quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

PORQUE LULA SERÁ VERDADEIRAMENTE PARA SEMPRE O ÚNICO O CARA



A SIMPLICIDADE, HUMILDADE E INTEGRIDADE DE UM GUERREIRO NATO.

Que o Luiz Inácio Lula da Silva é o maior político brasileiro todo mundo já sabe. Afinal de contas, como muito bem disse o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, ele é o cara. E ontem, mais uma vez os recifenses encheram as ruas do Recife Antigo, não só para ouvir, mas antes de tudo para homenagear um dos homens mais íntegros e ideologista dos últimos tempos. E nesse ponto, dizer que o Lula é apenas um pernambucano que deu certo seria reduzir por demais sua magnitude enquanto político. Falar também que ele é apenas um nordestino que contrariou sua sina de misérias seria por demais simplistas para entendê-lo enquanto homem. O Lula é brasileiro. E sem fanatismos ou mesmo bairrismos, posso dizer que mais uma vez tive a chance de ouvir um grande líder, talvez o maior da contemporaneidade, falar para milhares de pessoas que como ele conseguem se orgulhar de sua nacionalidade. Não pelo simples fato de ser brasileiro, mas muito mais pelo fato de sabermos que historicamente somos fortes, justos em essência e puros por natureza.

Lula não é apenas o cara que mudou a história do país, representa acima de tudo a antítese da política brasileira, porque anda na contramão de uma cultura colonialista. Sua convicção na autonomia individual e seu carisma despertam o reencontro de cada brasileiro consigo mesmo. Resgata a vontade e o desejo que cada um de nós, por mais contaminado e educado pela lei da vantagem e malandragem do favorecimento, tem por justiça social. A vontade que sentimos em nos mostrar íntegros em princípios ideológicos de igualdade, simplicidade, integridade e caráter. Assim, ele nos ensina que ainda é possível sermos nós mesmos, sem a cruel necessidade que sentimos em recorrer á personificação do espertalhão e do demagogo, hipocrisias pelas quais tentamos esconder nossos verdadeiros valores morais para nos mostrar inteligentes e integrados a cultura do vale tudo para ser bem sucedido, hoje senso comum entre os brasileiros. 

Como grande político o Lula tem se mostrado também nesses últimos oito anos como grande professor da vida, quebrando os protocolos da convecionalidade e do mesmismo político. Generoso, fala abertamente aos novos candidatos ao cargo de presidente ou ídolos nacionais como se relacionar respeitosamente com seu público. E neste sentido revela uma receita infalível, talvez sua mais importante característica, falar olhando nos olhos do outro, contrariando a prática da maioria dos inexperientes e inexpressíveis políticos que sobrevoam seus olhares sobre nossas cabeças contabilizando números de adeptos ou súditos.  Até porque, o homem que hoje se destaca no cenário político, nacional e internacionalmente, aprendeu na prática a não buscar por cegos vassalos e alienados seguidores, mas por parceiros que compactuassem e acreditassem em sua bandeira de luta, a da justiça social, pela qual se tornaria possível o início da erradicação da pobreza para tornar o Brasil uma grande potência.

E antes de mostrar soberba por ser aclamado popularmente como o maior e mais querido presidente do Brasil, aquele é um homem que conta e reconta sua trajetória de fracassos para mostrar que refletir sobre as próprias derrotas pode nos revelar os grandes erros de nossos intentos, por mais genuínas que possam ser nossas intenções. E exemplificando sua doutrina descreve o encontro com uma das tantas mulheres guerreiras do interior brasileiro, onde esta lhe diz sem rodeios que não lhe dará seu voto por medo ou receio que o mesmo lhe tomasse tudo que tinha conquistado. Então, como convencer um desconhecido de sua integridade de caráter sem olhar nos olhos? Como transmitir sinceridade e confiança se as palavras já estão impregnadas de falsas entonações e conotações dúbias? Talvez o Lula político tenha redescoberto ali, naquele exato momento, a fórmula de seu sucesso: “falar com o coração”. Porque logicamente voltou a entender a voz do povo. Povo que de forma empírica aprende na prática e na labuta a reconhecer e identificar as condutas e concepções morais que se traduzem em índole.

Índole que buscou, e nem sempre encontrou em seus correligionários. A mesma índole que o transforma em estrela maior em meio a um palco repleto de políticos de peso e pretensos políticos que se tornam simples figurantes de um grande espetáculo popular. E digo espetáculo no sentido da excepcionalidade que impressiona vivamente, pois que Lula, apesar de dizer o contrário, se transforma num grande artista cuja obra maior é resgatar a autoestima e autonomia cidadã de seus conterrâneos num sentido mais amplo de nacionalidade. E ali, não estava apenas o político, mas o ser humano que se permite emocionar diante de sua gente. O homem simples que diz que “nordestino chora para fora, se debulha, enquanto que político chora para dentro e esconde emoções”. Um homem destemido que se mostra frágil e forte ao mesmo tempo, que chora uma saudade antecipada. Um homem que interrompe o discurso para brincar com o público e amenizar a dor da partida. Um grande mestre que não alisa a cabeça do pobre, mas que diz firmemente que este também tem condições de ser bem sucedido se forem dadas as devidas possibilidades de desenvolvimento.

E neste aspecto, particularmente me senti cúmplice em seu discurso e ideologia política, pois que Lula não fala de “oportunidades”, mas de possibilidades para o desenvolvimento humano. Não fala de migalhas e favores, mas de garantia de direitos e reconhecimento de cidadania. E diz que “sempre entendeu que ninguém nunca poderia ser um presidente bem sucedido sem conhecer verdadeiramente o Brasil” em sua dimensão que vai além das regionalizações e territorialidade. Pois que é preciso primeiro conhecer e reconhecer seu povo, e acima de duto se conhecer e reconhecer a si próprio em sentido de pertencimento. E em sua sabedoria aconselha aos pretensos sucessores que para tanto não basta sobrevoar áreas e/ou se limitar as capitais, mas é preciso adentrar os confins dos sertões, desbravarem matas fechadas, sentirem sob os pés a terra que racha ao sol, escalar as favelas e entender a origem de seu povo para se ter propriedade no discurso. E como salienta ao falar de seu passado, “só que sabe o que é carregar uma lata de água na cabeça, entende o valor do acesso a água nas torneiras todos os dias”.

É neste sentido que seu discurso torna-se único. Deixa de ser metafórico para se torar dissonante dos demais políticos, pois que é carregado de conhecimento de causa. Não que o discurso dos demais não seja, mas o diferencial se dá no conhecimento de causa vivida, na prática de quem vivenciou e conviveu com a carência e ausência, de quem sentiu na pele o peso da exclusão, a quem foi negada as possibilidades de desenvolvimento saudável e pleno. O diferencial se dá na fala de quem já esteve e por isso sabe o que é verdadeiramente se colocar no lugar do outro. Sem demagogia, sem rodeios ou falso moralismo cívico.

E é por isso, e por tudo que representou e concretizou em atitudes e realizações, que não só o Presidente, mas acima de tudo o homem Luiz Inácio da Lula da Silva será sempre “o cara”, e ainda mas, permanecerá por muito tempo no imaginário de milhões de pessoas como o único cara”.  Aquele que representa e representará verdadeiramente a cara de todos os brasileiros daqui para frente.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O MAIOR ESCÂNDALO DO ANO



"UMA BOFETADA EM MILHÕES DE BRASILEIROS"

A Av. Conde da Boa Vista é um conhecido espaço histórico de lutas e revindicações de direitos da cidade do Recife. A muito tenho destacado a importancia e as incoerências do principal corredor do centro da cidade. E hoje, prévia da grande festa de despedida do Presidente Lula (a se realizar no Marco Zero, Recife antigo), como não poderia deixar de ser transofromou-se mais uma vez em espaço para divulgação do descaramento de políticos gatunos e sorrateiros. O movimento estudantiu novamente invadiu as ruas para protestar contra os abusos de nossos parlamentares. E apesar dos poucos adeptos, conseguiram de certa forma chamar a atenção da população local para o maior escândalo do ano.

Neste sentiido é senso comum que a política brasileira sempre nos reserva surpresas. Estas no entanto, em sua maioria nem sempre são boas. Mas isso também é fato corriqueiro e de certa forma já não nos causa tanto espanto, que digam os inúmeros escândalos envolvendo políticos e aliados que carregam malas e cuecas repletas de dinheiro público. Porém em outras situações, os politicos brasileiros conseguem nos deixar verdadeiramente embasbacados, ou no mais popular, conseguem nos deixar boaquiabertos diante de suas artimanhas.

O ato da Conde da Boa vista em si, objetivou chamar apenas atenção para o que nesta semana tornou-se a grande notícia nacional. Apesar de pouco divulgada em apenas algumas revistas e jornais, o novo aumento dos deputados federais chocou os brasileiros. Sim, os mesmos deputados que acabamos de eleger e reeleger nas ultimas eleições. Os mesmos deputados a quem cabem entre outras coisas representar o legislativo e assim advogar em causa própria, uma vez que segundo o artigo 51, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), cabe aos mesmos “dispor sobre sua organização, funcionamento, política, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

Assim, graças a nossos votos esses grandes servidores públicos, pagos com o dinheiro de nossos impostos, iniciarão o ano novo recebendo em média R$ 26.700,00 mensais. O que significa, nada mais nada menos do que um reajuste de 61%. E o mais interessante e estarrecedor é que à estes mesmos deputados é dado o direito de legislar sobre tais reajustes, que segundo depoimentos dos favorecidos e dedicados representantes do povo, publicados em reportagem pela IstoÉ (29.12.2010), “ainda não é considerado o aumento ideal, por estar incompatível com suas despesas”.

Outro fato que assusta nisso tudo consiste na certeza de que pouca gente ouviu ou viu falar sobre tão exorbitante reajuste, o que significa que o mesmo partiu (novamente) de uma estratégia que se configura como artimanha que se dá sempre na surdina do final de ano. A mídia pouco falou ou divugou e o público interessado (será que tem quem se interesse por esse tipo de notícia em pleno final de ano?) foi mais uma vez privado dos detalhes do que para mim se configura como o maior ato escandaloso e inoportuno que marcará o ano de 2010. Mas isso também é de praxe, e de certa forma nós brasileiros já estamos acostumados. Tanto que nem se quer reagimos ou exigimos explicações e reparações. Exemplo disso se pode constatar na reação dos recifenses que perplexos ouviam de suas janelas os gritos de protestos dos estudantes. Nos limitamos apenas a observá-los enquanto fechavam o principal cruzamento da avenida e consgestionavam o trânsito. Muitos olhavam perplexos sem mesmo demonstrar saber do que se tratava. E assim, o ato de protesto que contagiou pouca gente passou quase que despecebido no centro da cidade. E neste ponto, mais uma vez lastimo nossa falta de iniciativa e envolvimento com as causas políticas que parecem à grande maioria não nos envolver ou dizer respeito.

Penso então que se gritos e cartazes já não despertam tanta atenção, talvez falar sobre o que o brasileiro mais gosta – dinheiro – consiga contribuir de forma mais efetiva para despertar uma população inertemente apática. Comecemos então fazendo um calculo rápido para chegarmos a exorbitante soma de R$ 99.467,00. Essa é a média do quanto custa um deputado federal. Se considerarmos que no Brasil, a Câmara dos Deputados é formada por 513 deputados que logicamente deveriam representar os interesses de seus estados, mais que ao contrário só demonstram com esse tipo de coisa que defendem exclusivamente seus próprios interesses, chegaremos ao valor de R$ 51.026.571,00, ou seja, mais de cinquenta e um milhões de reais. Isso considerando os valores antes do tal reajuste, onde um deputado desses recebia a pequena e inexpressiva bagatela de R$ 16.512,00.

Logicamente se você é uma pessoa esperta poderá pensar que eu exagerei nos cálculos ou hipervalorisei os custos com a folha de pagamento dos nossos singelos e comprometidos parlamentares. Assim, para evitar equívocos, explico então que no custo total de cada deputado federal encontram-se inseridos os valores relativos a depesas extras, além de seus salários. Dentre essas, destacam-se: os custos com o pagamento do 13º, 14º e 15º salários que os mesmos estabeleceram como direito, o que em 2011 equivalerá a R$ 80.100,00 para cada um (com base no reajuste atual). Afora isso, entram ainda: R$ 3.000,00 de auxílio moradia (que em sua maioria não necessitam); R$ 4.000,00 de cota para telefones; R$ 9.000,00 de passagens (o que na maioria das vezes beneficia também familiares e amigos); R$ 1.000,00 para assinaturas de revistas e jornais (talvez devessem gastar com livros para se informarem melhor); R$ 8.000,00 de assistência médica (afinal com tanto trabalho eles podem sobrer de stress ou estafa, não é mesmo); R$ 15.000,00 de verba idenizatória (não sei de que); e por fim, R$ 60.000,00 como verba de gabinete (para distribuir entre os aliados/amigos e familiares que ocupam cargos públicos e garantem as reeleições). Sem contar os custos com combustível, restaurantes, correios e publicações entre outros, todos calculados sobre valores antes do reajuste.

Outro cálculo também bastante interessante e simples refere-se ao fato de um deputado receber em média 52 salários mínimos e meio. Isso significa, numa visão simplista que se eliminássemos um desses deputados dos custos nacionais e aplicássemos esse dinheiro verdadeiramente na população poderíamos alimentar e garantir o sustento de 52 famílias. Dá então para entender porque todo mundo no Brasil deseja ser político um dia (que diga o Tiririca, o palhaço mais votado do Brasil). Com um salário desses é melhor do que apostar na mega-sena ou nas tantas loteriais, não? Afinal de contas dá para contabilizar o quanto fatura um desses profissionais (que muitas vezes nem são ou se tornam verdadeiramente profissionais da política) em quatro anos?

Ainda na referida reportagem, um dos mais convictos da licititude do ato escandaloso e indignante justifica tal descabimento alegando que “trabalhamos muito e dedicamos nossas vidas a servir o público” (será que ele mesmo acredita nisso?). Outro então, complementa afirmando que “o aumento é correto, pois fico 200 horas por ano nos aviões” (o que realmente caracteriza o trabalho de muitos deputados – voar). Acredito então que além de farsantes este políticos são, no mais popular, mais caras de paus do que imaginamos. Transformam o cenário político nacional num verdadeiro circo dos horrores enquanto nós, pobres motais espectadores assistimos inertes a grande farra regada a muita falta de vergonha e compromisso social.

Num pais onde se trabalha em média 240 horas mensais para se receber R$ 510,00, não livres dos descontos de impostos (que servirão para pagar aos nobres deputados pelos nem sempre excelentes serviços prestados), assumir uma cadeira dessas torna-se um verdadeiro oazis. E também não se mostra um sonho inatingível, afinal de contas não é preciso estudo, formação acadêmica ou mesmo experiência. Menos ainda se torna necessário a comprovação de bom carater ou boa índole. Basta na verdade usar de uma boa lábia e uma boa aparência para convencer a maioria dos desavisados eleitores.

Pagamos então mais uma vez pelos nossos próprios erros e também pelo descompromisso com o que temos de mais valioso e comerciável: nossa força de trabalho. E da mesma forma que sustentamos por séculos nossa realeza colonizadora que nos explorou enquanto pode, mantemos agora uma nova modalidade de nobreza e fidalguia que não contraria a regra e mantém acuados a “massa geral” que sustenta suas regalias e insensatez.

Assim, como bem disse o Carlos José Marque, diretor editorial da revista IstoÉ (2010), o ano de 2011 começa com “uma bofetada na cara de milhões de brasileiros que também dedicam boa parte de suas vidas a extenuantes expedientes de trabalho, sem contudo terem o direito de advogar em causa própria”.

A todos Feliz 2011.

Av. Conde da Boa Vista, Recife/PE - 27.12.2010.
 
Av. Conde da Boa Vista, Recife/PE - 27.12.2010.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O NATAL DAS[NAS] RUAS DO RECIFE


João Pessoa/PB.

"Eu Pensei que Todo Mundo Fosse Filho de Papai Noel..."
Hoje eu vi um menino invandir uma lata de lixo. Não me espantei com o fato ou mesmo com a voracidade com que vasculhava o interior do vermelho receptor de lixo afixado ao poste em frente a meu prédio. Mas sem falsos moralismos, me absmei com a indiferença dos tantos que se alvoraçavam nas lojas da cidade. Ele era magro e de pequena estatura, o que lhe possibilitava explorar com as pequenas mãos o interior do recipiente. Restos de comida eram então depositados em um saco plástico que ironicamente estampava a logomarca de rede de supermercados. Misturadas as migalhas vinham detritos que eram cuidadosamente separados e depoisitados num canto sobre um pedaço de papelão velho. Depois de sucessivas investidas o garoto apanhou o amontoado de lixo que não lhe servia e voltou a depositá-los no lixeiro. Se baixou, apanhou a pequena sacola plástica, verificou seu conteúdo e seguiu rumo ao próximo poste.
Parecia não havia resignação em seus atos, nem tão pouco deixou transparecer vergolha ou revolta por sua condição. Ao contrário, revelava uma determinação e prática por demais peculiar a quem tem fome. E não falo apenas da fome de comida que se sente e se sacia, mas da fome de dignidade e respeito que adquirimos ao nos tornarmos conscientes de que todos somos igualmente sujeitos de direitos. Mas o corpo desnudo daquele garoto evidenciava não só a total falta de tal consciência, mas, mais que isso, revelava a fragilidade física e moral dos que não conseguem acessar as possibilidades mínimas necessárias ao desenvolvimento saudável.
Me perdi pensando sobre qual idade teria aquele garoto. De onde vinha, para onde iria, o que sabia da vida, e acima de tudo, o que tinha aprendido ou estava por aprender nas ruas. Meus olhos permaneciam fixados em sua imagem. E naquele momento era mesmo como se tudo ao redor houvesse desaparecido. Apenas ele me despertava a atenção, pois que inclinado sobre outro coletor parecia indiferente aos empurrões e reações de indignação dos transeuntes que se atropelavam com suas sacolas e presentes.
Pouco tempo depois o garoto repetiu seu ritual. Recolocou o lixo não aproveitável de volta ao lixeiro e seguiu adiante com sua sacola repleta de resíduos alimentares. De onde realmente teria vindo aquele menino? Rebusquei na memória e não consegui identificá-lo entre as tantas crianças que povoam as ruas do centro do Recife. De certa forma posso assegurar que conheço quase todos os habitantes de minhas calçadas, pois que há muito se tornaram meus vizinhos. Mas aquele garoto não era desse perímetro, não frequentava esse quarteirão e muito menos circulava no meu campo de visão.
Seria ele um novo estranho que encontrara nas ruas agitadas do centro da cidade o abrigo necessário a sua sobrevivência? Seria mais um dos tantos que buscam as ruas nos finais de ano atras das tão gratificantes esmolas? Tudo e nada podia ser. Eu não sabia nada de sua vida e história. Como a maioria das pessoas não sabem nada sobre a população em situação de rua. No entanto, o mas estranho é que ele não estava mendigando como os demais que ocupam as calçadas e cruzamentos do Recife. Não, ele estava buscando comida. E tabém pelo jeito como se comportava não demonstrava fome aparente naquele momento. Então talvez, aquela comida coletada das sargetas urbanas fosse a provisão da noite solitária e vazia, ou mesmo, a garantia de sua única refeição no dia seguinte.
Mas se assim o fosse significaria que amanhã aquele garoto não iria para casa jantar com sua família. Que talvez nem tenha uma família com quem partilhar sua ceia, e muito menos uma verdadeira ceia digna de ser compartilhada. E amanhã, novamente por mais uma ironia da vida, é véspera de natal. Então pensei que talvez nem mesmo soubesse de tal coincidência, pois que para ele hoje seria apenas mais uma das tantas quintas-feiras em que coleta os restos de comida das cidades. Assim, amanhã será também apenas mais uma sexta-feira agitada na qual seu estômago irá emitir os mesmos roncos vazios e ele recorrerá novamente aos restos que não destinamos nem aos porcos.
Duvidei em seguida da minha própria lógica, pois seria impossível não saber de tal data mesmo perdido em referencial cronológico ou histórico. As vitrines lhes diriam. As lojas apinhadas revelariam um frenesi traduzido no desvario e entusiasmo delirante do consumismo que aquela não seria uma quinta-feira comum. Seria fácil identificar a existência de algo diferente no ar. Mesmo indiferente ao agitado movimento do vai e vem humano que entope e congestiona as ruas desestruturadas e esburacadas do Recife, seria impossível não reconhecer a influência das luzes e cores que iluminam a cidade provocando o tão comum arrebatamento de excitação coletiva. A anciedade das pessoas em busca das melhores ofertas e promoções não passariam imperceptível nem mesmo a um cego, o que diria a uma criança.
Definitivamente concluir que estava errado. Aquele garoto sabia sim da existência e da proximidade do natal. Talvez contudo, não saiba ao certo seu sentido e/ou essência, se é que no natal existe algum tipo de sentido ou mesmo alguma essência para quem vive nas/das ruas. Como será então o natal para quem mora ou subexiste das ruas? As luzes coloridas não devem iluminá-los. Sim, pois ao contrário como poderíamos não vê-los ou percebê-los? Também não creio que existam papais noeis e logicamente não existem presentes. Eles não compram roupas novas e não brindam a passagem da noite magica e milagrosa, pois que para eles não existe esperança de milagres.
De minha janela me limitei a observar o garoto que agora sentava em um canto de um muro qualquer, provavelmente cansado ou perdido em devaneios e sonhos inalcansáveis. Meus olhos permaneceram gongelados. Eu estava frio e  estático mais uma vez, como em tantas outras situações e sircunstâncias em que me senti completamente impotente. Mais uma vez não sabia o que fazer. Não tinha respostas ou soluções concretas. Me resignei a me indignar diante de minhas próprias impossibilidades.
E ao contrário de me muitos, não me permiti chorar porque talvez isso aliviasse um pouco minha angústia e sentimento de co-responsabilidades. Naquele instante decidi que essa seria a imagem do natal que guardaria em minhas lembranças. Resolvi que não quero imortalizar as imagens das ruas e praças iluminadas e cuidadosamente decoradas, mas ao contrário, prefirei remoer mais uma vez minha incapacidade e fraqueza enquanto cidadão político e consciente das injustiças. Quero sim, cultivar e perpetuar essa indignação para que possa de forma consciente respaudar e justificar minha permanência e atuação ética e política na Assistência Social.
E entendo que se existe algo que tenho buscado preservar e fortalecer durante esses anos de investimentos e luta por igualdades e garantias de direitos, este refere-se a essa minha capacidade de ainda me poder e conseguir me sentir indignado diante de tais situações e fatos. Até porque sei e acredito que no dia que a perder me tornarei igual aos tantos cidadãos e políticos corruptos e descomprometidos que se mostram apáticos e insessíveis as mazelas sofridas por quem se encontra abaixo da linha da miséria. E isso me tornaria tão miserável e vulnerável quanto aquele e a tantos garotos que habitam as ruas das grandes cidades, pois que o pior tipo de falta e ausência não é a de comida que alimenta o corpo, mas a de consciencia social e política que só alimenta a alma de quem entende o que é justiça.
A todos uma boa noite de reflexões natalinas.

domingo, 19 de dezembro de 2010

NATAL: MOMENTO DE FÉ OU ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL?



O NATAL COMERCIALIZADO NA MODERNIDADE
Lembro que quando criança o natal era sagrado. Com as férias da escola começavam os preparativos que incluiam roupas novas e compra (ou melhor confecção) de fogos. Tinha também a decoração e assim nos envolviamos na montagem da árvore de natal, simbólo maior da grande festa familiar. Algumas vezes ganhavamos brinquedos e a prática do amigo secreto formalizou a possibilidade de não se ser eventualmente esquecido. O peru era sempre preparado um dia antes, a casa precisa estar limpa e as crianças asseadas. A noite ficava iluminada e enquanto os adultos se reunião em conversas animadas, nós crianças aproveitavamos para brincar ou assistir aos especiais de final de ano. Confesso uma certa saudade desses tempos e não nego mesmo que o natal é um momento impar para o reencontro familiar onde os vinculos parecem se fortalecer.
No entanto, hoje percebo que o natal se tornou um produto de consumo. A gente não vive o natal em seu sentido, mas ao contrário, consumimos os produtos, que transformados em presentes parecem ter substituidos definitivamente os simbolos sagrados. Assim, a cada dia que passa acho que transformamos o natal em algo comerciável, disponível nas várias e luxuosas lojas dos shopping centers. Não existe mais o espirito natalino, mas em seu lugar figura o espírito do consumismo desenfreado, onde não nos basta ganhar o presente, mas quantificar e valorar o mesmo através das grifes e marcas. Assim, ninguém mais espera (ou deseja) receber uma simples lembrança como demonstração de afeto e carinho. Espera-se e anseia-se pelo ultimo modelo de celular, o CD do momento, a roupa da ultima tendência. Coisas concretas que possam ser exibidas e que passem também a exibir nosso status alcançado. Antes mandávamos cartões de natal com mensagens melosas e repletas de votos de felicidade. Hoje, enviamos e-mail ou cartões virtuais sem a menor criatividade (sem falar na falta de originalidade) a todas as pessoas de nossas redes de socialização. A tecnologia substituiu nossa capacidade criadora e inventividade. Nos tornamos pasteurizados em nome da modernidade e por isso perdemos a afetividade das palavras originais.
Desisti então de todas essas cerimonias impostas pela civilidade moderna e pela etiqueta comercial. Descartei de meu natal os velhos amigos secretos e trocas de presentes que para mim não fazem mais sentidos, até porque eles próprios perderam o sentido concreto. Na verdade não gosto mais do natal, pois que a data nos impõe uma felicidade impócrita e descabida, nos induzindo a confraternizar muitas vezes com pessoas com quem passamos o ano inteiro travando verdadeiras batalhas de guerra. Funciona então como uma trégua onde asteamos uma especie de bandeira branca e definimos um período de tempo (ou de horas, as vezes até de poucos minutos) para relações mais diplomáticas. Findada a trégua voltamos aos mesmos atos e comportamentos repreváveis e mesquinhos e assim tecemos novas redes de intrigas, fofocas, comentários maldosos, artimanhas e estratégias de luta que nos garantam a manutenção do poder que se dá através da efetivação das diferenças.
Penso então, porque comemorar o natal? Porque nos reunirmos em bares e restaurantes repletos de falsas felicidades e solidariedades direcionadas a quem voltaremos a apunhalar dias depois? Porque investir tempo e dinheiro comprando presentes para quem não gostamos, pelo simples azar de te-lo tirado no sorteio do amigo secreto institucional? Porque pintar a casa e colocar guirlandas nas portas e janelas se não estamos realmente abertos a receber o outro, princiaplmente os estranhos e os indesejados? Porque nos vestirmos de forma especial se toda a fantasia durará apenas uma noite e logo em seguida voltaremos a ser realmente quem somos (ou quem sempre fomos)? E finalmente, porque contribuirmos e participarmos de covenções chatas das quais não acreditamos mais (se é que realmente chegamos a acreditar algum dia)?
Penso também, que se o natal tem como objetivo nos levar a reflexão sobre nossos atos considerados politicamente incorretos, porque não perpetuamos seu espírito durante os trezentos e sessenta e cinco dias do ano? Assim, não precisariamos de uma noite para purgar nossos pecados ou sentimentos mais secretos e inconfessáveis. Estariamos limpos o ano inteiro. Mas talvez por ser estremamente cansativo nos mostrar integros e corretos, e acima de tudo éticos, definimos uma data para a caridade de nossa simpatia e respeito ao próximo. E logicamente esperamos que possamos ser entendidos e comprendidos em nossa logica comportamental e sentimental nataleira.
Porque insistimos naquele dia especial em nos sacrificar a sermos bons, atenciosos, prestativos, parceiros, espirituosos, solidários e fraternos? De irmos a missa e pedirmos aos céus por dias melhores para todos, se não fazemos durante o resto do ano por onde concretizar nossos desejos? Porque pleitearmos junto aos santos e entidades divinas melhores condições de vida aos desafortunados e àqueles que tiveram “menos sorte ou oportunidades” na vida ao invés de cobrarmos dos políticos? Porque muitas vezes até choramos pelo sofrimento alheio, por aqueles que vagam pelas ruas sem lar e sem abrigo, pelos famintos, doentes e morimbundos apenas na noite de natal? E acima de tudo, porque dessa forma imaginamos lavar nossa alma, livrando-nos do egoísmo e indiferença tão caracteristico da espécie humana?
Vivemos o extase e a plenitude da purificação durante todo o dia vinte e cinto, mesmo que na manhã seguinte mantenhamos os vidros e portas de nossos carros novamente devidamente travados para nos sentirmos seguros; que voltemos a não enchergar mais as pessoas em situação de rua; nos mostremos indiferentes as crianças e adolescentes em situação de prostituição e exploração sexual que se espalham pelas ruas da cidade; e, desconheçamos a quantidade enorme de pessoas que sofrem nas filas dos hospitais públicos por falta de respeito e políticas públicas sérias.
É por isso que neste natal, ao invés de fazerem seus pedidos ao “papai do céu” os aconselho a direcioná-los aos tantos “papais da terra” eleitos através de nossos votos. Particularmente não enviarei “cartinhas” ao papai noel, até porque a muito tempo já deixei de acreditar em duendes, fantasmas e pokemons. Aproveitarei esse espaço para apelar e cobrar aos políticos, sejam esses presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores, pois a eles realmente cabem o poder de transformar o natal uma data extensiva a todos, sem restrições e exclusões. Assim acredito que poderiamos transformar o natal não numa data de pedidos divinos, mas de consolidação de responsabilidades por parte daqueles que receberam nossos votos (não de feliz natal, mas de confiança e crença ideológica que depositamos nas urnas durante as últimas eleições).
Desta forma, resolvi começar minha relação de pedidos (ou melhor combranças) aproveitando o trocadilho com 2011, para lhes fazer onze simples pedidos:
1º - que pelo menos a partir deste natal, ao menos os políticos que elegi, se iluminem de boa vontade e lutem pela aprovação de leis mais justas que possibilitem a efetivação do exercicio do respeito as diferenças e igualdade de direitos para todos independente de credo religioso, raça/etnia, idade, classe social, oreintação sexual ou identidade de gênero;
2º - que se conscientizem dos papéis que lhes cabem e horrem com seus compromissos e promessas políticas feitas durante as longas campanhas eleitorais, pelas quais receberam nossos valiosos votos;
3º - que montem suas equipes de trabalho com profissionais técnicos qualificados ao invés de distribuir as pastas governamentais entre amigos, conhecidos e correligionários partidários como tem pregado a tradição nacional;
4º - que entendam que fazer política é extremamente diferente de fazer politicagem, e que enquanto servidor se faz necessário gerir os recursos públicos com respeito e competência necessários, afinal de contas esse é um dinheiro do povo, que vem dos bolsos de cada um de nós, seus eleitores ou não;
5º - que passem a crompeender que os recursos públicos precisam retornar ao povo em forma de ações concretas que beneficiem à sociedade como um todo e que por isso devem ser aplicados em obras e ações eficázes e transparentes, e nunca em benefício próprio, pagamentos de propinas ou favorecimentos de amigos, parente e/ou aliados polítiqueiros;
6º - que invistam em ações que possibilitem a diminuição das diferenças e desigualdades sociais, garantindo saúde, educação, trabalho e renda e assistencia social de qualidade a todos, pois que essa é a única forma de contribuir com a redução dos altos indices de violência que tanto incomoda a burguesia que distribui sopas no natal e dá esmolas nas ruas;
7º - que dediquem maior atenção as políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres, responsabilizando de forma séria e justa os agressores para efetivar o direito a vida das mesmas;
8º - que invistam seriamente em programas de inserção social voltados a população em situação de rua, mas nunca numa perspectivia higienista presente nas políticas atuais, e sim pautados nas premissas dos direitos humanos;
9º - que consigam perceber que a vida é um dereito fundamental e universal, e que consequentemente a educação de boa qualidade é a unica forma de se garantir o desenvolvimento saudável do ser humano;
10º - que passem a enxergar as crianças e adolescentes, independente de faixa etária, sexo, classe social, raça/etnia e oreitação de gênero, como patrimônio universal, sujeitos de desejos e também sujeitos de direitos, cabendo ao Estado a garantia das condições necessárias a manutenção de sua integridade física e mental, bem como ao seu desenvolvimento saudável;
11º - e que finalmente consigam se tornar exemplos em dignidade, honestidade e ética para os milhôes de eleitores que depositaram suas crenças e esperanças em seus nomes, e que por isso nunca se permitam deixar iludir e encantar pelas facilidades e possibilidades sedutoras das falcatruas, propinas e ações ilícitas que tanto mancham o cenário político nacional.
É dessa forma, que também aproveitando o momento natalino, proponho transformar essa carta em corrente, como as tantas correntes vazias e desconexas que enchem incansávelmente nossas caixas de e-mail durante o ano. Meu objetivo é fazer essa relação de pedidos-lembretes chegar aos milhões e milhões de brasileiros que como eu acreditam que o natal não pode se restringir a uma única data, e que muito menos pode se mostrar e/ou se fazer tão excludentemente comercial como a muito se tem verificado.
Ruas do Recife/PE, 2010.

Ruas do Recife/PE, 2010.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BRASIL - Capitulo IV - Quem Foi Pedro Álvares de Cabral?



QUEM REALMENTE DESCOBRIU O BRASIL?

Acho que era início dos anos setenta, talvez metade, não sei ao certo. Faço as contas considerando que entrei para a escola formal com sete anos de idade, logo entre 1973 e 1974. Logo que comecei minha jornada estudantil fiquei fascinado pelas histórias que ouvia em salas de aulas. Estas envolviam sempre grandes heróis de verdade que realizavam descobertas capazes de mudar o mundo. Sempre gostei de histórias, mas aquelas eram diferentes porque eram de “verdade verdadeira”, como chamávamos na época. Assim me tornei um bom e aplicado aluno na disciplina de história (antes a gente chamava de “cadeira” ao invés de disciplina) e aprendi a decorar nomes e datas importantes. Lembro de uma prova que tirara nota máxima por ter dado apenas uma resposta para três grandes e difíceis perguntas: Quem descobriu o Brasil? Em que data o Brasil foi descoberto, e como os descobridores chegaram as terras brasileiras?

De imediato respondi que os portugueses eram grandes navegadores que dominavam os desconhecidos mares bravios e revoltos, e que por isso, no final do século XV várias embarcações denominadas caravelas partiram mar a dentro a caminho das índias. No comando da tripulação que incluía marinheiros, soldados da Coroa Imperial Portuguesa e religiosos, estava Pedro Álvares de Cabral, corajoso navegador que viria a se tornar o maior herói brasileiro. Eles viajaram por muito tempo em águas desconhecidas e enfrentaram grandes tempestades. Algumas caravelas naufragaram e muitos tripulantes morreram. Perderam a rota que os levaria as índias, terras ricas em ceda, ouro e especiarias que tanto encantavam os reis de Portugal. Ficaram perdidos por muitos e muitos dias em alto mar, até que graças à inteligência de Cabral conseguiram encontrar uma nova rota que os levaria ao destino certo. No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares de Cabral avistou um grande monte de terra a sua frente e gritou: “terra a vista!” Ele acreditava que se tratava de uma nova ilha, ainda desconhecida pelos navegadores europeus. Como era época da páscoa, lhe deu o nome de “monte pascoal” e ao desembarcar em terra firme encontrou vários indios. Por isso acreditou que tinha finalmente chegado às índias. Mas como não havia mercadores, nem cedas e muito menos ouro percebeu que tinha descoberto terras onde habitavam homens nativos que andavam nus e não sabiam falar. Voltou então para Portugal e registrou sua descoberta. Anos depois os portugueses perceberam que aqui existiam muitas árvores conhecidas como “pau-brasil”, e assim, batizaram nossas terras com o nome da mais importante árvore nacional.

É lógico que na época a minha escrita não era exatamente essa, porém como relembro da prova (ou talvez da nota, por ter sido o meu primeiro 10) tentei manter a essência do conteúdo textual. Mas o importante é que comecei a me considerar inteligente a partir daquele momento, afinal de contas sabia falar sobre a história do Brasil. Assim, durante os muitos anos seguintes de estudo acreditei piamente que o Cabral tinha sido um inocente desbravador que também inocentemente descobrira o Brasil. Mesmo sem entender direito os reais motivos e fatos históricos, por muito tempo acreditei que nossa existência e desenvolvimento (ou seria processo de civilização?) estaria ligado a uma espécie de acidente geográfico. E de certa forma, dava graças a Deus por termos sido descoberto, uma vez que imaginava, caso não tivesse acontecido eu não poderia ter nascido. Ou seja, devia minha própria existência ao Cabral. Porém, apesar de todo meu interesse e esforço para entender a história do Brasil, bem como adimiração e fascínio pelo nosso primeiro grande bem feitor, concluia a cada dia que nunca soube de fato a história completa. Por exemplo, nunca soube onde nascera o Pedro Álvares de Cabral, qual sua idade na época que descobriu o Brasil, quem fora sua família ou como fora sua vida antes de se tornar esse grande descobridor. Era como se sua vida começasse naquele momento, o que significaria que ele não tinha um passado. Mas como então poderia ser? Já não acreditava nos contos de fadas e sabia que o descobrimento não havia se dado por um passe de mágica. Pensava eu, que talvez por forte intuição aquele homem tivesse deduzido que havia novas terras do outro lado do continente e que também sem grandes explicações ou experiência o mesmo tivesse nos descoberto.

O pior de tudo é que para mim ele representava nossa origem. Isso quer dizer que em minha concepção éramos unicamente descendentes de portugueses. Isso porque até aquele momento não sabia ou entendia o que era miscigenação, e muito menos imaginava a possibilidade das misturas das raças. Na verdade nem ao certo sabia como nascíamos, apenas não mais acreditava na velha fábula da cegonha que nos trazia emburalhos numa frauda presa a seu bico. Assim também não poderia imaginar que essa missigenação significaria contato sexual entre os indivíduos de culturas diferentes. Sexo era uma coisa proibida para crianças, pois ameaçava nossa inocência e desenvolvimento mental. Ninguém falava de sexo, e muito menos entre brancos e outras pessoas de "etnias inferiores". E foi dessa forma que cresci também acreditando que era branco e que nada tinha haver com os índios, que eram selvagens; e os negros, que eram escravos e por isso inferiores. Será então que é assim que se desenvolve a xenofobia? E será que a aversão e preconceitos as diferenças, sejam culturais, etnicas e sexuais são construídas também com a influência da educação formal? Acho que isso é outra discussão para momento posterior.

O que desejo realmente destacar é o fato de que naquela época nós aprendíamos por pedaços, ou melhor, por partes. Primeiro sabíamos dos feitos dos grandes heróis para depois descobrir quem realmente foram esses homens e quais os motivos que os trouxeram até aqui. Na verdade o processo de aprendizagem se tornava uma grande e complicado quebra-cabeças que não conseguíamos completar nunca. Um exemplo dessa desestruturação pedagógica (na minha leiga concepção, claro) é o fato de que a primeira palavra que aprendi a soletrar foi “chocolate”. Como já disse antes, lembro que o processo de ensino se dava pela associação das sílabas que formam as palavras. Assim a professora me ensinara que: a torneira fazia “Chó”; a galinha fazia “có”; e o cachorro “late”. Isso era igual a "cho-co-late". Mas como saber da suada feita pela água que escorre de uma torneira se em minha casa, ou melhor, em meu bairro (hoje chamado de comunidade) não existia saneamento básico?

Ah, mas a grande questão era que na escola onde estudava tinha torneiras e logicamente água encanada (como chamávamos). Logo, a escola se tornava um espaço distante de minha realidade. Eu então tentava associar o som do “Chó da torneira da escola” com o “chuá” que saia da suada da água que tirava da cacimba com uma lata para encher a bacia em que tomava banho todos os dias. Fato é, que aprendíamos a associar devidas sílabas aos ruídos, barulhos e sons imitados com um fonema ou palavra, sem mesmo saber que isso era classificado como onomatopéia (figura de linguagem onde determindas palavras pronunciam a imitação do som natural das coisas significadas, tais como: murmúrio, sussurro, cicio, chiado, mugir, pum, reco-reco, tique-taque, etc).

Mas também, penso que seria demais entender uma coisa que nem conseguiriamos pronunciar. O-no-ma-to-pé-ia, seria assima a separação de sílabas? E a que sons irríamos associá-las? Não. Realmente as professoras tinham razão, haveria uma época e idade certa para aprender determinadas coisas. O problema talvez é que eu sempre gostei de me antecipar. Acho mesmo que tinha pressa em aprender novas coisas. Era por demais curioso, e isso me fazia sempre inconformado com o pouco de informações que me davam. Hoje penso que doses homeopáticas só surtem efeito em tratamentos de saúde, mas não em educação juvenil. E sempre acreditei que os professores estivessem alí para responder nossas perguntas e esclarecer nossas dúvidas, mas ao contrário estavam apenas para determinar quando e o que deveriamos aprender (ou decorar para responder nas avlaiações orais).

Mas o que importa que também não conhecia chocolate, e muito  pior  que  as torneiras, só os econtrava nas figuras dos livros, pelos quais saberia que era doce, de uma cor marrom escura e derivava do cacau. Mas o que era mesmo cacau? Seria alguma espécie de árvora de dava chocolates pendurados e já embrulhados como os das figuras que via? E mais uma vez nos livros descobria que cacau era apenas o fruto e que era derivado da Bahia. Aí a coisa se complicava mais ainda porque não sabia onde ficava esse lugar? Até aquele momento eu achava que tudo era Brasil e ninguém nunca tinha falado nessa tal de Bahia, e muito menos que Cabral foi quem descobriu as terras bahianas, que para mim era descoberta do maravilhos Jorge Amado ( a quem só descobri muitos anos depois).

Acho que esse é um excelente exemplo que demonstra como o ensino deixava em aberto várias dúvidas em nossas pequenas cabeças. Não nego, contudo, que de certa forma isso nos estimulava a buscar novas respostas, mas considero que tal fato ou argumento não se generaliza. Se considerarmos que a escola falava de coisas (ou ainda fala?) que não conhecíamos, das quais não tínhamos referências concretas, como se conseguia manter a atenção, concentração e interesse do aluno, se a vida através das descobertas reais se mostrava mais prazerosa aos mesmos? Se pelo menos os professores aproveitassem nossas dúvidas para ampliar a discussão e nos fornecessem assim maiores informações que satisfizessem nossas inquietudes, talvez até a coisa se tornasse mais atrativa, e talvez tivéssemos “descoberto” na época quem finalmente tinha sido o grande Pedro Álvares de Cabral e tantos outros importantes personagens de nossa história. Será então que tal processo de ensino-aprendizagem contribui de alguma forma para a grande evasão escolar? (peço então descupas por tantas conjecturas sem grandes fundamentos, afinal, são apenas reflexões pessoais).

Revendo então essas lacunas, mais uma vez resolvi recorrer a internet, aos livros didáticos e pesquisas para descobrir que o tal Cabral nascera no castelo de Belmonte. Logo, ao contrário do que me ensinaram, ele nunca foi um pobre e inconsequente navegador que se arriscava por mares revoltos e desconhecidos. Na verdade, era o terceiro filho do fidalgo português que foi governador da Beira (uma das seis províncias em que se dividia Portugal até o século XIX) e alcaide-Mor de Belmonte (magistrado de origem nobre, designado pelo rei e que desempenhava funções militares em uma cidade ou província) Fernão Cabral e de sua esposa, também de família nobre, Isabel Gouveia de Queiroz.

O tal descobridor foi na verdade educado na Corte de D. João II, tanto que aos onze anos de idade se mudou para Seixal, onde estudou em Lisboa, literatura, história, ciência e artes militares. Mais tarde, o já jovem Cabral se especializou em cosmografia e marinharia, voltando a corte como fidalgo. Assim, percebe-se que o mesmo era um astuto homem do mar e que portugual já dominava a navegação a muito tempo. Então porque é que não me disseram isso antes e não me explicaram melhor as regras do jogo que se dava na Europa, o que possibilitava aos descobridores a se apossar de terras pretensamente descobertas? Será que não teria idade e inteligencia suficiente para entender, ou os professores da época estavam desinformados por também não tinham lhes contados tais detalhes?

Voltando a Portugual e suas artimanhas políticas, descobre-se que com a morte do Rei D. João II (mas então não era o D. João VI?), seu primo D. Manuel I sobe ao trono e outorga ao tal Cabral o título de Fidalgo do Conselho do Rei, conferindo-lhe o hábito de cavaleiro (título nobiliárquico ou título de nobreza dado aos fidalgos vassalos, ou indivíduos fieis ao rei em troca de status social e proteção) da Ordem de Cristo (ordem religiosa e militar criada em 1319), pelo qual recebia pensão anual em dinheiro. Assim, Cabral era na verdade pago pela corte para descobrir novas terras e ampliar o poder português, o que fica dificil acreditar em sua pura e simples inocente sorte que o levou as novas terras continentais. Outro fato interessante é que nunca me disseram que havia um rei portugues antes do pai do D. Pedro I. Sempre soube que foi D. João VI que governava portugual quando nos tornamos colônia (acho que preciso urgentemente voltar aos registros históricos e pesquisas).

Bom, mas aos trinta e dois anos de idade, já em 1499, Pedro Álvares de Cabral foi nomeado Capitão-Mor da armada que se dirigiria a Índia, conhecida já na época como civilização do Vale Indo, que era um território da Ásia Meridional que serviu de berço para muitas civilizações, e que tinha rotas comerciais históricas e vastos impérios. Tal território era identificado como de grande riqueza comercial e cultural (o que significa que já eram civilizados). Desta forma, sua missão era estabelecer relações diplomáticas e comerciais com o “Samorim” (soberanos do antigo Estado Hindu), para reerguer a imagem de Portugal após a investida do também navegador Vasco da Gama (assim não confundam a Glória Perez com o verdadeiro descobridor dos caminhos das índias, dois anos antes de Cabral viajar, em 1497). O fato era que Portugual queria instalar um entreposto comercial ou feitoria (que se configuravam como simples casa ou até conjunto de equipamentos e estruturas militares ou de acolhimento e manutenção de navios, para além de armazéns, capelas e edifícios da administração, justiça e da diplomacia) nas ricas terras indianas e assim expandir suas relações comerciais.

Porém na viagem que durou 43 dias, a cruzada comandada por Cabral, mesmo seguindo a trilha já descrita e registrada por Vasco da Gama, afastou-se da costa africana após passar pelo Cabo da Boa Esperança (este, descoberto em 1488, pelo navegador portugues Bartolomeu Dias, hoje conecida como Cidade do Cabo, pertencente a África do Sul). Assim, o inocente Cabral resolveu mudar de rota e em 22 de abril de 1500 chegou ao Monte Pascoal, que era um pequeno monte com 586 metros de altura, localizado a 62 km de Porto Seguro, no estado da Bahia. Foi exatamente ali, segundo alguns estudiosos historiadores da modernidade, onde se registrou os primeiros contatos dos portugueses com os selvagens habitantes das terras brasileiras.

Penso então que seria por demais incrível, ou talvez fantasioso imaginar que apenas uma forte tempestade tivesse arrastado todas as caravelas, que formavam a mais cara e experiente espedição portuguesa, para uma mesma rota diferente. Não seria assim, mais provável que as caravelas se perdessem em lugares opostos e findassem em vários espaços oceânicos? Mas também não vamos exagerar, afinal parece até que algumas se perderam no caminho (quantas eram mesmo as caravelas, ou naus? Talvez 11?). De qualquer forma, revelam alguns estudos, que quando perdidos a tripulação percebeu que aves atravessavam o oceano em direção contrária a África, o que logicamente os levou a pensar na existencia de terra nas proximidades. Esperto e especialista em marinha, Cabral seguiu então a rota das aves e depois de alguns dias e milhares de milhas navegadas em águas calmas chegaram a avistar novas terras (é assim que se calcula as distancias maritimas?). No entanto, o que mais me chama a atenção e o fato de acharam que tinha finalmente chegado as Índias. Acho mesmo que neste sentido, a única semelhança entre as duas terras consistia no nome dado as habitantes de sexo feminino que se mostravam exuberantes e lindas em sua nudez. Se buscavam as riquesas da Índia e esperavam estabelecer relações diplomáticas com o governo e ricos comerciantes como poderiam imaginar, diante de tão extença mata virgem, que ali estivesse o rico, desenvolvido e civilizado povo hindu? Ainda mais, considerando que Vasco da Gama já havia aportado tais terras indianas? Assim, penso que muito além de um simples descobrimento que se deu ao acaso, os portugueses já conheciam a existência das terras americanas e logicamente resolveram se antecipar aos Espanhoes. Não seria, por exemplo, o mesmo processo atual pelo qual a Nasa - agência America, se apressa a chegar em Marte? Afinal de contas que acha, torna-se dono, ou não será tão simples assim?

O que se destaca é que dois dias depois de chegarem as novas terras, a as caravelas seguiram rumo ao norte em busca de abrigo, chegando a Terra de Santa Cruz (baia localizada ao extremo sul do estado baiano, onde hoje se localiza o munícipio de Santa Cruz Cabrália), e por lá permaneceram até dia 02 de maio. O então confiante e grande navegante, em nome da Coroa Portuguesa, tomou posse das terras brasileiras, batizando-as de Ilha de Vera Cruz. Em seguida, logo enviou uma de suas embarcações de volta a Portugual para oficializar a notícia que se daria através da Carta de Pero Vaz de Caminha (primeiro registro oficial brasileiro, considerada como marco inicial da obra literária nacional). Assim, cinco dias após o “descobrimento” foi celebrada a primeira missa católica no Brasil, realizada em 26 de abril, num domingo de páscoa, pelo Frade Henrique Coimbra, oficializando a colonização portuguesa.

E como não se poderia deixar de enxergar, fica dificil acreditar no desconhecimento por parte de tão experiente navegador sobre a existencia de terras no novo continente. Mais incrível seria acreditar que após todas a disficuldades e turbulencias fantasiosamente enfrentada (ou inventadas?) pelas tripulações das caravelas, Cabral tivesse devidamente registrado o caminho de volta a Portugual com tanta precisão e rapidez. Mas considerando nossa história oficial, talvez o mesmo tenha realmente aprendido com as aves que sobrevoavam o oceano Atlantico naqueles dias em direção ao continente e serviram como orientadoras bússulas divinas aos náufragos inocentes e perdidos navegantes .

De qualquer forma acho que considerar o Tratado de Tordesilhas, de 07 de junho de 1497, ou seja, dois anos antes de Cabral sair para sua grande aventura pelos caminhos da Índia, assinado entre o Reino de Portugual e o recém formado Reino da Espanha, possa nos dar algumas pistas mais concretas sobre as “Reais” intenções dos nossos conterraneos portugueses. A todos, boa viagem rumo as novas descobertas.