometido por servidor público contra a União. Neste caso, o magistral deputado foi acusado e condenado em 2011 por integrar uma quadrilha que desviou a singela bagatela de R$ 8 milhões e 400 mil da Assembleia Legislativa de Rondônia, estado que o elegeu pela terceira vez como representante do povo. Depois de fugir e se esconder da polícia federal, o então gatuno resolveu se entregar, exigindo julgamento justo. Ontem teve aprovada pela Câmara dos Deputados a manutenção de seu mandato como parlamentar. Isso significa que manterá seus direitos garantidos enquanto cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda. Em outras palavras, nosso mais ilustre larápio continuará tendo direito ao salário, verba de gabinete, apartamento funcional, plano de saúde e demais regalias, que logicamente são pagos com o dinheiro de nossos impostos.

A medida inusitada e inédita, que contraria a determinação do Supremo Tribunal Federal, símbolo máximo da justiça brasileira, evidencia de vez o caráter duvidoso, a ineficiência, o corporativismo e a total ausência de ética e compromisso político de nossos ilustres parlamentares. Definitivamente a Câmara dos Deputados deu sinais mais que claros de que não representa os desejos, e muito menos as vontades do povo, mas ao contrário legislam em causa própria. Esta é sem dúvida alguma a maior e a mais escrachada e nociva demonstração do tamanho da falta de vergonha na cara por parte de nossos representantes. Revela a postura corrupta dos nossos políticos, que eleitos pelo voto direto se tornam usurpadores com status de homens de bem.  Dos 470 deputados que registraram presença ontem na Câmara, apenas 459 estiveram no plenário. Destes, 11 simplesmente não compareceram a votação, dos quais 10 representam o Partido dos Trabalhadores – PT. Do total de deputados presentes, somente 405 votaram o pedido de cassação de Natan Donadon, porém 04 apelaram para a obstrução do voto, fazendo com que os mesmos não fossem computados, entre os quais o deputado pernambucano Pedro Eugênio, do PT, como noticiaram os jornais. Fora isso, “100 deputados se negaram categoricamente a cassar qualquer deputado e criticam o STF por ter mandado para prisão um de seus pares” (Diário de Pernambuco, 30.08.2013).

É a imoralidade consolidada como cultura. A artimanha logicamente tem como propósito abrir espaço para a manutenção dos cargos dos envolvidos no esquema do mensalão. Prolongaremos assim a lista de ladroes privilegiados. Como disse o Arnaldo Jabor, criaremos uma nova categoria de presidiários bem mais caros: os deputados condenados (Jornal da Globo, 29.08.2013). O que o caso Donadon revela nacionalmente é a prática politiqueira que assola o país, onde quadrilha defende quadrilha em nome da garantia da manutenção do poder. É o evidenciar da pratica mais que corriqueira dos corruptos de colarinho e gravata que se elevam acima da lei e que estão peidando para o que o povo acha ou pensa sobre suas ações e posturas. Enquanto o Governo de Pernambuco, arbitrariamente, exige que os manifestantes dos protestos de rua retirem as máscaras e revelem suas identidades, nossos parlamentares se escondem atrás de recursos, subterfúgios e objetivos escusos que depõem contra a democracia. A transparência solicitada nas manifestações populares não é a mesma exigida no exercício dos cargos públicos. Logo, quais as verdadeiras máscaras que devem cair? Um deputado que impugna seu voto não age de forma tão sorrateira e duvidosa quanto quem se esconde atrás de uma máscara para atacar o patrimônio público? Votar a favor do mandato, e consequentemente da manutenção dos direitos, de um criminoso que lesou os cofres públicos não é também um ato de vandalismo? Manter corruptos no poder não é atacar o patrimônio público? Então do que estamos realmente falando?

Fato é que a desmoralização tomou conta de nossa política. No cenário de escândalos a que aparentemente nos acostumamos Donadon não parece mais corrupto que os demais parlamentares que riram da cara do povo ontem. Isso tudo é lamentável. Uma verdadeira lástima. Até porque confirma o que popularmente já se sabe: lugar de criminoso não é só na cadeia, mas também na política. Definitivamente escancaramos aos quatro cantos a depravação e a desmoralização como pratica da política nacional. Apesar das pressões populares a favor da transparência e da legalidade os políticos se mostram íntegros a seus princípios e caráter duvidosos, o que revela que a situação é pior do que se imagina. Revelam-se como parasitas sanguinários, capazes de se alimentar da miséria humana. Assim a prática da corrupção não se revela simplesmente como falha de conduta, mas principalmente como desvio moral da personalidade. Para nós pobres humanos que ainda mantemos um pouco de sanidade é extremamente difícil, e por que não dizer impossível, conceber que um bandido exerça um cargo público. Manter um criminoso no cargo de deputado é consolidar a marginalidade como prática eficaz e de sucesso. Quem disse que o crime não compensa? Eis a prova! Talvez os políticos estejam loucos. Talvez estejamos todos sofrendo de um surto coletivo e degenerativo que corrói paulatinamente nossos mais profundos princípios de civilidade e valores éticos e de cidadania. Quem sabe? Só sei que na conjuntura atual, posso afirma de forma plenamente consciente que nenhum político me representa! EXIJO MUDANÇAS URGENTES! EU VOTO NULO!

sábado, 24 de agosto de 2013

GOVERNO PROIBE USO DE MÁSCARAS NAS MANIFESTAÇÕES DE RUA

O QUE REALMENTE SE ESCONDE POR TRÁS DAS MÁSCARAS?

Na terra do carnaval não se nega a força e o poder das máscaras, seja pelo fascínio ou medo que provocam. O adereço popular, farta e livremente utilizados pelos foliões, caracteriza e particulariza uma das maiores festas do planeta dando-lhe colorido e beleza especiais. A multiplicidade de feições e expressões, bem como a diversidade de tamanhos, formatos e estilos revelam uma característica nossa, a disponibilidade para a felicidade.  Além disso, as máscaras possibilitam a divulgação e consolidação de nossa identidade enquanto brincantes. Neste sentido, assumem a função de símbolos da irreverência e da criatividade de um povo, funcionando muitas vezes como instrumento de crítica, e logicamente, instrumento de afirmação ideológica.

Esta semana as máscaras tornaram-se alvo da repressão por parte de um governo que se diz democrático. A proibição do uso de máscaras durante manifestações ou atos públicos contraria uma lógica de nossa cultura. Assim, a determinação impetrada pelo governo de Pernambuco reacende a necessidade de novas reflexões sobre o direito de livre expressão e liberdade, garantidas na Constituição Federal. O argumento utilizado para fundamentar o dispositivo legal é a omissão da identidade do indivíduo que se utiliza da máscara para agir de forma segura e camuflada contra o patrimônio público e a segurança da sociedade, o que dificulta sua identificação e, consequentemente sua penalização. Mas a omissão da identidade nas ações contra o povo e a sociedade não é característica única dos vândalos infiltrados nas manifestações populares. Os políticos se utilizam do mesmo recurso para aprovar leis e projetos que não beneficiam a coletividade através de votações secretas e fechadas que se dão tanto nas câmaras como no senado. Dois pesos e duas medidas não são garantias de igualdade de direitos, e muito menos símbolo ou sinônimo de democracia.

Se o ato de retirar a máscara evidencia a identidade individual, o ato de colocar as máscaras reafirma e fortalece a identidade coletiva. E neste sentido, para ação dos sistemas opressores, que não se utilizam do diálogo como forma de negociação e resolução de conflitos, a proibição do uso da máscara se apresenta como medida eficaz e instrumento imediato de controle e opressão. É preciso entender que o vandalismo é também resultado da violência praticada pela polícia, ainda que esta se apresente de maneira camuflada ou mascarada de boas intenções. Até por que como diz a voz do povo, de boas intensões até o inferno está cheio. Logo, torna-se evidente que não se combate violência com mais violência. A repressão da vontade popular sempre foi a principal arma da ditadura, e esta o povo derrubou há exatamente 29 anos. O governo precisa está a favor do povo, das vontades e anseios da população, pois que esta é, e sempre será, a principal responsável por sua existência e manutenção. É preciso salientar que não existe governo sem povo, mas nem sempre o contrário se torna verdadeiro. E povo sem governo amedronta, assusta, acua e ameaça a todos. Talvez essa seja a grande questão e ponto para as reflexões necessárias. Os tempos são outros e é preciso que os instrumentos de negociação também se tornem outros para não se repetir os mesmos erros do passado.

Penso que a discussão estende a reflexão para além do ato de usar máscaras. A grande questão está na conjugação prática do verbo. Mascarar é sinônimo de camuflar, dissimular, disfarçar ou omitir. A aplicação do verbo se estabelece no ato ou ação de esconder intenções, dados ou fatos, coisas comuns aos governos ditatoriais. Se nosso regime politico fosse de fato, e verdadeiramente, democrático, os que protestam contra o sistema não precisariam se utilizar do artifício das máscaras. Sair-se-ia a rua de cara limpa! A preservação da identidade neste caso se estabelece como estratégia de preservação e defesa da própria integridade, individual e também coletiva. Torna-se uma estratégia de luta contra o poder opressor. E neste caso se legitima e se fundamenta. Omitir a identidade é diferente de utilizar máscaras, pois que nestes movimentos populares atuais tal adereço tem a mesma feição. A máscara em questão, utilizada principalmente pelos “Black Bloc”, é única, e por isso personifica e generaliza a ideologia grupal. Claro que as generalizações são sempre perigosas. Nem todo mascarado é um vândalo. Assim como o vandalismo não respalda todos os movimentos populares que hoje atormentam os políticos. O que se pode generalizar neste caso é a indignação popular que se estabelece diante dos escândalos de corrupção, desmandos, chantagens, negociatas e ineficiência da justiça. O desgoverno popular que invade as ruas das principais cidades do país tem raízes emocionais. E o risco se estabelece exatamente nesse contexto.  Quando a emoção vence a racionalização as consequências podem ser incalculáveis e as ações imprevisíveis.

Se o objetivo é a transparência nas relações entre governo e sociedade, é preciso que o primeiro inicie o dever de casa, retirando suas próprias máscaras. Toda massa tem, e sempre terá o poder da mudança, fazendo ou não uso das máscaras. Nossa história mostra que em um movimento anterior a identidade era marcada basicamente por duas faixas de tinta no rosto. Os “Cara Pintadas” também eram jovens e invadiram as ruas revelando a identidade coletiva, provocando mudanças. A diferença do movimento atual consiste na ausência de partidos e políticos oportunistas, que mascarados se aproveitavam para se autopromover. Se esses tipos de estratégias se esgotaram, tornando-se inadmissíveis e intoleráveis nas reivindicações atuais, só revela a evolução da consciência política do povo. E isso, sim, traz a mudanças! Se os representantes atuais não atendem as expectativas do povo, precisam ser trocados e substituídos. Essa é a lógica que governa as relações sociais. A grande surpresa dos políticos é a constatação inevitável da ameaça à manutenção de seus falsos poderes, aos quais tentam se agarrar com unhas e dentes, até porque não sabem fazer outra coisa além de politicagem.

Proibir a uso de máscaras nas manifestações é abrir espaço para o fortalecimento do movimento, que logo encontrará outro referencial simbólico. Toda ação gera reação. Toda repressão gera ainda mais revolta, tornando-se um desafio a ser vencido. Assim, muitas vezes mudam-se as armas, mas não o argumento ou ideologia das batalhas. O certo é que a mudança sempre vem. Às vezes é só uma questão de tempo. E neste caso, a questão de tempo é uma urgência e prioridade dos políticos, e não necessariamente do povo que está nas ruas. A grande arma nessa batalha não é a máscara, mas as urnas. E estas tem data marcada. Assim, nas eleições de 2014, talvez as verdadeiras máscaras caiam de vez para que o povo volte às ruas com a cara limpa. VAMOS ESPERAR PARA VER?

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O COMPLEXO HOMEM-PICANHA


 
A VIRGINDADE MASCULINA A VENDA

Quanto vale um homem? Não no sentido literal, em relação direta ao valor moral, muito menos analítico sobre caráter ou personalidade de um indivíduo. Neste momento não nos importa refletir sobre condutas, comportamentos, história de vida ou ideologias políticas. A questão é: quanto vale um homem, ou pelo menos a masculinidade que este simboliza? O desafio foi lançado esta semana através de um paulistano, mais conhecido como “Homem-Picanha”, que abriu o leilão para sua virgindade. A notícia rapidamente se espalhou pelos principais jornais e invadiu a internet, provocando reações diversas do público, que se dividiu entre a surpresa, credibilidade, espanto ou admiração.

Na pagina de um jornal barato, e não menos sensacionalista encontrei a reportagem: “Homem Vende a Virgindade”. Segundo a notícia, o rapaz de 33 anos colocou no final do mês de maio, um vídeo na internet que já contabilizou 102 mil acessos. O que ele propõe não é a venda de sua primeira experiência sexual, como fez a jovem Catarina no ano passado. Neste caso especifico, leiloa-se o desvirginamento anal de um homem. Parece então, que o que está em jogo não é o corpo-carne propriamente, mas o corpo-simbólico. A inquietação do público não parece respaldada pela comercialização da pratica anal masculina, mas talvez justificada por sua representação. O foco da questão não gira em torno do ânus, pois que este se torna apenas um representativo da masculinidade ofertada. Talvez ainda, o espanto geral se justifique apenas pela visibilidade dada em torno de uma prática extremamente comum dentro de um mercado que a sociedade prefere manter na invisibilidade.

Não é mais novidade o fato do mercado do sexo movimentar anualmente, ao redor do mundo, cifras equivalentes a 32 milhões de dólares. A novidade talvez consista no descortinar da dinâmica e/ou segmentos desse mercado, caracterizado não apenas pela prostituição, mas também pela exploração sexual, pelo tráfico de seres humanos para fins de prostituição, turismo sexual e pornografia. A publicitação de um mercado sexual parece assim provocar reflexões mais profundas, relativas ao que é e ao que não é possível, ou passível de comercialização. Vender a força de trabalho em troca de ganho monetário é a mola mestra do sistema capitalista. Comercializar as práticas sexuais é tão antigo quanto a história da humanidade. O sexo comercial entre homens, em si, não provoca mais tanto estranhamento, porém traz implicações para o campo das subjetividades. Afinal de contas, o que é um homem? Assim, o Homem-Picanha, mesmo sem pretensões conscientes, reabre as discussões sobre a importância da manutenção de uma norma hegemônica, ainda que fossilizada, não mais suficiente, para se pensar o ser macho. Será que a pretensa curiosidade exposta pelo rapaz acerca de uma penetração que se daria em um ambiente selvagem reacende no imaginário masculino o medo do desejo fálico? Sofreriam todos os homens do complexo do  homem-picanha?

Para o senso comum, o rapaz em questão ao se colocar na posição de sujeito penetrado (simbolicamente agente passivo durante a interação sexual com outro homem) abdica do lugar de macho. Se a oferta o mantivesse na posição de penetrador (simbolicamente ativo durante o ato), mesmo contrariando a heteronormatividade, talvez causasse menos incômodo. Tudo isso nos leva de volta às antigas e exaustivas discussões sobre as relações e papeis de gênero que definem e respaldam os lugares do masculino e do feminino perante a sociedade. A quebra dos modelos e padrões sociais, que nada mais são do que construções sociais, introjetados e assimilados pela massa humana através dos séculos causa desconforto por levar-nos a novas reflexões sobre uma temática aparentemente tão complexa e proibida. Pensar, ou melhor, repensar a sexualidade ainda nos parece um desafio imenso, e até impossível para a maioria. Mas, partindo do pressuposto de que as sexualidades são construções, nada nos impede dos atos de desconstrução e reconstrução. Esses exercícios viabilizam apenas novas possibilidades. E estas tenderão sempre a acomodação com o passar dos tempos, tornando-se socialmente tão normais ou naturais quanto as regras e modelos vigentes.

O Homem-Picanha em nada se difere dos tantos outros Homens-Carnes que povoam as ruas, os becos, saunas, casas de massagem, boates ou sites da internet, diária e cotidianamente, comercializando fantasias sexuais. O que se diferencia é o alcance da estratégia utilizada na comercialização. A internet possibilita a ampliação e propagação imediata da informação, o que viabiliza a interação e a participação popular. Indireta ou indiretamente as pessoas fazem seus lances, nem sempre monetários, mas sempre carregados de valores. A internet transforma-se então na grande tribuna, onde todos especulam, argumentam e se posicionam diante da temática, oferecendo material concreto para análises mais amplas sobre a sexualidade brasileira. E nisso ela parece cumprir com seu papel, assim como o Homem-Picanha serve ao objetivo da reflexão sobre a fluidez e flexibilidade das sexualidades masculinas.

Independentemente se a carne é “Fryboi” ou não, como questiona um internauta, o importante é entender que o corpo sempre será a fonte da força de trabalho humano, e como tal, instrumento passível de troca e venda no mercado capitalista. As marcas ou rótulos servem apenas para respaldar as classificações e categorizações sociais, que sempre respaldam estigmatizações e preconceitos. O fundamental não é pensar sobre o que se vende ou o que se compra, mas sobre quais e em que condições as comercializações se estabelecem. Quando se tem autonomia e poder de decisão sobre o uso e usufruto do próprio corpo, como no caso em questão, não se comete erros ou pecados. A ilegalidade e transgressão se estabelecem através da exploração da força de trabalho e na subjugação involuntária e não autorizada do outro, independentemente das partes dos corpos envolvidas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013



O ASSASSINATO DO SENSO COMUM NA CLASSE MÉDIA BURGUESA.

O senso comum, cotidianamente nos diz que a criança é símbolo máximo de pureza e inocência. A ciência a classifica como sujeito em desenvolvimento físico, emocional e afetivo. A partir disso, a legislação define os parâmetros do cuidado, da proteção e dos direitos, absorvidos e introjetados de formas efetivas. Estabelecem-se os padrões e as generalizações, quase universais, afim de que a sociedade possa se sentir mais confortável e tranquila diante de um ser tão complexo, capaz de desafiar os mais fossilizados paradigmas que regem o comportamento humano. De repente algo parece fugir do controle e a sociedade se mostra perplexa diante de uma constatação inevitável: não conhecemos, e muito menos dominamos o funcionamento exato das crianças. O desconforto se torna geral por nos obrigar a revisitar conceitos, buscando por respostas que possam respaldar a construção de novos saberes que expliquem e justifiquem nossas imprecisões.

O caso do pré-adolescente, Marcelo Pesseghini, 13 anos recém-completos, que durante a calada da noite executa com tiros precisos e sequenciais, o pai, a mãe, a avó e uma tia, serve de disparo para colocar a sociedade em estado de histeria coletiva. A situação torna-se mais complexa ao se saber que após os assassinatos o garoto dirige o carro da família até próximo à escola onde estudava, permanece em seu interior até o amanhecer, e então se dirige para a sala e assiste às aulas normalmente. Ao final do turno escolar, volta de carona no carro do pai do melhor amigo e entra em casa como se nada tivesse acontecido. Seu corpo é encontrado caído ao lado do da mãe, com um tiro na cabeça, denotando possível suicídio. O macabro quebra cabeças assusta e instiga tanto a sabedoria popular quanto a científica. O que teria se passado durante o período da primeira execução até o suposto suicídio do garoto torna-se a chave para desvendar um mistério que não deixou testemunhas aparentes. Apressadamente sociedade e ciência se agitam a lançar hipóteses. Teria sido a família vitima de uma chacina? Mas, quais os reais motivos? Teria sido o adolescente o verdadeiro assassino? Teria ele se arrependido e posteriormente atirado contra a própria cabeça? E quais teriam sido os seus reais motivos? A motivação para os crimes é a resposta que falta e que deixa a sociedade em suspense. É a peça que pode completar o jogo, que movimenta a trama, que desperta a curiosidade ou o instinto investigativo de cada um. Duas hipóteses, duas alternativas para o sossego ou desassossego da sociedade.

Se a chacina for comprovada a sociedade volta a respirar de forma mais tranquila. Afinal, seria apenas mais um ato de violência, tão comum e corriqueiro, com os quais já nos acostumamos. A chacina sepultaria a necessidade de se repensar os modelos de cuidados com as crianças vigentes. Seria a prova de que ainda somos todos sãos. Estaríamos a “salvos”. Mas, pelo contrário, a comprovação de que um pré-adolescente de classe média e fruto de uma família estruturada (como costumeiramente gosta a sociedade de classificar a família nuclear burguesa) possa cometer um ato de tamanha insanidade, nos exige a responsabilidade de uma suposta coautoria. Afinal de contas, assassinar todos os membros de uma família feliz, e consequentemente, aparentemente equilibrada, não é reconhecido entre nós como coisa normal. E nossas crianças são normais, porque assim as fizemos. Porque assim acreditamos durante séculos.

Então restaria o caminho da patologia. E nada melhor ao senso comum do que uma mente psicopata para justificar, e quem sabe, explicar satisfatoriamente, o planejamento aparentemente meticuloso e calculado de um crime com proporções cinematográficas. Com certeza, acalentaria e abrandaria a aflição social se fosse ficção, e assim, bateria o recorde de bilheteria. Mas como é real a coisa muda de figura. Uma criança não pode ser classificada como psicopata, uma vez que sua personalidade ainda não está totalmente estruturada. Só lembrando, crianças e adolescentes são sujeitos em desenvolvimento. Também não seria característica de um psicopata o arrependimento e correlativamente o suicídio, alertam os especialistas. Poderia então um pré-adolescente agir de forma desregulada simplesmente sobre a influência de jogos eletrônicos? Poderia um pré-adolescente de classe média, de repente, em um processo catártico ou se simples perversão assumir a personalidade doentia do personagem virtual (ou será fictício?) e agir de forma descontrolada, exterminando inimigos em potenciais ou imaginários?  Então, pobreza e violência não são sinônimas, como nos acostumamos a acreditar?

Se mudarmos o cenário do crime para uma área de baixa renda econômica, ou seja, para as antigas favelas (que devido ao movimento do politicamente correto resolvemos renomear como comunidades populares na tentativa de camuflar as desigualdades sociais) o desconforto coletivo seria o mesmo? Provavelmente o impacto e a repercussão na mídia não seriam. Muito menos a comoção popular. Então o que realmente nos incomoda: o crime em si, ou a proximidade com nossa cultura de médio burguês, que se respalda errônea e supostamente na diferenciação e supremacia da racionalidade? Ricos e pobres pensam e agem de forma diferenciada, sem dúvida. Mas, em que, e a partir de que contexto? Existiria uma natureza para o crime; ou seja, existiria uma predisposição genética para o crime, ou qualquer ser humano poderá agir e/ou reagir diante e/ou mediante aos contextos? E estes, seriam biológicos, emocionais, políticos, econômicos ou sociais? Ou um conjunto ou mescla de tudo?

No caso Persseghini existiria alguma semelhança ou identificação entre o herói do jogo eletrônico (que elimina supostos inimigos com tiros precisos em suas cabeças), e seus pais policiais, também heróis sociais, que atiram e matam em nome da ordem e do bem comum? Quais seriam as consequências para a formação da personalidade e do caráter de uma criança, o contato direto com a violência, e consequentemente com a banalização da morte, seja no campo virtual ou real? Onde, quando e como, esse dois campos e/ou espaços de interação social podem se misturar? Como uma criança estimulada desde cedo a manipular armas de fogo, a dirigir automóveis, e a agir como adulto, constrói os conceitos e significados entre o certo e errado, o bom e o mau, entre o herói e o vilão, entre o real e a fantasia, fundamentais para o estabelecimento dos limites entre o possível e o impossível, entre o aceitável e o incoerente?

Com esse tipo de tragédia já não tão incomum as sociedades modernas, não morrem apenas pai, mãe, avó, tia e filho, mas morre um pouco a segurança, comodidade e a confiabilidade de conceitos ainda inquestionáveis como família, sociedade e inocência. A distância entre a normalidade e a anormalidade é posta em questionamento, assim também como a coerência de seus parâmetros de definições. No rastro vem a obrigação de se repensar, ou pelo menos de se refletir sobre os papeis de pai, mãe, educadores, assim como os modelos de educação, sociabilidade e justiça. Em ultima hipótese resta-nos o esquecimento, como já fizemos sucessivamente em situações semelhantes. O espanto é passageiro é sempre passageiro. A dor sempre cessa cicatrizando as feridas. Nós humanos temos a tendência à acomodação. Depois de certo tempo, todo fato se torna passado para que o conforto se traduza em conformação. O passado torna-se próprio dos próximos, só sendo revisitado pelo coletivo quando novamente surpreendido. Quem sabe em uma próxima situação semelhante a gente ainda consiga se emocionar por mais um tempo? Quem sabe não conseguimos voltar a refletir sobre nossas corresponsabilidades? Quem sabe não estaremos prontos para pensar em mudar a lógica do mundo?

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

AGOSTO EM RECIFE OU RECIFE A GOSTO DE QUEM?:


Projeto de Mobilidade Urbana
Buenos Aires/AR.
 
 
RECIFE: A CIDADE QUE NÃO MUDA!

Sabe-se que todo processo de mudança gera certa resistência. Sair da área de conforto nunca foi, e nunca será tarefa fácil para ninguém. Afinal de contas o costume nos leva a acomodação, o que nos deixa confortáveis. Assim, fazemos sempre as mesmas coisas, dos mesmos modos, e nos sentimos seguros. A mudança, por sua vez, nos impõe o repensar e o refazer, o que, muitas vezes, nos obriga a abandonar velhas verdades pré-concebidas. E reconstruir conceitos torna-se, na maioria das vezes, tão assustador quanto o futuro. Assim é o Recife, uma cidade temerosa que não muda. A falta de mudanças talvez seja a maior prova de alienação. Não no sentido da inconsciência, do alheamento ou da negação ao mundo que nos rodeia. Falo da alienação relativa a algo que nos foi tirado, que nos foi negado de forma proposital, objetivando a indiferença e o vazio. Falo da nossa incapacidade de refletir sobre os fatos de forma original e genuína, capacidade essa, intrínseca ao humano. E neste sentido, penso que com o tempo nos tornamos alienados da reflexão.
Projeto de Mobilidade Urbana
Av. Caxangá - Recife



Chegamos a agosto e a cidade continua a mesma! E neste ponto é preciso pensar: será que seis meses é tempo suficiente para as grandes transformações necessárias? Logicamente que não. Mas, sem sombra de dúvidas, é mais que suficiente para se vislumbrar o início de um processo que se efetiva em um contínuo. O processo de transformação é lento porque envolve várias questões, principalmente culturais. Envolve também as questões subjetivas tais como as inseguranças relativas ao porque mudar, o para que mudar, e principalmente, o como mudar. A mudança é um resultado coletivo, nunca individual, até para que não se torne tendencioso, atendendo as expectativas de um, ou de poucos. A mudança somente se torna positiva, e consequentemente bem vinda, quando beneficia a todos, ou pelos menos a maioria.
Buenos Aires - Obra concluída em 06 meses.


Em janeiro deste ano estive em Buenos Aires, capital federal da Argentina. Pude então registrar o início das obras de implantação de um corredor exclusivo para ônibus bem no coração da cidade, na Avenida 09 de Julho. As obras objetivam favorecer a mobilidade urbana, descongestionando e melhor organizando o tráfego, que nem de longe lembra a desorganização do nosso, bem como possibilitar o acesso a um transporte de qualidade, com maior agilidade e conforto aos usuários. O projeto não é inovador, muito menos revolucionário, uma vez que a maioria dos centros urbanos dos países classificados como desenvolvidos já partiram na frente. Nós também o estamos implantando, ou pelos menos temos a pretensão de fazê-lo.

Av. Caxangá - Recife


Penso que a grande questão está no compromisso e no respeito que temos com o que é público. Ou melhor, com a fonte financiadora, mais precisamente com os recursos financeiros, que logicamente, saem dos nossos bolsos. Também está no respeito à população, principalmente aos que saem as ruas e vão às urnas reivindicar por mudanças concretas. E olhe que concreto pode ser tudo, menos nossas expectativas e possibilidades potenciais de mudanças. Quando em julho, mês passado, retornei a cidade portenha, as obras do corredor exclusivo para ônibus já haviam sido concluídas, e antes de retornar da viagem já havia sido inaugurada. Foram exatamente seis meses! Agora, alguém lembra quando foram iniciadas as obras da Avenida Caxangá? Alguém tem previsão do término? Será que já faz mais de seis meses? E os recursos financeiros aplicados são os mesmos, ou teremos que fazer maiores investimentos, como de praxe? Será que além da cultura e do clima, a noção de tempo também é diferente para os argentinos e recifenses? O grau de alienação é o mesmo? Quando serão iniciadas as obras na Avenida Agamenon Magalhães?
Av. Caxangá.

Estamos em agosto e a cidade não muda. Recife continua intocada. A Avenida Conde da Boa Vista se transformou em um grande mercado público. E saliento que não tenho nada contra o mercado livre, pois este é parte de nossas origens mascates. Não estou falando em abolir ou extinguir o comércio nas ruas, mas em transformá-lo em fonte de renda e orgulho. Este tipo de comércio é tradição, agora a desorganização, a falta de infraestrutura e higiene adequada á questão de gestão pública. E disto, sem dúvida alguma, estamos alienados. Apesar do “pouco tempo” que representam seis meses alguém consegue perceber mudanças da gestão atual para a gestão anterior? Pois se elas existem, ou existiram, penso que passam ou passaram bem longe do centro urbano. Talvez a grande questão seja pensar se Recife é uma cidade única, ou um conjunto de cidadelas.

Então, para não incorrer em riscos de equívocos, ou ainda em interpretações precipitadas, ou ainda infundadas e injustas, digo que na cidadela que compõe o micro espaço relativo ao centro do Recife, tudo continua igual. Alguém consegue andar pelas calçadas livres de quedas, escorregões, tropeções, esbarrões, agitação, solavancos, irritação e estresse? Isso sem falar da sujeita acumulada, do mau cheiro, da desorganização e da quantidade de água acumulada. E as instalações elétricas repletas de gambiarras, ganchos, gatos, jacarés, nós e noprós, que envergonham e escondem nossa arquitetura? E a quantidade de crianças e adolescentes, jovens, adultos e idosos que permanecem hospedados indignamente em nossas marquises, convivendo com cachorros, gatos e ratos? Alguma mudança? Os acidentes no transito diminuíram? Na semana passada uma viatura da polícia avançou o sinal e atropelou uma motoqueira bem embaixo de minha janela. Aliás, acidentes com motos já se tornaram programa obrigatório para quem tem janela voltada para a avenida. Estou até pensando em cancelar as assinaturas dos jornais. Para que ler, se posso ver ao vivo e em tempo real as tragédias cotidianas? Na minha rua a micro-cracolândia, com grande potencial de expansão, continua instalada. Crianças e adolescentes continuam sendo prostituídas em cada esquina. Ontem ocorreu um novo assalto, gerando corre-corre pelas ruas. Eu ainda continuo com medo de andar nas ruas durante as noites e madrugadas. Você não? Eu continuo pagando altos impostos em nome da segurança e da qualidade de vida prometida! E você?

Chegamos a “agosto” e o Recife não mudou! Só nos resta saber se foi “a gosto” de Deus ou dos homens. Talvez seja hora de revisar o velho ditado popular onde se evidencia que: quem diz fazer mais e melhor, normalmente não faz. Até porque quem faz de verdade, efetiva a ação sem alardear. Por isso acredito que alardear saber fazer o que nunca se fez, torna-se apenas retórica de politiqueiro. E desses, sinceramente, eu já estou cheio! E você?