quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A DROGA DO RECIFE GANHA ESPAÇO NA MÍDIA.


Há muito tenho chamado a atenção para a proliferação das Cracolandias no centro do Recife. Finalmente o assunto entrou na pauta da “Vênus Platinada”, revelando os efeitos e as dimensões do crack junto à população desassistida, bem como as inevitáveis consequências para a sociedade em geral. Assim como na frente do Museu de Arte de São Paulo – MASP, São Paulo; ou na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro; em Recife o tráfico e consumo do crack, aliado a outras drogas, tem se consolidado nas principais ruas e avenidas do centro. Com o tempo novos territórios vão sendo demarcados, invadindo praças, calçadas, becos e vias de acesso, bem abaixo de nossos olhos. A permissividade autoriza o consumo descontrolado de uma droga que tem empurrado homens, mulheres, adolescentes e crianças para o universo da contravenção. A prostituição, bem como as situações de exploração sexual a que são submetidas crianças e adolescentes tornam-se meios para aquisição da droga e custeio da dependência como revelado também pela série de reportagens, produzida pela Rede Globo Nordeste, exibida durante essa semana no NETV 1ª Edição.
A iniciativa da emissora apesar de tardia é louvável. As cenas chocam pela crueldade decorrente da falta de políticas públicas eficazes e do descaso dos governos no que se referem ao enfrentamento e combate. São homens, mulheres, travestis, adolescentes e crianças consumindo drogas diariamente com o autorizo de uma sociedade também inebriada. As reportagens trazem a invasão das praças públicas, não menos abandonadas, por traficantes e usuários. É uma lástima chegarmos a tal situação. Mas, mais lastimável ainda é o despreparo dos órgãos competentes diante do fenômeno. Em entrevista, na semana passada, o sociólogo Hugo Acero Velásquez (Isto É 2247, 2012), responsável por transformar a cidade a cidade de Bogotá em exemplo mundial de segurança pública, afirmou que “o crime está organizado, as autoridades não”. Para ele, a problemática dos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo situa-se no narcotráfico local, também chamado de microtráfico ou varejo do tráfico. “As peculiaridades estão na profusão de negócio ilegais paralelos a essa atividade, como a venda ilegal de armas, o contrabando, as mortes encomendadas, a extorsão, o sequestro e o tráfico de pessoas”.
A lógica é que a contravenção chegue sempre onde o Estado se omita. Isto é fato, e contra fatos não existem argumentos! É assim com a violência urbana; é assim com a pirataria; é assim com a exploração sexual de crianças e adolescentes; é assim com a corrupção. Problemas sociais de alta ordem banalizados pela população inerte, alienada inclusive de seus direitos enquanto cidadãos. Assim se dará também com a territorialização do tráfico nas praças públicas, ruas, becos ou favelas de Recife. Para o sociólogo, não reconhecer a crise da violência atual apenas torna mais difícil sua solução. Verdadeiros governos paralelos vão se formando, ganham forças e se consolidam no cotidiano de segmentos populacionais que se configuram como passageiros de segunda classe. Sujeitos invisibilizados, principalmente pelos interesses políticos. Não diferente da realidade recifense, este se torna o retrato das cidades sem Governos, resultado direto de uma sociedade que se mostra omissa em sua alienação política.  
O tráfico, nos seus mais variados segmentos – seja de drogas, de armas, de seres humanos ou de influência, tem constantemente desafiado o Estado de Direito, evidenciando a urgência de mudanças. O grande problema consiste no fato de que o mundo da contravenção é articulado, enquanto que o Governo não. O negócio da contravenção é rápido e estratégico, enquanto que o Governo, seja na esfera federal, estadual ou municipal, têm se mostrado burocrático e lento. Penso, porém, que se existe uma semelhança entre ambos, esta se dá na luta pelo poder. Ao mesmo passo que um busca a ampliação das áreas de domínio sobre a população pelo estabelecimento de novos mercados; o outro, busca pelo fortalecimento de espaços políticos, muitas vezes, negociando cargos públicos, que satisfazem apenas aos interesses e aos egos inflados de pequenos grupos ou sujeitos. Logo, o tráfico de influencia política consolida as condições necessárias e propícias ao fortalecimento dos demais segmentos contraventores. O Estado assume então o lugar de principal violador de direitos, inclusive constitucionais.
Quem mora em Recife sabe que as imagens das reportagens, por mais cruéis e brutais que sejam não revelam em sua totalidade o flagelo vivenciado em nossas ruas e praças. São homens desfigurados de qualquer semelhança humana, mulheres grávidas de misérias, adolescentes feridos em seus orgulhos, crianças deformadas pelas condições indignas de desenvolvimento saudável. Se existe um inferno, pode-se dizer que com certeza se encontra instalado no centro da cidade. A contravenção e as violências correlatas, com todas as suas consequências e impactos sobre a sociedade, se consolidaram nas principais vias e ruas do Recife. Não se combate a violência apenas com repressão. A segurança vai muito além das polícias, juízes e presídios. Neste sentido, Velasquez (2012) ressalta que nos espaços controlados pelo crime e pela violência existem mais do que criminosos, quadrilhas, venda de drogas e delitos. Nessas regiões existem também crianças e adolescentes fora da escola e em risco de serem recrutados pelo crime organizado; existem parques abandonados; ruas mal iluminadas, sem lixeiras; e há principalmente falta de serviços públicos. Em Recife isto também é fato. E contra fatos não existem argumentos!
Logo, instalar mais uma câmera de monitoramento na Praça Abreu e Lima, anunciada ao vivo, no NETV esta semana, como medida de enfrentamento ao tráfico não resolve o problema em sua totalidade. Muito menos, disponibilizar um veículo para transportar os usuários até um determinado espaço para se alimentarem não ameniza as consequências do abandono e descaso público. Falta qualificação profissional, falta entendimento, falta compromisso e seriedade. Enquanto as estratégias se pautarem em ações paliativas e emergenciais apenas fortaleceremos a contravenção. Política pública é instrumento de garantia de direitos e não material de propaganda política. Como cidadão de direitos quero ver as ações acontecerem de forma continuada longe das câmeras de TV. Quero ver e presenciar a efetividade de ações fundamentadas e respaldadas pelo conhecimento científico, respaldadas pelas práticas exitosas. É urgente a aplicação dos recursos financeiros, frutos dos nossos impostos, em ações de atendimento, acompanhamento e assistência às famílias e sujeitos vulnerabilizados, não em operação “enxuga gelo”. É preciso entender que a exclusão social é o nascedouro da violência. E neste sentido, não existe violência maior do que profissionais despreparados e desqualificados assumindo gestões públicas, que diante das câmeras disfarçam desconcertos e incômodos por não terem respostas concretas à população.
É um absurdo que o meu voto continue sendo deturpado em essência e fundamento, transformado em ferramenta e/ou instrumento de inconsequentes politiqueiros, porque é através dele que digo e luto por uma sociedade mais digna e igualitária. Confesso ser exaustivamente cansativo e desestimulante ver o dinheiro dos meus impostos ser aplicado em falcatruas, alimentando o mercado das propinas, aliciando ideologias e maculando a identidade nacional. Já basta de mensalões, mensalinhos, operações porto seguro e tantas outras de igual teor! A corrupção é a grande mazela da nossa sociedade. A transformação só se dará pela educação, pois fomos, e ainda somos culturalmente forjados para fazer desta uma prática social. Corrompemos e nos deixamos corromper por interesses particulares, alheios e/ou indiferentes às necessidades e direitos que são da ordem do coletivo. Roubamos a dignidade alheia por pequenos abonos, contribuições ou presentes “ofertados” com dinheiro público, e ainda nos sentimos felizes e espertos. Ludibriar o próximo tornou-se nossa meta. E nesse círculo vicioso abrimos mãos de nossos direitos e negociamos nossos valores morais, éticos e sociais. Aprendemos e ensinamos o favorecimento como moeda de troca, incentivando a lei da vantagem, que se traduz em safadeza e malandragem, em seus sentidos mais pejorativos.
Aproveitem a proximidade do natal e reflitam sobre os próprios conceitos e valores morais e éticos. Pregar a transformação do mundo sem rever conceitos pessoais e assumir as responsabilidades que lhes cabem é falácia, utopia e politicagem.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ENTÃO É NATAL!!!



O dia começa cedo. O sol arde à pele. O ar abafado fica mais quente com as ruas repletas de camelôs. Chegou o período natalino. A cidade não muda e a calamidade é a mesma. O lixo invade as ruas, as canaletas transbordam, os esgotos correm a céu aberto. Apesar da precariedade urbana, nada impede o consumo insano! Lojas repletas, Shoppings Center congestionados, calçadas tomadas por ambulantes. Afinal, é preciso comprar o natal, ainda que as dívidas se multipliquem em parcelas intermináveis pelo resto do ano.  

Pessoas amontoadas continuam dormindo em meio a papelões e pés estressados. Muitos se tornaram notívagos devido ao uso de drogas. Para eles o natal não chega! Animais perdidos se juntam a moribundos, urinando e defecando nas vias. O mijo se junta a lama e a sujeira que a prefeitura há muito não recolhe. O odor torna-se insuportável, quase tóxico. Mas, nada interrompe o frenesi consumista do natal! É preciso pressa porque já não existe comemoração sem presentes. E presente tem que ter valor comercial agregado. Por isso, pessoas se esbarram, se ferem e se xingam. O transito reclama aos apressados enquanto bicicletas sonorizadas atropelam crianças e idosos. Mulheres perdem sandálias na pista, quebram saltos nas calçadas esburacadas, quebram pés em gelos baianos, mas torcem o nariz aos aperreios. Na modernidade aprendemos que no natal se reverencia o sofrimento!

Patrulhas cortam avenidas em alta velocidade, motos oficiais disparam sirenes, guardas apáticos apitam. Sempre há a quem perseguir, principalmente quando a multidão é evocada a invadir as ruas. Compra-se de tudo: árvores de plásticos, cordas de luminárias emborrachadas, bolas natalinas que não se quebram, papai-noel puxando henas que mais parecem jumentos famintos, guirlandas cafonamente repicadas. É que nos dias de hoje, o natal se tornou tão artificial quanto os sentimentos correlatos. Algo que se compra, mas não necessariamente se vivencia. Mas isso não importa, porque no mundo mercantilizado os valores se invertem, o “ter” torna-se superior ao “ser”. 

As horas passam. Vendedores anunciam promoções nas portas de lojas. O inferno toma conta da cidade. E nada alivia o estorvo do natal! Ruas exalam fedores. O suor encharca roupas e corpos. Senhoras se abanam cansadas. Meninos choram o incômodo. Mas nada para vence a histeria comercial do natal! Mãos puxam e rasgam tecidos. Em movimentos ensandecidos atingem rostos. Bocas gritam impropérios. Palavrões agridem tímpanos. Mas nada, nada consegue amenizar a sandice popular. É prá isso que existe o 13º salário. Para comprar as alegrias!

Uma mulher branquela e feia bate na cara do vendedor. O segurança entra na confusão. O gerente é chamado. A agressora é empurrada na rua. Outra mulher morena lhe diz desaforos. Viu a bolsa primeiro e quer a mercadoria. Elas se atracam. Os cheira-cola riem e dançam agitados. Policiais os afastam. As mulheres correm unidas e voltam a se agarrar na esquina. Mas nada, nada mesmo parece incomodar o vai e vem do natal! De repente, um corpo cai do edifício Sumaré. Não é primeiro corpo que despenca dos ares no centro do Recife. Gritos de horror ecoam na avenida. A multidão, como urubus, se alvoroça ao redor dos frangalhos, sobre o que restou de um homem que só queria comprar o natal. Algumas pessoas desmaiam e atrapalham o socorro que não chega. Uma mulher chora como se conhecesse o morto. Minutos depois entra em uma loja para escolher sapatos coloridos. Eis uma prova de que o natal também reconforta!

Um grito desesperado atravessa as ruas. Pessoas correm desnorteadas sem rumo. Ninguém sabe ao certo do que se trata, mas todos correm da catástrofe anunciada. Uma garota nervosa engole uma garrafa de água enquanto consome as próprias lagrimas. As pessoas assuntam o motivo, se mostram preocupadas. Outra prova de que o natal sensibiliza os corações! Param-lhe um ônibus. As sacolas impedem sua subida. Alguém se oferece para segurá-las. Ela teme ser roubada, e por isso, se espreme na multidão amassando os presentes.

Do interior do inferno metálico ouvem-se gritos. Sobre a lataria superior meninos entorpecidos de cola praticam surf. O natal para eles também nunca chega. A população se alvoroça. O motorista sai em disparada. Os meninos cambaleiam, mas não caem. A polícia dá o comando. O ônibus freia abruptamente. O povo grita enquanto meninos escalam janelas, atingem o asfalto e somem em becos. O susto passa. A polícia volta. O ônibus segue seu destino. Enquanto isso, na calcada um homem lava as frutas aquecidas pelo sol. Uma criança abocanha uma maçã. A mãe se acalma e o puxa pelos braços. Não se arrasta assim nem um animal. O menino tropeça. A maçã cai no chão. Ela apanha e lhe entrega enquanto encomenda as luzes que vão colorir sua casa.

Novo corre-corre. Um jovem avança sobre os carros em movimentos. Leva uma bolsa feminina entre os braços. Uma moça segue atrás. Ele some na multidão. Ela chora sozinha. O sol aumenta. O calor abafa mais ainda. A multidão se multiplica. E a cidade ferve enlouquecida. A suada se espalha. Ninguém se entende, mas todos se comunicam. A linguagem do natal, assim como a do mercado, se mostra universal, pois que se resume ao quanto custa. Uma senhora de boca cheia bate no filho. Outra reclama o ato. Início de novo rebuliço que se apazigua com o tempo. Alguém pede esmolas. Os olhares se viram. Afinal, os dias são de preparativos e solidariedade é coisa para o grande momento. Não se antecipa sentimentos natalinos.

No meio das incoerências natalinas, pelo menos um milagre aconteceu e a Simone não cantou a melodramática, chata e tradicional melodia de sempre. Mas como nem tudo é felicidade, o Rei do comercio fonográfico trouxe o compacto duplo de volta à moda. Três milhões de cópias em duas semanas e a multidão fez dele “o cara” do ano. Agora é torcer para que no especial da TV ele apareça vestido de papai-noel. Para que todos juntos, mais uma vez, cantem emocionados: “esse cara sou eu”. Talvez alguns chorem diante da grande tela nova. E seguindo o script se abracem e desejem felicidades mútuas. Talvez até saiam as ruas distribuindo os restos da ceia ou presenteando criancinhas pobres. Afinal de contas esse é o espírito do natal! Agora, se você ainda não comprou o seu é melhor correr para o centro do Recife. Na bagunça urbana promovida pela atual gestão sempre cabe mais um maluco por natais fabricados em série.

sábado, 1 de dezembro de 2012

NOVO ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO PARA SPIELBERG.


CAPA:DIÁRIO DE PERNAMBUCO.



MAR,  CERVEJA, FUTEBOL E TUBARÕES.

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Creio que respostas à questão seriam tão complexas e inexatas quanto possíveis hipóteses acerca da primogenitura entre o ovo e a galinha, ou ainda, acerca da identidade sexual dos anjos. Mas, independentes das elucubrações necessárias, penso que ambas são correlatas e se complementam. A vida sem a arte não existe, do mesmo jeito que sem vida a arte não se faz. Ambas se inspiram e se referenciam mutuamente. Mesmo sabendo que arte é um conceito por demais amplo, gosto de defini-la como capacidade criadora humana, pela qual se transmite e se expressa sensações e sentimentos. Ou seja, o objetivo final de todo artista é causar sensações. Logo, neste sentido, seu produto final será sempre uma criação artística.

Nas décadas de oitenta e noventa, ir ao cinema era quase um vício. Sempre gostei dos filmes de suspense e terror. Steven Spielberg era apenas um cineasta iniciante, acredito, quando dirigiu o mega sucesso Jaw, exibido no Brasil com o nome Tubarão. A história se passava em um balneário paradisíaco, bastante frequentado por turistas. Na cena de abertura, um jovem casal resolve namorar no mar. Nadam até uma bóia marítima (sinalizador). A câmera d um close no rosto da moça. De repente ela sente uma fisgada na perna. O espanto transforma seu semblante. A famosa musiquinha invade a sala do cinema. Mais um sopapo e eles somem sobre as águas. É o início de um suspense que prenderá o espectador na poltrona até a última cena. Dias depois seus corpos são encontrados na praia, provocando espanto entre os nativos e visitantes. Desenrola-se então uma grande trama de interesses políticos. Os especialistas se alarmam com a violência do ataque e suspeitam de um grande predador marinho. Os governantes locais, contudo, pedem cautela e repelem a idéia com medo dos impactos sobre o turismo, principal fonte de renda municipal. Para piorar a situação, a pequena cidade encontra-se lotada devido ao torneio anual de acrobacias aquáticas. Ante o impasse, o silencio torna-se regra. Porque espantar os turistas se não existiam provas concretas sobre o eminente perigo? Os ataques continuam a ocorrer, mas são considerados casos isolados. Mesmo assim medidas paliativas são adotadas apenas como precaução. No dia do grande evento, finalmente o mistério se revela na forma de um imenso tubarão que ataca ginastas e banhistas. Moral da história, o que poderia ser evitado se transforma em uma grande tragédia, banhando de sangue o límpido mar azul.

Creio que descrever o final do filme torna-se desnecessário, uma vez que a película bateu recordes de bilheteria. Virou um fenômeno. Dizem alguns especialistas comportamentais que o filme contribuiu diretamente para a imagem negativa, associada pelo censo comum aos tubarões. Particularmente, desenvolvi uma fobia que me impede de entrar em mar aberto. No campo da psiquiatria fobia é uma designação comum às diversas espécies de medo mórbido. Denomina horror instintivo a alguma coisa. Uma aversão irreprimível. Contudo, entendo que a fobia, muitas vezes, desenvolve-se pela eminência de um perigo, ou risco, nem sempre concreto ou real. Mas em Recife, os ataques de tubarões são realidade. Isso ninguém pode negar. Já foram contabilizados mais de 54 ataques, alguns fatais. Logo, meu medo tem fundamento. Como o surf nunca foi uma prática esportiva que me despertou grande interesse ou fascínio posso dizer que de certo modo me sinto confortável. Porém, acredito que quando vidas estão em risco é preciso providências eficazes por parte dos gestores públicos, e logicamente da sociedade com um todo. Não se pode ser irresponsável, por exemplo, a ponto de acreditar piamente que quem entra no mar tem plena consciência dos riscos que corre.

Lógico que o tubarão não é grande vilão dessa história. Isso fica para o cinema. Os ataques são consequencias dos impactos ambientais, ou seja, resultado das ações desordenadas dos homens, que também são grandes predadores. Neste sentido, lembro de uma situação semelhante, quando especialistas e a imprensa chamavam a atenção da população sobre o risco da Cólera. O receio era que o banho de mar pudesse provocar o contagio de banhistas e a consequente disseminação do vibrião colérico. Para acalmar os ânimos e por um ponto final na histeria popular, o então prefeito de Recife, Joaquim Francisco, entrou no mar de Boa Viagem e nadou em frente às câmeras e a população. Será que na situação atual, algum dos gestores repetiria tal façanha? Questiono porque esta semana, os jornais locais estamparam nas capas, a captura de mais quatro tubarões, por pescadores, em menos de vinte dias, em praias bastantes frequentadas no litoral pernambucano. A notícia reacendeu o pânico de ataques a surfistas e banhistas. Segundo as informações divulgadas, no dia 10 de novembro, um Tubarão Cabeça-Chata foi capturado nas imediações do Porto do Recife; no dia 13, outro Cabeça-Chata foi capturado na praia de Pau Amarelo, em Paulista; no dia 16, um Tubarão-Lixa foi capturado na praia de Del Chifre, em Olinda; e, no dia 25, mais um Cabeça-Chata foi capturado no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca.

Agora vamos aos fatos. Para o CEMIT – Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões, não há motivos para pânico, pois tais episódios são considerados normais, efeitos da pesca predatória. Do outro lado, o Propesca – movimento que defende o controle biológico dos tubarões através da pesca e extermínio – destaca a preocupação, alertando a população e governo para o risco de novos ataques. Alguém consegue ver semelhanças entre a ficção e a realidade? Será este episódio uma imitação da arte? Ou nos casos que envolvem grandes cifras, tal procedimento torna-se comum, e por isso a arte torna-se apenas a replicação da realidade e natureza humana? Talvez, a grande diferença entre o balneário fictício de Spielberg e nosso tranquilo litoral esteja apenas no evento turístico de grande porte. Será? Nós não temos torneio de acrobacias aquáticas, mas temos torneio de surf em Maracaípe. Também é bom lembrar que estamos no final de 2012. Dezembro tem reveillon em Boa Viagem, e tomar banho de mar ao romper do ano renova as energias. Dizem até que dá sorte. Será?

Ano que vem tem a Copa das Confederações, e um ano depois teremos a grande Copa do Mundo. O que nos alivia é que em São Lourenço da Mata, município onde ficará localizada a Cidade da Copa, não tem mar. Mas também não tem, ou terá hotéis suficientes para tanta gente, o que significa que os milhares de turistas estarão espalhados pela orla da Grande Região Metropolitana. O bom do negócio é que além de torcer pela seleção brasileira, que é sem dúvida nenhuma menos agressiva, também torceremos para que o time dos Cabecinhas Chatas resolvam curtir umas férias em outras paragens. Minha preocupação é porque jogo da seleção brasileira tem tudo haver com bebidas alcoólicas e praia. A primeira até já foi liberada nos estádios onde acontecerão os jogos. Já pensou que maravilha? A segunda, porém, com certeza não será bloqueada. Porque por aqui, proibida mesmo só a marca de uma das cervejas que farão a festa das multidões. Então, não querendo ser pessimista, mas apenas precavido, se você pretender romper o ano na praia ou assistir aos jogos à beira mar, melhor seguir os conselhos dos especialistas no assunto. O problema é escolher entre estes, afinal de contas no Brasil temos especialistas para tudo, seja nos governos, na imprensa, na academia, e principalmente nas rodas de amigos que curtem uma gelada na praia.

Para facilitar sua vida, trago algumas opiniões fundamentadas em expertises. Segundo Francisco Santana, por exemplo, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos de Tubarões e Araias – SBEEL, “respeitar a sinalização é fundamental, principalmente nos meses de maio, julho e setembro, que somam o maior número de ocorrências”. Em que mês mesmo será realizada a Copa do Mundo? E a das Confederações? Ainda bem que o reveillon só acontece em dezembro. Segundo ele, “as pessoas não precisam deixar de ir à praia, mas devem ficar atentas às proibições”. Neste aspecto, acho que ele se refere aos 34 km de litoral pernambucano dotados de painéis informativos que orientam banhistas e surfistas. E vale salientar que estas placas estão “super-bem” sinalizadas e destacadas na orla do perímetro que vai da praia do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho, até a praia Del Chifre, em Olinda. Você, com certeza já viu alguma delas! Mas, já de uma paradinha para ler? E os tubarões, será que também já fizeram o mesmo? Pergunto por que, provavelmente os dois engraçadinhos que foram capturados em Pau Amarelo e no Pontal de Maracaípe são novatos por aqui. Talvez fosse bom reeducar os peixinhos carniceiros sobre os limites para os ataques. Bom, de qualquer forma, temos tempo ainda para pensar alternativas menos graciosas. O negócio é não desanimar. Até porque já temos experiências com grandes eventos. No Carnaval mesmo, nunca houve registro de ataques de tubarão. Será?

O importante mesmo é saber que existem cerca de 500 espécies de tubarões em todo o mundo. E que deste total só registramos no Nordeste ocorrências envolvendo 45 espécies. Especificamente em Pernambuco os campeões na modalidade ataque-fatal são os Cabeça-Chatas e o Tigre, que só perdem em agressividade para o Tubarão Branco e o Tubarão Galha-Branca, e que estão presentes em nossa costa. Fora isso, que tal rever o filme do Spielberg? E por falar nisso, quem sabe se com a projeção internacional promovida pela Copa de 2014, Hollywood não resolve filmar a continuação da série em nosso paradisíaco e seguro litoral? Já pensou que maravilha seria? As tomadas de cena poderiam ser em Boa Viagem ou Piedade, onde ocorrem mais ataques. Nessa versão, poderíamos colocar todos os políticos surfando, comemorando aos resultados do turismo. De repente uma grande sombra cinzenta aparece nas águas claras. Eles começam a se juntar em blocos, desesperados em salvar a própria pele, como sempre acontece em situações de perigo. O tubarão emerge das profundezas e abre sua grande boca repleta de camadas sobrepostas de dentes afiados. A musiquinha infernal tocaria ao fundo enquanto o animal avançaria em direção ao grupo... [o final vocês decidem]. Brincadeiras a parte, é bom lembrar que logicamente tudo não passaria de pura ficção, até porque político que se preza não corre riscos. E aí, vamos torcer? Quem sabe você não consegue uma figuração? Sabe nadar? E fugir de tubarão? Então, melhor ler as placas de sinalização e torcer para que os especialistas estejam certos.

Fonte: diário de Pernambuco, 27 de novembro de 2012.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

BRASIL: R$ 1,5 TRILHÃO ARRECADADO EM IMPOSTOS



MUITO TRIBUTO E POUCO RETORNO: PARA ONDE VAI NOSSO DINHEIRO?

Você sabe como e onde é aplicado o dinheiro do seu imposto? Estudo recente, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT, a partir dos dados fornecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCIDE, e da Organização das Nações Unidas – ONU, divulgado pela imprensa, revela que entre os países com as mais altas cargas tributárias, o Brasil é o país que oferece a pior contrapartida social aos contribuintes. De 30 países pesquisados, o Brasil ficou classificado na 12ª posição, com resultados piores do que os da Argentina e do Uruguai. Sabe-se que a arrecadação tributária é fundamental ao Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, ou seja, a aplicação do dinheiro arrecadado através dos altos impostos deve retornar aos contribuintes em forma de serviços públicos de qualidade, tais como saúde, educação, segurança, transporte, seguridade e assistência social, além de qualificação para o mundo do trabalho. Pelo menos, essa é a lógica. O ilógico da questão é a não aplicação destes recursos visando o desenvolvimento saudável da população, o que já se tornou praxe no Brasil.

O mesmo estudo revela, que segundo dados do Banco Mundial, nós brasileiros passamos em média 2.600 horas por ano trabalhando. Os impostos consomem o equivalente a 110 dias de trabalho. O que significa que passamos quase quatro meses suando muito a camisa para sustentar os cofres públicos. Isso representa um terço de nosso ano produtivo. Não parece muito? Tomemos então como base de cálculo um exemplo simples. A hora/aula de um professor universitário, com graduação, especialização e mestrado custa em média R$ 35,00 [não se espantem, pois o valor está atualizadíssimo]. Se este profissional cumprir uma jornada de 100 horas/aulas/mês, receberá um salário de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Lembrem-se, contudo, que esse é apenas um exemplo hipotético, pois não corresponde a realidade da maioria dos professores. Ao final de um ano, somando o décimo terceiro salário, o estressado e provavelmente muito doente professor contabilizará um valor aproximado de R$ 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos reais). Deste total, R$ 10.000,00 (dez mil reais) serão gastos com impostos ao longo do ano, ou seja, um valor médio mensal de R$ 769,00 (setecentos e sessenta e nove reais).

Pela mesma base de cálculo pensemos em um profissional assalariado, realidade da grande parcela da população. Em 240 horas mensais, com uma média de R$ 2,59 (dois reais e cinquenta e nove centavos) por hora, o sujeito somaria ao final de um ano o patamar aproximado de R$ 8.086,00 (oito mil e oitenta e seis reais), incluindo o décimo terceiro salário. Desse total, com o qual não se garante as condições mínimas de sobrevivência, desconta-se uma média de R$ 2.488,00 (dois mil quatrocentos e oitenta e oito reais) referentes aos impostos, que divididos entre os doze meses do ano equivaleria a R$ 208,00 (duzentos e oito reais) por mês. Só para ter-se uma leve compreensão do que isso significa, basta saber que no ano de 2011, o país recolheu R$ 1,5 trilhão (um trilhão e meio de reais) somente com a cobrança de impostos sobre a população, o que representa 36,02% do PIB nacional, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

Agora analisemos as contrapartidas. Que tal começar pela saúde pública? Ou seria melhor pela educação pública? Isso para não falar sobre as políticas de inserção social, inserção e qualificação profissional, desenvolvimento de tecnologias, segurança pública, saneamento, iluminação, fornecimento de água, transporte público e acesso a alimentação saudável. Quanto do nosso dinheiro é realmente aplicado em benefício dos contribuintes? Mais importante que isso, qual a qualidade desta aplicação? Pensemos nos impostos, que como bem define a palavra, torna-se um investimento imposto a população. Então, como investidor compulsório você se sente satisfeito com os resultados? Você conhece todos os impostos que paga? Sabe o que significa e pra que serve o dinheiro destinado ao INSS, IPTU, IR, ISS, COFINS, IPVA, somente para citar alguns? Afora isso, pagamos impostos sobre tudo o que compramos ou produzimos. E logicamente, não é pouco, nem um e nem outro. Em média o brasileiro paga 30% do valor direito de tudo que consome em tributos. Isto significa que a cada R$ 100,00 (cem reais) gastos, R$ 30,00 (trinta reais) são recolhidos pelos cofres públicos. Assim, por exemplo, se pegarmos um ônibus para ir trabalhar [o que nem todos têm o direito], o valor do imposto estará embutido na passagem. Se comprarmos um quilo de feijão [o que nem todos têm acesso], também lá se vai novas taxas. É como se pagássemos pelo direito de concessão. A gente paga para comprar, paga porque comprou e consequentemente, paga para usar. Por outro lado, quem produz pagará para produzir, pagará porque produziu, pagará para transportar, e consequentemente, pagará para vender. Além de que pagará novamente se você comprar o que foi produzido. É pagamento sobre pagamento. Traduzindo, tributação sobre tributação. Ou seja, somos cobrados o tempo todo e de todas as maneiras. Nada sai de graça, muito menos é dado de presente. Apesar dos políticos de carteirinhas adorarem introjetar isso na cabeça dos menos esclarecidos.

Definitivamente viver no Brasil não é tarefa fácil, pois além de pagarmos caro somos ludibriados o tempo todo. Em outras palavras, somos roubados. Se metade dessa soma fosse realmente aplicada em benefícios à população estaríamos em outro patamar de desenvolvimento e qualidade de vida. Vivemos em país onde a casa própria ainda é um grande sonho de consumo para mais da metade de população. Mantemos um país que mesmo nos cobrando 11% só de INSS, sobre todos os nossos ganhos mensais, ainda nos estimula a fazer previdência privada para garantir uma aposentadoria futura mais digna. Somos um país com uma grande rede de saúde pública, mas que nos obriga a pagar caros planos de saúde, porque tememos morrer nas filas de espera. Uma nação que nos obriga a blindar carros, gradear portas e janelas, instalar câmeras até... [onde não se deveria], além de pagar pela contratação de segurança patrimonial, para nos sentir protegidos. Até o IR sonegado pelos senadores teremos que pagar por eles tinham entendido que o que receberam nos dois anos anteriores era abono, o que não incide sobre a tributação por não representar salário direto.

A gente trabalha para juntar dinheiro, se sacrifica para conquistar a tal sonhada estabilidade financeira, e aí descobre que quanto mais se ganha [o que significa: mais se trabalha], mais se paga. E não adianta esconder porque se tem alguma coisa que ainda dá cadeia no Brasil é sonegação do Imposto de Renda. Então você compra um apartamento e pensa que ficará tranquilo para o resto da vida, livre do pesadelo do aluguel. Por alguns momentos pensará até que é o dono do próprio nariz. Ledo engano! Apesar de ter suado para comprar, terá que pagar mensalmente para usufruir. Você paga IPTU? Quanto custa o seu condomínio? E taxa a bombeiro? Seu prédio paga pela conservação das maravilhosas calçadas que vivem esburacadas? E o imposto de Marinha? Quem mora no centro do Recife sabe do que falo. Por acaso alguém já lhe informou que parte deste último imposto vai para os herdeiros da Família Real? Que isso faz parte do acordo de negociação para que o país se tornasse independente de Portugal? Ou você, em algum momento de sua vida, acreditou naquela história da carochinha que te contaram na escola sobre um príncipe bonachão que gritou a independência as margens do Ipiranga? Até hoje a “família real” brasileira, que sonha em reestabelecer a monarquia como regime político, suga nossas veias. Alguém perguntou se você concorda com isso? Será que poderíamos fazer um plebiscito?

Mas, voltando ao assunto, você tem carro? E estacionamento, você paga? Paga Zona Azul? E IPVA? Seguro? Pedágio? Taxa para a conservação das vias e estradas? E as multas? Paga ou prefere pagar as propinas constantemente solicitadas pelos que deveriam garantir a segurança no trânsito? Resumindo, mesmo sendo proprietário você terá que pagar para ter direito a uso. Ou seja, é quase um faz de conta. Igual ao direito democrático de ir e vir. Agora pensemos no quanto o país gasta dos nossos recursos para manter uma máquina administrativa falida, mais conhecida como Serviço Público, principal responsável pelo retorno de nossos investimentos. Você, com certeza, já precisou de algum desses serviços pelo menos uma vez na vida. Sinceramente, qual sua avaliação? Está satisfeito com a justiça, por exemplo? Ela atende a seus interesses ou apenas a de pequenos grupos? Será que se você tivesse cometido algum delito, ainda estaria sendo julgado, como os larápios envolvidos no Mensalão? Você já conseguiu, pelo menos uma vez, garantir seus direitos perante os tribunais? Eu tenho um processo em tramitação que há sete anos não avança. Você já precisou ser socorrido em hospital público? Já precisou acionar o SAMUR? Eu já e ele não veio. Sente-se seguro em usar os serviços da saúde pública? Será que vão conseguir te atender a tempo? Será que não vão aplicar leite ou sopa nas suas veias? Será que corremos o risco de infecção hospitalar? De o teto desabar sobre nossas cabeças? De faltar medicamentos? E se o plantonista tiver faltado? De qualquer forma acho que podermos recorrer aos postos de saúde. No seu bairro tem Policlínica ou “Pobre-Clínica”?

E quanto a educação de seus filhos, confiaria a uma escola pública, seja ela municipal, estadual ou federal? Será que tem professor nas salas de aula? E se tem, será que eles estão capacitados? Será que tem cadeira suficiente? E fardamento e merenda têm? Segurança não tem. Isso eu sei. Mas em compensação tem Tablet. E caso a aula não seja sedutora, ou o professor falte, seu filho poderá acessar o Facebook. Afinal de contas inserção digital também é responsabilidade do governo. Ou não? E a coleta de lixo? Passa regularmente na sua rua? Ela ainda não é asfaltada? Tem certeza? Já verificou na prefeitura de sua cidade? Vai ver asfaltaram e você não viu. E a água que sai de sua torneira? É de boa qualidade? Aqui no meu prédio se coloca toneladas de cloro. O bom é que parece leite jorrando na pia. Já pensou que fartura? E a energia, também é de boa qualidade? Tem apagão no seu bairro? Aqui no centro do Recife, de vez em quando fica tudo no escuro. O pior é que quando queima os eletrodomésticos nem adianta reclamar porque a justiça é cega.

Você confia na polícia brasileira? Se sente seguro andando nas ruas durante a noite? Já presenciou algum tiroteio? Aqui no centro de vez em quando tem faroeste de graça e ao vivo. Por acaso já precisou prestar queixa em delegacia? Ficou com medo ou não? E retirar algum documento urgente na polícia federal? Já tentou e foi bem sucedido? Mês passado precisei de uma declaração de nada consta, que tinha que ser original, e tive que esperar cinco dias. Como a declaração veio errada, tive que esperar mais três. Na terceira tentativa esperei cinco horas para corrigirem um novo erro. E por fim, para não me prolongar muito, quanto ao governante de seu município? O de Recife, felizmente, foi proibido de disputar a reeleição. Digo felizmente porque até um tsunami causaria menos estrago.

Agora o melhor de tudo. Você já observou atentamente no quanto os funcionários públicos têm a mania de nos tentar fazer entender que nos estão prestando favor? Não generalizando, claro, mas já percebeu como é doentio o mau humor e a falta de simpatia que nos destinam durante os atendimentos? E a disposição em se mostrar cortês e prestimoso? E quanto à iniciativa e pro-atividade? E olha que muitos ganham abonos por resultados. Você acredita que eles têm metas a atingir? E o mais incrível, que eles conseguem? Alguém já foi em um posto do DETRAN? Já precisou do atendimento rápido da prefeitura do Recife? Até para reclamar imposto indevido você sofre. Quem quiser que me chame de radical, mas enquanto o conceito e o fundamento de funcionalismo público se pautar em estabilidade, nada muda. Ou você nunca pensou em concurso público como sinônimo de regalia e pouco trabalho?

Como diz João Eloi Olenike, presidente do IBPT, órgão responsável pelo estudo, “não há problema em pagar muito imposto se o cidadão tiver em troca serviços básicos, como saúde, educação e segurança gratuitos e de boa qualidade”. O problema não é reduzir a arrecadação dos tributos, mas entender para onde vai esse R$ 1,5 trilhão, que sai anualmente dos nossos bolsos.

Fontes:

Jornal do Commercio, Economia, 27 de Novembro de 2012;

Diário de Pernambuco, Economia, 27 de Novembro de 2012.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

BAR DA GALEGA - O MELHOR DO MERCADO DA BOA VISTA


GALEGA DO MERCADO DA BOA VISTA



GALEGA: A DONA DO MERCADO

Segundo os dados do Censo 2010, mais de 30% das famílias brasileiras já são monoparentais. Isso significa estruturas familiares constituídas por apenas um dos genitores. Em sua quase totalidade estas são chefiadas por mulheres, que além de mães tornam-se as únicas provedoras de seus filhos. E entenda-se que o ato de prover vai muito mais além do que garantir economicamente o sustento, mas inclui as dimensões afetivas e emocionais necessárias ao desenvolvimento saudável de qualquer criança. Há muito penso em escrever sobre as mulheres guerreiras do Recife. E estas são muitas, basta olharem as ruas. Quem conhece, por exemplo, o Mercado da Boa Vista com certeza conhece “Galega”, mulher simples, dona de uma vitalidade impressionante. Impossível não se contagiar com sua alegria. Impossível não se impressionar com sua garra.

Conheci Galega há uns cinco ou seis anos atrás através de um amigo que, de certa maneira, também me apresentou ao Mercado. Era domingo e o espaço estava lotado, como na maioria dos finais de semana. Em meio à multidão uma mulher magra se movimentava com graça e simpatia, saudando a todos que a cumprimentavam. Sua diferença se fazia pelo atendimento. Galega é do tipo de pessoa que nos dá a impressão de velha conhecida. Daquelas pessoas que nos transmite sensações de proximidade e acolhimento. Hoje em dia vou mais ao Mercado da Boa Vista por Galega do que especificamente pela comida ou qualquer outro atrativo. Para mim tornou-se referencia local, e independente do quiosque em que trabalhe, mantém sua principal característica, o atendimento personalizado. O cardápio é ditado com voz simpática e brincalhona. A propaganda do estabelecimento fica garantida pela confiabilidade que transmite aos clientes. Perde-se ou se ganha clientela no manejo da Galega. Já deixei várias vezes de almoçar no Mercado por falta de mesas no estabelecimento em que atende. Assim, a simpatia pelo espaço e/ou pelos donos dos boxes torna-se extensivo.

Neste sentido, não é só o produto comercializado que importa, mas o valor humano que se agrega. A garantia da qualidade oferecida torna-se indiscutível diante da fidelização. Transforma-se, em certa medida, fator secundário. O prazer consiste em almoçar ou, simplesmente, bebericar ouvindo suas histórias. Mas do que a dinâmica do Mercado, ela nos informa sobre as dinâmicas da vida e da cidade. Oferece-nos outro olhar sobre determinados fatos ou acontecimentos. Uma espécie de mulher sábia, autodidata, que parece curtir com a vida. Uma pessoa real, que tem problemas, ambições e sonhos. Uma batalhadora que estabelece estratégias de manutenção e sobrevivência. Que garante a dignidade das relações igualitárias entre fornecedor e clientes. Uma mulher que parece empregar sua marca em tudo o que faz.


MERCADO DA BOA VISTA
SÁBADOS E DOMINGOS - 09:00 AS 17:00
Moradora da Comunidade do Bode, no bairro do Pina, Galega é mãe dedicada, que planeja os ganhos em detrimento da família. Nada perece fugir de seu controle, mesmo nas situações mais difíceis, e essas não são poucas. Mulher de valores concretos que emprega ao Mercado a leveza que nem sempre a vida lhe destina. Não se lamenta, não reclama, não se vitimiza. Ao contrário, mostra-se sempre determinada em seus propósitos, de domingo a domingo. Com sol ou com chuva o tempo se mostra límpido. Não existe mal humor, mas existe verdade em seus gestos e expressões. Uma mulher viva e intensa que do mesmo jeito se que se torna fera diante das injustiças se revela doce e pura perante a delicadeza e o respeito. Profissional batalhadora que sonha em abrir seu próprio negócio: “O Bar da Galega”. Bar inclusive que já é realidade. Quem vai ao Mercado da Boa Vista não procura pelo Boxe X ou Y. Busca-se o Bar da Galega, onde se encontrará sempre a melhor comida e a cerveja mais gelada, acompanhadas de boa conversa e boas gargalhadas. Sem sombras de dúvidas uma pernambucana arretada! Daquelas que vale a pena conhecer e aplaudir.

Galega não tem um bar ou um quiosque no Mercado, tem todos. Por isso, basta chamar seu nome para descobrir seu paradeiro. Na esquina, na ponta, no meio, no lado direito ou esquerdo, não importa. Sempre existirá uma mesa e um sorriso a sua espera. Buchadinha, sarapatel, galinha a cabidela, dobradinha ou arrumadinhos que não são mais do Mercado. São as especiarias da loura sempre maquiada e arrumada que, às vezes, se anuncia como “Galega do Babado” em tom de gozação. Assim, para quem busca por prazer durante o almoço, ou diversão nas manhãs e tardes dos finais de semana, não pode deixar de comparecer ao “Bar da Galega”. O endereço? Mercado da Boa Vista, no centro do Recife. O número do Boxe? Não importa. É só perguntar ao público. Galega não tem posto, não tem dono, não tem patrão. Tem mais que amigos. Tem clientela certa. Até porque todo mundo sabe que “o povo deve ir onde o artista está!”

Vale a dica: Bar da Galega, todos os sábados e domingos, das 09:00 as 17:00! Bom apetite!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UM FURACÃO DE ARBIRIEDADES NO PINA

Diário de Pernamuco, 07.11.2012
BOM DIA RECIFE, O FURACÃO SANDY ARRASOU O BAIRRO DO PINA

Você sabe o que é desespero? Já passou por alguma situação de desespero extremo? Já viu sua casa e sua história de vida ser destruída em poucos minutos? Já ficou desolado, sem saber o que fazer da vida, sem saber para onde ir ou a quem recorrer? Então conhece o significado de aflição. Já sentiu na pele o profundo sentimento de abatimento moral que decorre de circunstâncias penosas? Já se agoniou? Então, já viveu um estado de grande desalento, de profunda tristeza ou mágoa. Um desgosto pela vida, comum as situações de injustiça. Já viveu e sentiu a força da ansiedade e da angustia. Já se sentiu impotente, fraco diante de uma situação ameaçadora.

Milhões de brasileiros com certeza se penalizaram com a situação dos norte americanos atingidos pelo furacão Sandy. Quarteirões inteiros foram destruídos, acabando com o sonho e as histórias de várias famílias. Esta é uma situação de impotência extrema. Não se pode lutar contra a natureza, porque ela cumpre seus ciclos. Talvez isso possa ser chamado de destino, onde as coisas acontecem porque tem que acontecer. É como se houvesse uma prescrição dos fatos. Neste caso, Sandy, se torna apenas um instrumento de uma força maior. Não terá culpa. Ficará na memória como exemplo de tragédia.

Graças a Deus, não temos dessas coisas por aqui! Somos abençoados! Dirão os mais fervorosos crentes na predileção divina. “Deus é brasileiro!”, anunciarão os mais carolas. Na verdade a única Sandy que temos por aqui só afeta nossos ouvidos. Mas, deve-se considerar que o incomodo não é unanimidade nacional. Tem até quem goste. Fora isso, temos apenas a referência simbólica de duas grandes torres que margeiam nosso litoral, localizado próximo ao Cais de Santa Rita, carinhosamente denominadas “Sandy e Junior”, e que se sobressaem como metro quadrado mais caro do Recife. Assim, nossas semelhanças com a cidade de New York não parecem tão pequenas. Também como a cidade americana, as torres ilhadas pelo mar se elevam como símbolo de poder e inviolabilidade. Já se tornaram referencia para a cidade. Mas do outro lado da ilha uma pequena comunidade denominada como “Vila Oliveira”, que a mais de cinquenta anos se consolidou no Bairro do Pina – já considerado nobre, mas que com o tempo transformou-se em referência de favela, não suportou a força de um furacão chamado Estado.

Assim, quinze famílias entraram em estado de desespero de causa como ultima tentativa de remediar ou contornar uma situação gravíssima – o despejo de suas residências. Famílias em estado de tensão lutando contra a determinação de um Estado de violação. A tragédia também foi televisionada. Mas talvez você não tenha visto por estar muito tenso com o destino dos Estados Unidos, que como se esperava, reelegeu Barack Obama. As duas notícias chegaram mesmo a estampar as capas dos principais jornais pernambucanos. Mas estes preferiram enaltecer a vitória do presidente americano em detrimento dos problemas sociais locais. Neste ponto, acredito que a frase do homem mais poderoso do mundo, publicado no Twitter as 1h20 (do Recife, segundo o jornal), traduza também nossa fatalidade: “Isto aconteceu por causa de vocês”, disse ele emocionado.

“Estamos todos juntos nisto. Assim fizemos a campanha, é assim que somos!” disse o “novo” presidente. No alto da pagina um homem reempossado comemora sua vitória, abaixo uma criança, sobre os ombros do pai, si desespera diante de centenas de homens fardados, integrantes do batalhão de choque, que a desapossava de sua casa e de sua terra. Contraditório? De jeito nenhum, afinal de contas “É assim que somos”. É assim que lidamos com nossos erros. Aprendemos a nos tornar violadores de direitos. Aceitamos passivamente as decisões de um Estado que viola os direitos humanos, pautados em legislações, que muitas vezes, só beneficiam pequenos grupos. Como se despeja quinze famílias, pautados em decisão judicial, cheia de contradições, que já se arrasta por mais de dezenove anos, sem planejamento e respeito? Se a decisão é legal, porque os órgãos competentes não se responsabilizaram pela desocupação da área, oferecendo possibilidades e condições dignas de transferência, inclusive considerando que os moradores possuem documentação de posse sobre a terra concedida pelo então governador Miguel Arraes? Fato destacado pela advogada Maria José do Amaral que representa os moradores da vila.


As informações divulgadas na imprensa mostram que em 2009, os requerentes, donos do terreno com mais de 1.000 metros quadrados, perderam as terras depois que o juiz Francisco Julião deu ganho de causa às famílias, que já moravam na comunidade há mais de cinquenta anos. Porém em 2011, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo mudou a decisão favorecendo o casal de proprietários. Segundo a jornalista Mariana Gominho, do Diário de Pernambuco, “já era tarde da noite de ontem quando as ultimas famílias deixaram a Vila Oliveira, no bairro do Pina, zona sul do Recife. Nos caminhões, os móveis seguiram despejados sem muito cuidado”. Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Jayme Asfora, a ação é arbitrariamente desrespeitosa: “Empregaram spray de pimenta, até mulheres grávidas foram agredidas, houve muita confusão. Eles estão querendo abrir uma cortina de fumaça para esconder as arbitrariedades cometidas aqui, mas não vão conseguir. Isso não pode ficar impune”. Em consonância com a ausência ou omissão dos órgãos do governo, o promotor de justiça dos Direitos Humanos, Westei Contes questionou: “Para onde vão essas famílias? Porque não havia aqui profissionais para orientá-las? O mesmo destacou as situações de vulnerabilidade a que foram e estão expostas as famílias da Vila Oliveira, salientando o descumprimento da lei, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como do Estatuto do Idoso.

São idosos, crianças, adolescentes, mães, pais, trabalhadores em estado de desespero. Cidadãos lutando por dignidade. É a lei contra a própria lei atendendo a interesses que não são do coletivo. É uma verdadeira celeuma de imprecisões e [in]definições obscuras. É a omissão da sociedade diante das arbitrariedades de um Estado, a quem cabe a proteção da vida e da dignidade dos sujeitos. É a ineficiência das políticas públicas e dos órgãos “competentes” responsáveis. É o descompromisso social dos governantes. É o descaso com a aplicação de nossos altos impostos. É a especulação imobiliária sobre o bairro do Pina. São as demandas do desenvolvimento econômico do estado. É a contradição de nossos atos. É a inversão de valores morais e sociais. É a nossa realidade de uma cidade sem governo. É a cara do Recife! Quem precisa realmente do furacão Sandy? Será que alguém poderia avisar a modelo Nana Gouveia sobre a tragédia? Quem sabe ela não resolve fazer um novo ensaio fotográfico. Quem sabe assim, nossa tragédia não ganha à divulgação merecida, compadece o público, e a partir daí se exige providencias?

Você sabe realmente o que é desespero? E desrespeito, você sabe?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ANDREA PEIXERADA - UMA PROSTITUTA DE VISÃO


“Onde tem buceta, cu perde!” me disse, certa vez, Andrea Peixerada, travesti recém operada que se prostitui em Recife. Tal afirmativa surgiu durante uma entrevista sobre os valores negociados no universo da prostituição masculina, objeto de minha pesquisa de mestrado. “Quem gosta de rola é frango, mulher gosta de dinheiro!” completou, sentenciando sua visão sobre as leis do mercado do sexo, sobre o qual me debruço no doutorado. Segundo sua concepção a mulher que exerce a prostituição não se guia pela lei do bem dotado, isso fica para os homossexuais que valorizam e/ou idealizam o falo. Um pênis é sempre um pênis, o importante neste tipo de mercado é a negociação financeira. Relembrei de nossa conversa ao ler o resultado do Leilão de Catarina, ou melhor, o leilão da virgindade da brasileira de 22 anos, Catarina Migliorini. O lance final foi dado pelo japonês identificado como Natsu, e alcançou o patamar de R$ 1,58 milhão. Do fato, duas constatações: 1) não atingimos o recorde mundial [ver publicação anterior]; e, 2) o mercado sexual tem fôlego para movimentar cifras estratosféricas.

Adoraria reencontrar Andrea e elogiar sua perspicácia e visão de negócio. É que paralelo ao leilão da brasileira, também foi colocado a venda a primeira vez do jovem russo Alexander Stepanov, adquirida por míseros R$ 6 mil. A oferta foi de um brasileiro que se apresentou como Nene B. Confirma-se então a máxima “Peixeriana”, onde uma vargina virgem vale muito mais que um pênis ou anus em igual estado de conservação. Se a nossa brasileirinha não nos orgulhou com a consolidação do produto nacional no mercado de ponta, pelo menos alçou o Brasil ao status de país competitivo. A virgindade brasileira nunca foi tão valorizada monetariamente. Afinal de contas, ela conseguiu manter-se entre as três mulheres mais caras do mundo, o que equivaleria a uma medalha de bronze numa espécie de olimpíada sexual. Por outro lado, nosso macho brasileiro se impôs e conseguiu a façanha de oferecer o maior michê que já ouvi falar no universo da prostituição masculina. Quanto vale a virilidade de homem?

Desculpem se me equivoco ao pensar que falamos sobre prostituição, afinal a façanha foi promovida pelo site Virgins Wanted, de uma empresa de entretenimentos. O curioso é que “Wanted” é uma variação ou derivação de “Wantid”, adjetivo que serve de referência ao indivíduo procurado pela polícia. Assim, no meu parco inglês, acredito que o trocadilho sirva como brincadeira para alguma espécie de “procurando virgens”, ou coisa do gênero, base ou mote do programa televisivo a ser transmito ao vivo pelos canais por assinatura. Finalmente o mercado do sexo chega para alavancar pontos do ibope. Sexo e dinheiro sempre despertaram atenção e fascínio, logo, o programa tem tudo para dar certo e virar mania, também entre os brasileiros. Ou alguém assiste ao Big Brother Brasil esperando ver apenas intrigas? Não se enganem. Em pouco tempo a iniciativa da jovem catarinense se apresentará como interessante alternativa as e aos nossos jovens empreendedores/as, estimulados pela busca de “oportunidades”.

No tempo de crescimento da economia tudo vira consumo, inclusive os corpos. Ontem, por exemplo, o programa “Profissão Reporte”, da Rede Globo, tratou da vida das mulheres brasileiras que deixam o país para exercer a prostituição no exterior. Uma das entrevistadas chamou a atenção por evidenciar as práticas sexuais comerciais enquanto atividade remunerada viável e livre de qualquer criminalização. “Este corpo é meu!”, disse ela. O corpo comercializado também se torna instrumento de trabalho, como em qualquer outra atividade profissional. O que se diferencia é a área ou região do corpo. Vendemos nossos olhos, nossos braços, nossa inteligência, nossa beleza, em atividades reconhecidas e aceitas socialmente como profissões honrosas. Vendemos nossa produção através da nossa força de trabalho. Será realmente tão diferente se vendermos sexo? Particularmente acredito que não. Desde que, logicamente, as práticas sexuais comerciais se dêem de forma autorizada, através de pessoas conscientes, tanto por parte de quem vende, como de quem compra prazer sexual. Uma coisa é exercer a prostituição de livre e espontânea vontade, ou pelo menos consciente de suas implicações; outra coisa é ser colocado/a em situações de prostituição, e/ou, exploração sexual. Isso sim, se configura como crime, como qualquer outra forma de exploração da força de trabalho humana.

A diferença entre Catarina e as prostitutas profissionais, talvez seja a percepção ou entendimento sobre as formas de exploração sexual, as quais muitas vezes, estão, ou estarão expostas. A questão em pauta aqui não é a comercialização do corpo, mas o agenciamento que se traduz em cafetinagem, mesmo sendo ela adulta e responsável por suas ações. Traduzindo: se Catarina ganha mais de um milhão com a comercialização de sua virgindade, ótimo, mas quanto ganha à rede de exploração [ou produção] por atrás dela? Pela estratégia do entretenimento o crime de transgressão ganha à autorização e a legitimidade popular. No campo das contradições humanas a prostituição mantém-se e é mantida como objeto da diversão. No caso da Catarina, não é só o japonês quem paga, mas todos que ligam seus aparelhos para se divertir à custa da força de trabalho alheio. Mas a mesma atividade comercial que diverte, envergonha, e por isso é mantida na marginalidade. Como disse a entrevistada do programa: “ninguém quer ter uma filha prostituta. Ninguém quer ter uma mãe ou esposa prostituta...” mesmo que se usufrua direta ou indiretamente de seus ganhos.

A grande questão, ou contradição, é que moral será sempre social. Mas esquecemos que para a manutenção do jogo da hipocrisia alguém sempre assumirá o “trabalho sujo”. Neste sentido, é a “sujeira” do outro que me purifica. Como bem disse Andrea Peixerada, “a hipocrisia social mantém o mercado do sexo vivo”. E este sempre alimentará os mais secretos, obscuros e inconfessáveis desejos, fantasias e taras, inerentes e comuns a sexualidade humana. Assim, quanto vale o SEU desejo?

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O APAGÃO DO RECIFE


UMA CIDADE SEM GRAÇA!

E de repente a noite apagou a cidade. Prenuncio do fim dos tempos, ou simples anuncio dos tempos ruins? O breu libertou o grito; o grito, o horror. E este era de medo. Era quase meia noite e não havia lua, muito menos estrelas para iluminar as trevas. Um Estado de inércia. Mas Recife, tudo logo vira festa e histeria, por isso, janelas flamularam chamas opacas enquanto a algazarra tomava conta das ruas. De longe pareciam pequenos balões quadrados subindo aos céus. As silhuetas se tornaram negras. Talvez por isso digam que no escuro todo gato é pardo. E Recife é uma terra de pardos, mistura dos negros, brancos e índios. Essa mistura toda só podia dar nisso. Bando de gente nervosa e passiva diante das calamidades. Diante da noite onde espectros sombrios vagaram a ermo.
Nessas situações, a ameaça da morte sempre ronda os becos. Era quase meia noite e não havia lua. Menos mal. Sinal de que o lobisomem não correria avenidas. Mas quem precisa de terríveis personagens lendários se em noites mal iluminadas homens se transformam em bichos? Nas noites de sustos qualquer sombra se torna fantasmagórica. E nesta noite, elas dançaram nas paredes altas assombrando prédios. No cruzamento o amarelo piscava fosco. Era um sinal para ficar atento aos percalços de uma noite desprotegida. Deu uma hora da madrugada e não havia viaturas. Nem suas sirenes se ouvia. Por isso se acendiam velas. Línguas de fogo bailando ao vento. Seria poético se não fosse o medo dos corpos encolhidos nas calçadas. Pessoas enroladas em jornais de notícias obscuras. A noite estava cega em informações. Ninguém sabia de nada. Ninguém via nada. Somente a espera se prolongava por horas a fio.

Havia um pavio que queimava no velho candeeiro. Isso me lembrou o Sertão. Mas lá só se teme a fome. Aqui não, aqui tem o homem. Por isso, o perigo não está na noite, mas nos vagantes gatunos. Seres noturnos que se apossam dos corpos. Que tiram vidas e fogem das câmeras. E como tem câmeras nessa cidade. O problema é que toda rua tem um ponto cego. E nestes a morte espreita com a foice em riste. Melhor evitar os becos em noites sem estrelas. Se aglomerar para contar faróis apressados. No Recife é assim, tudo vira festa e risco ao mesmo tempo. Por isso as pessoas gritam. Por isso crianças choram. Velhos lamentam, mulheres correm.
Quase duas da madruga. Só o prenuncio do caos. Era cada um por si e Deus por todos, ou por ninguém. É assim quando a cidade não tem governo. O Estado da calamidade autoriza a violência pública. Em noite sem lua tudo vira festa e histeria. Até quem deve proteger se esconde. Melhor trancar as portas, correr as chaves. Ficar a mercês de um estado de graças. Não, não vale a pena depender de um Estado de graça, sem graça, perdido no breu escuro que, muitas vezes, apaga vidas.

O medo da noite apagou o Recife. Prenuncio do fim dos tempos, ou anuncio de tempos ruins? Quantas noites faltam até janeiro? Quem conta ânsia por mudanças. E em Recife mudança é coisa urgente. Porque quando tem apagão, o breu liberta o grito; o grito, o horror. Foram mais de quatro horas nas trevas. Amanheceu o dia e não havia lua, muito menos estrelas. Não havia nada, inclusive segurança. Somente a longa espera por mais um dia de incertezas.

Era fim de madrugada, e a luz finalmente, se fez por si mesma. Mas uma vez a cidade ficou na graça. De graça! Sem graça! Mas Recife está assim. Uma cidade desgraça!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

TRÊS MULHERES E UM HOMEM?

QUATRO JOVENS ANDANDO PELAS TARDES DO RECIFE

O sol estava quente e a tarde abafada. Apesar da claridade nuvens escuras se amontoavam no céu sinalizando mal tempo. O calor subia do asfalto e se juntava ao monóxido de carbono asfixiando garantas. Carros somavam filas enormes e impacientes reclamavam passagem. Era o Recife congestionado em ruas estreitas. Era a cidade paralisada, esquentando os miolos. Ando buscando sombras, fugindo dos raios que queimam a pele. Chegou o verão, e agora um amontoado de gente parece elevar ainda mais a temperatura. Apressadas enxugam o suor nas palmas das mãos, secando-as nas roupas. Essa gente não tem mais olhos? Em seus lugares, duas películas escuras, que hora assumem formas arredondadas, hora ovais, quadradas ou retangulares, substituem as iris. Todo mundo fica marrom diante destas lentes. Olhando assim, a cidade parece acromática, como num postal antigo, numa foto amarelada pelo tempo. Tudo assume um tom âmbar. Até as pessoas ficam pálidas.

A minha frente visualizo três mulheres e um homem que se mostram indiferentes a ebulição. Parecem absorvidos em suas histórias, em suas cumplicidades. Três mulheres e um homem andando pela tarde. Nada mais corriqueiro e desinteressante. Só mesmo quem não tem o que fazer poderia se prender a pequenos detalhes. O que seriam eles? Amigos? Não nego que a curiosidade me apressou os passos. Confesso até que tenho essa certa mania de bisbilhotar vidas alheias. Certo voyeurismo, comum aos metropolitanos. Me pego indagando sobre suas vidas. Para onde estaria indo o tal quarteto? O que fariam após sumir de meu ângulo de visão? Atenho-me as silhuetas na busca de identificar identidades. Três mulheres e um homem à frente, um bisbilhoteiro atrás aguçando os sentidos.

Uma era loura e cheia. Tinha cabelos curtos, na altura dos ombros, alisados a pouco, que lhe conferiam um ar arredondado a face. Usava um short apertado que se mostrava pequeno para conter nádegas tão fartas. A segunda, ao seu lado direito, era morena, alta, de corpo esguio. Tinha pernas longas e bem torneadas que se perdiam nas bainhas de um mini vestido de lycra, pinçado, que lhe revelava as costas. Os cabelos balançavam ritmados ao andar requebrado. A terceira era negra e de baixa estatura, mas parecendo uma criança. Uma bermuda lhe cobria as coxas, afunilando sobre os joelhos. Uma camiseta de estampas coloridas se ajustava as curvas da cintura. Nas costas, uma bolsa do tipo mochila dava vida a um pequeno macaco, cor de rosa, que balançava preso ao zíper. Seus cabelos eram crespos, penteados para o alto, mas parecendo um pica-pau. Por fim, no lado extremo da linha, o rapaz parecia forte devido a quantidade de roupas sobrepostas. Usava uma camisa azul, de jeans amolecido, sobre uma camiseta de malha preta com mangas longas, mal enroladas até os cotovelos. Tinha cabelos curtos e escuros, quase totalmente encobertos pelo boné vermelho. As pernas, levemente arqueadas, pareciam perdidas no interior de uma calça larga que lhe descia até os sapatos.

Na verdade eram pessoas comuns. Não havia nada de atrativo ou estranho que pudesse despertar minha atenção. Se não fossem tão jovens diria que bem poderiam compor uma família tradicional, formada por uma mãe, duas filhas e um pai. Mas não eram. Seriam irmãos ou apenas amigos? Acelerei novamente os passos na tentativa de alcançá-los. Aproveitei o pretexto de que andavam em linha para não ultrapassá-los. Na verdade nem haveria espaço, caso não quisesse esbarrar em um deles. De repente uma voz anasalada pontuou: - “Então a gente se encontra mais tarde no shoppen! A senhora vai, né môna?” Era a criança negra quem falava enquanto atravessava, em sentido a Rua José de Alencar, diante dos carros que continuavam presos em mecha lenta. “Só chego lá pras oitcho hora”, gritou a loura em resposta. A vozes peculiares aliadas aos dialetos específicos, me aguçaram a atenção. A conversa continuou no mesmo tom jocoso e brincalhão. “A pequena é foda mesmo. Prá ela não tempo ruim”, afirmou o rapaz. “Por isso que chamam ela Bichinha Duracel”, completou a morena de pernas longas. “Agente pode esperar na tua casa? Minha boysinha só chega lá pras seis e meia. Vou pegar ela no Mustang”, voltou a falar o rapaz. “Tu tá gamadão mesmo broder”, riu a loura, do outro lado. “A menina é maneira, é de responsa”, ele completou taxativo.

O trio agora fazia sinal de entrar a direita, pela Rua das Ninfas. Era preciso me adiantar, a fim de visualizar seus rostos. Aproveitei o momento de um abraço coletivo, que acompanhado de uma longa e alta risada chamou a atenção, e passei rente a loura. Disfarcei observar a varanda de um prédio próximo e encarei rapidamente os três. A loura era uma mulher-vaginal; a morena era uma mulher-peniana; e o rapaz, um homem-vaginal. Traduzindo, para evitar confusões, aquele trio de jovens era formado por uma mulher, uma travesti e um trans-homem. Logo, a negra Duracel era um jovem gay. Havia por fim, confirmado minhas hipóteses. Parei e pensei: É isso, Recife está pronta. A diversidade imperava tranquila e fluidas pelas ruas da cidade.

A tarde estava quente e o sol abafado. Apesar das nuvens escuras se amontoarem nos céus a claridade sinalizava bons tempos. O monóxido de carbono que se juntava ao calor do asfalto parecia não mais asfixiar aquelas garantas livres. Os carros impacientes somam filas enormes, mas não reclamavam suas passagens. É o Recife, que apesar de congestionado não se mostra estreito. É a cidade que não mais paralisa diante das diferenças e nem tão pouco esquenta os miolos. As minhas costas, quatro jovens se mostravam indiferentes e em ebulição. Absorvidos em suas cumplicidades históricas. Duas mulheres, um gay e um homem andando pela tarde. Nada mais corriqueiro e desinteressante. Só mesmo quem não tem o que fazer poderia se prender a pequenos detalhes.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

MULHERES A VENDA PELA INTERNET

Fonte: Michel Alecrin (IstoÉ, 26.09.2012)


O RETORNO DA MULHER OBJETO?

Quanto vale a virgindade de uma mulher? R$ 67,2 mil; R$ 140 mil; R$ 2,6 milhões; R$ 3 milhões; ou, R$ 6,8 milhões? Quem dá mais? E quanto vale a orientação sexual de uma filha? R$ 132 milhões? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Está aberto o leilão de corpos!

Façam suas apostas. Até o próximo dia 15 de outubro, os interessados podem fazer seus lances para comprar a virgindade de uma jovem brasileira, de 20 anos de idade, estudante de educação física. “Catarina”, como se identifica, está na internet e já recebeu lance de R$ 140 mil. Segundo ela, tudo não passa de uma aventura, “um negócio”. Para concorrer ao título de desbravador da inocência perdida ou pérfida, basta ter bons antecedentes criminais e uma boa soma em dinheiro. “Em um negócio não se escolhe o comprador”, explica a moça. Contudo, quem comprar sua primeira experiência deve estar consciente que, como em qualquer prática sexual comercial, o que está à venda não é um corpo propriamente, mas apenas fantasias. Assim, tudo se resumirá a sexo, e quem arrematá-la não poderá lhe beijar a boca ou se envolver emocionalmente. Não haverá posses, pois que virgindade não se leva para casa ou se coloca a exposição no centro da sala.

A notícia tem provocado uma verdadeira celeuma em redes sociais e meios de comunicação, trazendo a tona velhos questionamentos. De um lado, os defensores da honra moral e dos bons costumes lhe apedrejam o título de prostituta; do outro, feministas se alvoroçam em destacar o caráter de violência inerente ao ato, exatamente no momento em que as mulheres conseguiram o status de independência. Opiniões a parte, “Catarina”, indiferente as críticas, parece reverter às convenções e postulados teóricos ao se posicionar diante do mundo como mercadoria. Torna-se um novo símbolo de mulher objeto. E entenda-se novo, não relativo à sua idade cronológica, ou inviolabilidade da mercadoria, no caso, a virgindade; mas por não ser esta a primeira vez que mulheres recorrem ao corpo para acessar vantagens. Basta refletir sobre os nossos velhos modelos de casamento, legal e religiosamente eternos, configurados como contratos sociais, onde a mulher sempre foi posse do marido provedor.

Mas é bom saber que antes da iniciativa nacional, Natalie Dylan, estudante americana, de 22 anos, tornou-se recordista mundial ao receber um lance de R$ 6,8 milhões. Deixou par traz garotas mais jovens, tais como Graciela Yataco, peruana, 18 anos, que recebeu oferta de R$ 3 milhões; Raffaela Fico, modelo italiana, 20 anos, que recebeu o lance de R$ 2,6 milhões; Rosie Reid, jovem inglesa de 18 anos, leiloada por R$ 67,2 mil. Será que nossa brasileirinha irá bater o Record? Em época de copa do mundo e olimpíadas nada parece mais justo ou sensato. Quanto valerá os corpos dos brasileiros durante os dois grandes eventos? O mercado está ávido por carne, inclusive humana. Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas! Até porque nas ruas do Brasil o invisível nem sempre será o que não se ver, mas apenas o que se deseja manter marginal.

Do outro lado do mundo, digamos assim, um pai bilionário oferece R$ 132 milhões para o homem que seduzir e casar com sua filha Gigi. A oferta estratosférica, maior do que vários prêmios da Mega Sena brasileira vêm de Hong Kong. O motivo? A moça é lésbica e formalizou sua união com outra mulher na França, já que em sua cidade natal ainda não é possível. Em Hong Kong a homossexualidade só deixou de ser considerado crime em 1991. “O que ela precisa é de um homem de verdade”, destaca o empresário preocupado com as repercussões do caso sobre seus negócios. Apesar dos transtornos, Gigi não se mostra interessada nas ofertas e considera a decisão do pai uma grande brincadeira. Assim, desmente a confusão salientando que não está a venda.

São duas mulheres, duas culturas e o mesmo contexto. Mulheres objetificadas e expostas a venda nas redes de exploração sexual através da internet. Se por trás da moça oriental existe um pai conservador; por trás da brasileira parece existir uma família inconsequente e oportunista. É que “Catarina” tem como objetivo participar de um documentário australiano que retratará as “mudanças emocionais que ocorrem na mulher após a primeira relação sexual”. Uma espécie de Reality Show, gravado na Indonésia. A brasileira foi apenas uma entre as tantas candidatas ao posto de pop-star instantânea e, conta com o total apoio da família. Selecionada, a virgem que só deu o primeiro beijo aos 17 anos, já assinou contrato, pelo qual recebeu R$ 42 mil. Sua noite de núpcias ocorrerá dez dias após o encerramento do leilão, ou seja, dia 25 de outubro deste ano, em local ainda não definido. Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas! Quanto você pagará para assistir ao vivo?

A idéia de que o corpo da mulher pode ser comprado e consumido parece ser tão antiga quanto à existência humana. Também não se pode negar a autonomia das próprias mulheres em dispor do próprio corpo, sejam quais forem os motivos ou objetivos. Contudo, o que se coloca em pauta, é mais uma vez, a representação do feminino enquanto objeto, enquanto ser subjugado, num emaranhado de relações de poder que se estabelecem nas, e pelas culturas. O mercado capitalista estabeleceu, e estabelece valoração financeira para tudo, inclusive para os corpos. Em qualquer atividade profissional estaremos vendendo nossa força de trabalho que resulta do corpo. O fato não se torna diferente ao passo em que a força humana esteja vinculada as práticas sexuais comerciais. Como bem destaca a consciente [?] “Catarina”, tudo não passa de um negócio. A grande questão encontra-se no fato de se avaliar sobre quem realmente ganha, ou pelo menos, ganha mais, com a negociação. Afinal, todos parecerem lucrar: a própria moça, a família, a produtora do reality show, o canal de televisão, e também, os telespectadores.

Mas devemos refletir que neste contexto, o ganhador, ou comprador do grande prêmio será apenas instrumento de toda uma sociedade que se respalda no consumo desenfreado, ensandecido e inconsequente. Os telespectadores, diretores, produtores e agenciadores (incluindo a família) também consumirão o corpo da “Catarina”. Mas será que ela própria também se consumirá? O que será da jovem catarinense após ser desvirginada em cadeia mundial, ao vivo, sob os olhares capitalistamente desejosos, obscenos e pervertidos do público? Quantos pontos no ibope atingirão os canais de transmissão? Quanto pagará cada patrocinador para vincular suas marcas no horário de exibição? Quanto ganhará os verdadeiros produtores do tal documentário, que pode ter todos os objetivos, menos caráter científico? Quanto, e principalmente, o que ganhará a sociedade? Façam suas apostas! Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três!

A insensatez do ato em si não se mostra diferente da que respalda a exploração sexual mundo afora. Quantas crianças e adolescentes são desvirginadas a olhos nus, cotidianamente em nossas cidades? Coisas diferentes? Quanto se paga pelo corpo de uma menina ou menino em Recife, por exemplo? R$ 10,00; R$ 5,00; R$ 2,00: um prato de comida? Um cachorro-quente? Um tênis? Uma roupa nova? Uma noite de sono? Continuem suas postas! O que se consome no mercado do sexo, onde de forma transgressora, crianças e adolescentes de ambos os sexos, são traficadas, aliciadas ou comercializadas livremente, não é a virgindade, mas o sentido ou representação de pureza, de inocência, de inviolabilidade, de intocável, de sagrado, de iniciação, de “lacre”. É a condição ou estado físico que é transformado em mercadoria. O corpo é subjugado e dinheiro torna-se apenas o mediador ao caráter de violação humana. O que importa é infringir a norma, e por isso se paga muito ou pouco, pois que o monetário torna-se instrumento de autorizo. Só existe mercado por que existe consumo. Só se constroem mercadorias porque existem as demandas. E estas, somos nós, sociedade, que estabelecemos, incluindo a definição de seus valores ou valorações. Quanto vale o corpo de uma criança? Quanto custa a inocência dos inocentes? Quanto à sociedade está a fim de pagar, e arcar, pelas consequencias de seus atos? Quanto, realmente, “Catarina” ganhará com tal exposição?

Façam suas apostas! Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Corram para frente da televisão, pois vai começar o show. Caso prefiram algo mais picante e apimentado direcionem seus olhares às ruas de suas cidades, pois que milhares de “Catarinas” estarão à venda enquanto durar o programa televisivo. E nestes casos, especificamente, os “programas” durarão o tempo da sua inércia, da sua indiferença, da sua inversão de valores, da sua violação. Mas depois, se puder, reflita sobre quais produtos você está criando demanda. Sobre quais corpos está colocando a venda. O mercado está aí para lhe servir. Afinal de contas, o mercado e o capitalismo dos corpos nada são do que criações humanas que satisfazem e se alimentam dos nossos próprios desejos. E você, é humano? Então, boa programação. Quem sabe o próximo corpo a venda não será o seu, o do seu filho[a], do seu sobrinho[a], do seu vizinho[a]...?

Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas!