quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UM FURACÃO DE ARBIRIEDADES NO PINA

Diário de Pernamuco, 07.11.2012
BOM DIA RECIFE, O FURACÃO SANDY ARRASOU O BAIRRO DO PINA

Você sabe o que é desespero? Já passou por alguma situação de desespero extremo? Já viu sua casa e sua história de vida ser destruída em poucos minutos? Já ficou desolado, sem saber o que fazer da vida, sem saber para onde ir ou a quem recorrer? Então conhece o significado de aflição. Já sentiu na pele o profundo sentimento de abatimento moral que decorre de circunstâncias penosas? Já se agoniou? Então, já viveu um estado de grande desalento, de profunda tristeza ou mágoa. Um desgosto pela vida, comum as situações de injustiça. Já viveu e sentiu a força da ansiedade e da angustia. Já se sentiu impotente, fraco diante de uma situação ameaçadora.

Milhões de brasileiros com certeza se penalizaram com a situação dos norte americanos atingidos pelo furacão Sandy. Quarteirões inteiros foram destruídos, acabando com o sonho e as histórias de várias famílias. Esta é uma situação de impotência extrema. Não se pode lutar contra a natureza, porque ela cumpre seus ciclos. Talvez isso possa ser chamado de destino, onde as coisas acontecem porque tem que acontecer. É como se houvesse uma prescrição dos fatos. Neste caso, Sandy, se torna apenas um instrumento de uma força maior. Não terá culpa. Ficará na memória como exemplo de tragédia.

Graças a Deus, não temos dessas coisas por aqui! Somos abençoados! Dirão os mais fervorosos crentes na predileção divina. “Deus é brasileiro!”, anunciarão os mais carolas. Na verdade a única Sandy que temos por aqui só afeta nossos ouvidos. Mas, deve-se considerar que o incomodo não é unanimidade nacional. Tem até quem goste. Fora isso, temos apenas a referência simbólica de duas grandes torres que margeiam nosso litoral, localizado próximo ao Cais de Santa Rita, carinhosamente denominadas “Sandy e Junior”, e que se sobressaem como metro quadrado mais caro do Recife. Assim, nossas semelhanças com a cidade de New York não parecem tão pequenas. Também como a cidade americana, as torres ilhadas pelo mar se elevam como símbolo de poder e inviolabilidade. Já se tornaram referencia para a cidade. Mas do outro lado da ilha uma pequena comunidade denominada como “Vila Oliveira”, que a mais de cinquenta anos se consolidou no Bairro do Pina – já considerado nobre, mas que com o tempo transformou-se em referência de favela, não suportou a força de um furacão chamado Estado.

Assim, quinze famílias entraram em estado de desespero de causa como ultima tentativa de remediar ou contornar uma situação gravíssima – o despejo de suas residências. Famílias em estado de tensão lutando contra a determinação de um Estado de violação. A tragédia também foi televisionada. Mas talvez você não tenha visto por estar muito tenso com o destino dos Estados Unidos, que como se esperava, reelegeu Barack Obama. As duas notícias chegaram mesmo a estampar as capas dos principais jornais pernambucanos. Mas estes preferiram enaltecer a vitória do presidente americano em detrimento dos problemas sociais locais. Neste ponto, acredito que a frase do homem mais poderoso do mundo, publicado no Twitter as 1h20 (do Recife, segundo o jornal), traduza também nossa fatalidade: “Isto aconteceu por causa de vocês”, disse ele emocionado.

“Estamos todos juntos nisto. Assim fizemos a campanha, é assim que somos!” disse o “novo” presidente. No alto da pagina um homem reempossado comemora sua vitória, abaixo uma criança, sobre os ombros do pai, si desespera diante de centenas de homens fardados, integrantes do batalhão de choque, que a desapossava de sua casa e de sua terra. Contraditório? De jeito nenhum, afinal de contas “É assim que somos”. É assim que lidamos com nossos erros. Aprendemos a nos tornar violadores de direitos. Aceitamos passivamente as decisões de um Estado que viola os direitos humanos, pautados em legislações, que muitas vezes, só beneficiam pequenos grupos. Como se despeja quinze famílias, pautados em decisão judicial, cheia de contradições, que já se arrasta por mais de dezenove anos, sem planejamento e respeito? Se a decisão é legal, porque os órgãos competentes não se responsabilizaram pela desocupação da área, oferecendo possibilidades e condições dignas de transferência, inclusive considerando que os moradores possuem documentação de posse sobre a terra concedida pelo então governador Miguel Arraes? Fato destacado pela advogada Maria José do Amaral que representa os moradores da vila.


As informações divulgadas na imprensa mostram que em 2009, os requerentes, donos do terreno com mais de 1.000 metros quadrados, perderam as terras depois que o juiz Francisco Julião deu ganho de causa às famílias, que já moravam na comunidade há mais de cinquenta anos. Porém em 2011, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo mudou a decisão favorecendo o casal de proprietários. Segundo a jornalista Mariana Gominho, do Diário de Pernambuco, “já era tarde da noite de ontem quando as ultimas famílias deixaram a Vila Oliveira, no bairro do Pina, zona sul do Recife. Nos caminhões, os móveis seguiram despejados sem muito cuidado”. Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Jayme Asfora, a ação é arbitrariamente desrespeitosa: “Empregaram spray de pimenta, até mulheres grávidas foram agredidas, houve muita confusão. Eles estão querendo abrir uma cortina de fumaça para esconder as arbitrariedades cometidas aqui, mas não vão conseguir. Isso não pode ficar impune”. Em consonância com a ausência ou omissão dos órgãos do governo, o promotor de justiça dos Direitos Humanos, Westei Contes questionou: “Para onde vão essas famílias? Porque não havia aqui profissionais para orientá-las? O mesmo destacou as situações de vulnerabilidade a que foram e estão expostas as famílias da Vila Oliveira, salientando o descumprimento da lei, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como do Estatuto do Idoso.

São idosos, crianças, adolescentes, mães, pais, trabalhadores em estado de desespero. Cidadãos lutando por dignidade. É a lei contra a própria lei atendendo a interesses que não são do coletivo. É uma verdadeira celeuma de imprecisões e [in]definições obscuras. É a omissão da sociedade diante das arbitrariedades de um Estado, a quem cabe a proteção da vida e da dignidade dos sujeitos. É a ineficiência das políticas públicas e dos órgãos “competentes” responsáveis. É o descompromisso social dos governantes. É o descaso com a aplicação de nossos altos impostos. É a especulação imobiliária sobre o bairro do Pina. São as demandas do desenvolvimento econômico do estado. É a contradição de nossos atos. É a inversão de valores morais e sociais. É a nossa realidade de uma cidade sem governo. É a cara do Recife! Quem precisa realmente do furacão Sandy? Será que alguém poderia avisar a modelo Nana Gouveia sobre a tragédia? Quem sabe ela não resolve fazer um novo ensaio fotográfico. Quem sabe assim, nossa tragédia não ganha à divulgação merecida, compadece o público, e a partir daí se exige providencias?

Você sabe realmente o que é desespero? E desrespeito, você sabe?

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