domingo, 20 de novembro de 2011

DAS RUAS COLORIDAS DO RECIFE




CIRCULO DA AMIZADE
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS




CONSTRUINDO SONHOS

Envolvidos em mais um projeto social nos transformamos nos últimos meses em caçadores de tampinhas de garrafas PET. Com o novo desafio não posso negar meu espanto diante da inevitável constatação: Recife é uma metrópole totalmente tomada pelo lixo. Mais aterrador é poder constatar o quanto somos extremamente mal educados, sem a mínima noção de civilidade. Há muito tenho revelado meu descontentamento, bem como denunciado o descaso, descompromisso e ineficiência da atual administração pública comandada por um prefeito que continua dando as Costas para a cidade. Andando pelas principais avenidas ou paralelas torna-se impossível não observar a imundície que se espalha por ruas, calçadas, praças e prédios. Neste sentido, a herança “mascateira” parece ferver em nosso sangue, incorporada em nossa cultura. Para quem não lembra [ou quem não aprendeu devido ao comprometimento de nossa educação pública] o termo mascateiro figurava como alcunha depreciativa dada outrora aos portugueses do Recife pelos brasileiros que habitavam Olinda, e da qual derivou o nome de uma guerra iniciada em 1710 em nosso Estado - Guerra dos Mascates. Três séculos depois, tornamo-nos uma espécie de grande mercado público a céu aberto onde se vende e se compra de tudo - das saladas de frutas preparadas na hora e embaladas para viagem até artigos mais sofisticados. Das fantasias de carnaval às fantasias sexuais oferecidas por crianças e adolescentes que habitam as comunidades marginais [na etimologia da palavra margem]. E neste sentido é interessante ressaltar que o Recife, e por extensão o recifense, ao passo que margeia segmentos populacionais também se torna marginal [no sentido restrito a desvio de caráter moral e de ilegalidade] por negar igualdade de direitos e condições para o desenvolvimento saudável.

A omissão e a desorganização parecem ter se tornado nossas principais características. Vivemos numa cidade onde o comércio formal e os comércios informais travam verdadeiras batalhas diárias e adotam as mais esquisitas, e porque não dizer escabrosas estratégias para conquistar clientes. E falo da informalidade no plural para salientar a variedade na clandestinidade consolidada, que abrange inclusive as grandes e poderosas redes do tráfico, sejam de drogas, armas ou seres humanos. É o estabelecimento da “Lei do Autorizo”, ou lei do direito adquirido que se dá pela omissão. E neste vale tudo, tem-se sempre a impressão de que tudo cabe e tudo parece permitido. Assim, enquanto bicicletas adaptadas com potentes equipamentos de som anunciam as ultimas promoções, lojistas se valem de amplificadores e megafones para gritar a “queima de estoque”. O ruído ensurdecedor toma conta da cidade provocando incômodo e muito estresse. Quem mora em Recife não tem descanso. Definitivamente podemos afirmar que vivemos em uma cidade histérica, caótica e sem governo, onde se grita muito, se corre muito e se atropela demais. No meio disso tudo se constata ainda a existência de uma verdadeira máfia formada pelo comercio pirata que se alastra e se consolida entre ruas, avenidas e vielas. A ebulição de pessoas diante de praticáveis e carroças ambulantes revela a força do mercado informal. “Tudo pela metade do preço”, informam os comerciantes. Grandes estopas ou lonas plásticas são estendidas pelo chão e servem como mostruário aos artigos oferecidos. A luminosidade do sol refletida em CDs, DVDs, panelas de alumínio e produtos plásticos encadeiam e embaçam a visão. Empurrões e trombadas constantes provocam contusões e até ferimentos mais graves. Em dias de chuva a coisa tende a piorar mas ninguém parece se importar ou se incomodar com tamanho tumultuo. Recife tem assim se transformado em uma terra sem lei onde vale a máxima do “cada um por si e Deus por todos”.

Somos comerciários e comerciantes de origem. Vivemos e gostamos da “feira”. Incorporamos a prática da xepa diária. Praticamos o escambo e comercializamos todo tipo de artefatos. Negociamos honras, ideologias políticas, votos, vagas em filas, empregos e vidas. Vendemos carnes - animal e humana, não só em espaços ditos de entretenimento, mas também nas ruas. Os comércios desorganizados a cada dia congestionam mais as vias públicas espalhando uma quantidade imensa de lixo que se aglomera e entope as canaletas. O clima tropical parece atiçar os ânimos e assim, homens e bichos se misturam numa competição frenética por espaço, que não termina com o por do sol. Ratos que mais parecem gatos sorrateiros correm apressados entre os entulhos e famílias desassistidas. Em dia de movimento a cena é realmente dantesca, digna dos grandes clássicos de terror ou suspense. Nessa muvuca toda não seria de admirar que a quantidade de garrafas pet jogadas pelas ruas facilitasse nosso trabalho. Em uma pequena caminhada, com média de meia hora, por exemplo, é possível coletar até 150 tampinhas. E essa nos tem sido na realidade uma atividade quase que diária. E falo no plural porque a ação é conjunta e envolve outros profissionais vinculados ao projeto. Numa soma matemática despretensiosa podemos imaginar, que se a cada meia hora 150 tampinhas são recolhidas em apenas uma rua, durante um dia poderíamos chegar a 7.200 unidades. Se multiplicarmos o total diário por trinta dias chegaríamos a um quantitativo aproximado de 216.000 tampinhas, apenas nas principais ruas da cidade, o que em um ano assumiria a proporção de 26.280,00 garrafas descartadas de forma irresponsável.

GRANDE MOSAICO COM TAMPINHAS PET
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS

Neste ponto, saliento que é impressionante perceber como determinadas coisas ou fatos tornam-se invisíveis aos olhos quando nosso foco é outro. Não posso negar que já havia despertado para tal problema, porém quando nos tornamos envolvidos diretamente o mesmo assume proporções estarrecedoras. Mas esse exercício tem me servido de base para várias reflexões, principalmente sobre os impactos ambientais sobre a cidade, e consequentemente, sobre a qualidade de vida dos seus habitantes. De certa forma, até já desenvolvi uma base hipotética que norteia a lógica da minha teoria da Invasão PET: “por mais absurdo que pareça para cada garrafa jogada nas ruas existirá inevitavelmente uma tampa”. Em outras palavras quero dizer que ao se encontrar uma garrafa pet, logo em seguida será possível se deparar com uma tampinha colorida equivalente. Como a prática traz a perfeição, até já conseguimos identificar a cor da tampa pelo tipo de produto estampado nas embalagens: vermelhas para coca-cola; azul, branca ou amarela para água mineral; verde, laranja e roxa para águas com sabor, etc.

Variadas em cores e formas essas peças podem ser encontradas nas próprias garrafas ou abandonadas pelas ruas. A sequencia é simples e reveladora da conduta comportamental. Ou se joga a tampa primeiro, e depois a garrafa, ou vice-versa; ou joga-se ambas de uma única vez. O fato alarmante é que a nossa coleta tem revelado que nunca se deixa de jogá-las pelas ruas. Neste mau hábito coletivo, muitas até são frequentemente atropelas pelos veículos e se tornam inutilizáveis. Tem também as desafortunadas que rolam até os bueiros e se perdem para sempre nos esgotos poluídos. Outras, com o tempo vão sendo fincadas na terra como sementes que não vingarão nunca [o que de certa forma é positivo porque não se reproduzirão]. Independente de seus destinos, todas são tampas plásticas que poluem o ambiente e passarão séculos para se decompor. Numa visão mais pessimista poderíamos prever que daqui a algumas décadas não precisaremos mais do asfalto, pois que as nossas ruas já estarão cobertas por um enorme tapete impermeável. A situação em si, não parece alarmante ao recifense, e talvez até contribua para melhorar a imagem da cidade. Teremos então ruas extremamente coloridas. E quem sabe assim, os profissionais de marketing e publicidade possam descobrir que as ruas também podem se transformar em excelentes espaços de propaganda e divulgação. Nessa lógica, se as ruas são de responsabilidade administrativa do governo, vislumbrar-se-ia maior recolhimento de impostos. Quem sabe esse não se torna um bom projeto para a atual prefeitura? Imaginemos, por exemplo, como seria encantador residir em uma avenida refrigerante; ou mesmo morar em um velho e histórico sobrado instalado em uma ruela asfaltada com tampas de suco de laranja. Neste caso, as grandes organizações fariam o papel do governo e assim a atual gestão poderia até redirecionar os nossos recursos públicos para outros fins [de interesse coletivo, claro].

Confesso que a experiência de coletar tampinhas pelas ruas da cidade tem me revelado, e até propiciado situações bem engraçadas. Certo dia caminhando pela Rua José de Alencar, repleta de bares, fiteiros e ambulantes [verdadeiro paraíso para catadores de tampinhas], uma senhora mostrou-se incomodada com minha presença. Fato é que sem perceber, parecia seguir seus passos. Na verdade a mesma caminhava a beira das calçadas, e eu atrás, coletava as tais tampinhas jogadas nas canaletas. Em certo momento acho que apressei o passo, com a visão focada em duas tampinhas azuis livremente abandonadas próximas a uma banca de revista. A senhora assustada iniciou uma corrida desenfreada, com certeza temendo um assalto [o que não é incomum em Recife]. Em outra situação, estava em uma esteira de ginástica da academia que frequento. Na máquina ao lado havia uma garrafa quase vazia ainda com a tampa. Não iria conseguir passar despercebido, por isso, de forma automática afanei meu objeto de desejo. Um senhor que estava próximo reclamou a posse. Mas era tarde demais para ele, afinal eu havia sido bem mais ágil no ato de coleta. Essas e outras situações se somam as ações em restaurantes e lanchonetes comumente realizadas por mim e um companheiro de aventuras. Aos nossos olhos, tais tampinhas parecem verdadeiras pedras preciosas. São como rubis, esmeraldas, safiras e brilhantes que chamam nossa atenção e provocam certa ansiedade pelo desejo de aquisição. Quantas vezes nos prometemos que não coletaríamos naquele dia e minutos depois nos pegávamos agachados pelas ruas? Até competição já fizemos para ver quem coleta mais.

Talvez até possamos classificar nossos atos como nova modalidade de algum transtorno compulsivo. Isso porque com o passar do tempo a coisa parece se tornar um vício. Em alguns momentos até se faz necessário um esforço maior no sentido de resistir ao hábito recém adquirido. E neste caso específico, a melhor solução para controlar a ansiedade e os impulsos involuntários é evitar pegar a primeira tampinha. Num futuro próximo acho até que precisaremos dos grupos de apoio, seguindo a mesma lógica do “evite o primeiro gole”. Neste sentido, apesar de antiga a tática parece funcionar também conosco. Outro fato que merece destaque, ou tratamento refere-se ao fortalecimento de nossa auto-estima, diretamente atingida pelo olhar do outro. Neste aspecto torna-se interessante avaliar o impacto, ou impressão causada pelo nosso pequeno movimento sobre as pessoas. Do espanto a admiração, as expressões variam de acordo com as situações. Em algumas dessas, percebemos que as pessoas passam a nos observar de forma estranha. Como se fossemos malucos. A perplexidade estampada em muitos dos rostos curiosos evidenciam uma pergunta, ou indagação, muitas vezes silenciada pelas circunstancias morais: porque pessoas normais estariam se passando para coletar tampinhas de garrafas espalhadas pelas sujas e esburacadas ruas do Recife? Acho que algumas pensam se tratar de caridade ou algo no caminho do assistencialismo. Outras, talvez nos vejam como ambientalistas sonhadores e utópicos que pensam em salvar o planeta. Mas, a maioria com certeza tenderá sempre a nos rotular como doidos varridos. E talvez até sejamos.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARTICIPAM DO
PROJETO CRIANÇA ESPERTA - PETROBRAS

Contudo, nossa causa tem um objetivo bem concreto: contribuir para construção do “circulo da amizade”, atividade lúdica e pedagógica desenvolvida junto a crianças e adolescentes de uma comunidade esquecida pelas políticas públicas. Na verdade o intento é montar um grande e colorido mosaico, com figuras formadas a base de tampinhas de garrafas pet, que expressam os mais puros sonhos e desejos de crianças e adolescentes comuns, que se diferenciam apenas pela falta de acesso aos serviços públicos de qualidade. Assim, não coletamos apenas tampinhas descartadas de forma irresponsável, mas contribuímos para a construção de sonhos, fundamental para o desenvolvimento saudável de qualquer ser humano. Não pregamos falso ambientalismo, apenas encontramos na reciclagem uma forma viável para ensinar através da educação possibilidades de transformações pessoais e sociais. Também não praticamos assistencialismos, mas apenas buscamos através da coerência pedagógica favorecer a inclusão social. E isso sim é transformador por viabilizar sonhos. Sonhos de adultos que acreditam na assistência social como alternativa concreta para diminuir [ou pelo menos minimizar] desigualdades sociais em um país tão rico em ideologias e tão pobre em educação e coerência cidadã.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

INVASÃO OU INVERSÃO DE VALORES MORAIS E POLÍTICOS





A INVASÃO DO PET VERSUS A INVERSÃO DO PETI.


A cada novo dia me convenço mais que estamos envoltos em uma revolução que poderíamos classificar como sócio-ambiental. Refiro-me diretamente a Invasão Pet. E antes que se apontem duvidas sobre um horizonte por demais nebuloso, esclareço que o PET a que me refiro nada tem haver com o PETI. E só para evitar confusões, é bom lembrar que o Peti [com I] – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um programa do Governo Federal que possibilita a articulação de um conjunto de ações, que tem como objetivo retirar crianças e adolescentes das práticas do trabalho infantil. Nessa lógica reafirma-se o velho jargão de que “Lugar de Criança é na Escola”. Mesmo que estas não funcionem ou não contribuam efetivamente para o desenvolvimento cognitivo e/ou moral das crianças e adolescentes, como se verifica em muitas comunidades isoladas nos confins de muitos municípios pernambucanos. E não pensem que me refiro aos distanciados geograficamente da capital, pois que esta é uma realidade bem próxima e atinge também a grande área metropolitana. A isso se chama Inversão do Peti.

Já o Pet [sem I] a que aqui me refiro, trata-se do Politereftalto de Etileno, que é um polímero termoplástico formado pela reação entre o ácido tereftálico e o etileno glicol [se algum químico de plantão souber explicar melhor, agradecemos], principalmente utilizado na forma de fibras para tecelagem e na forma de embalagens plásticas para bebidas. Logo esse Pet é mais conhecido, afinal de contas quem não toma refrigerantes e sucos em garrafas plásticas? E o pior, quem nunca jogou uma garrafa dessas no meio da rua? A isso podemos chamar de Invasão do Pet. E este, assim como o Peti, também se mostra mau administrado pela maioria dos municípios, não só de nosso Estado, mas creio que de forma generalizada por todo o país.

A diferença entre ambos é bem simples: o primeiro é classificado e deve ser entendido enquanto “programa”; já o segundo, classificado e entendido enquanto “produto”. Logicamente devemos considerar que todo programa tem como objetivo um produto final de qualidade; ao passo que, todo produto tem como premissa básica a qualidade de um programa operacional. Mas independentemente de suas classificações, ambos - programa e produto dependem da qualidade gerencial. Assim, podemos dizer da existência de um verdadeiro antagonismo praticado pela gestão pública no que se refere ao gerenciamento dos dois. Pois que, se o Peti trabalha na perspectiva da prevenção enquanto estratégia de proteção contra as situações de vulnerabilidades e riscos sociais a que milhares de crianças e adolescentes brasileiras estão expostas; o Pet, por sua vez, representa uma ameaça não só a essas, mas a toda humanidade.

Digo então, que entender sobre Peti e de Pet é mais que uma decisão voluntária, mas uma consciente obrigação por parte de todos os cidadãos brasileiros. O gerenciamento de ambos é uma responsabilidade direta da gestão pública. Quanto a isso não há dúvidas. Mas o seu monitoramento e controle pertence e cabe à sociedade civil como um todo. Neste caso, o antagonismo também se estende ao povo, ou melhor, as populações em geral. Se por uma lado o Peti gera renda, que logicamente movimenta o mercado; por outro, o Pet tem gerado altos custos devido aos impactos ambientais, pelos quais todos nós pagamos. Logo, os elevados custos diminuem os lucros, o que enfraquece o mercado. Sem mercado não existe geração de renda, o que inviabiliza o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. E assim sucessivamente.

O positivo da questão é que Peti e Pet mostram-se como grandes problemas administráveis. Mas para isso não basta boa vontade, mas educação. Principalmente educação de base, e consequentemente, educação política [o que logicamente difere da educação de base politiqueira]. Seguindo esse raciocínio, Peti, Pet e Educação estão diretamente relacionados. De forma mais simples e direta, a equação Peti/Educação/Pet respalda-se na possibilidade do Peti garantir educação de base também para o uso e controle do Pet por parte de crianças e adolescentes. E isso se faz na escola. Logo, vale a velha máxima de que o lugar de Pet é o mesmo da criança, ou seja, na sala de aula. O produto Pet se torna então instrumento de base para um programa de transformação social que se dará através da educação ambiental. E isso se faz através da consciência ecológica.

Amplamente sabe-se que criança bem educada contribui para a transformação familiar. Famílias bem informadas, não só sobre direitos, mas também sobre responsabilidades contribuem para a transformação social. Numa lógica seqüencial entenderemos que Educação de base transforma o indivíduo, que por sua vez transformará a família e consequentemente a sociedade. Se a sociedade transforma o Estado, sempre valerá a máxima de que só a educação será capaz de transformar o mundo. E isso é matemático, ou seja, é preciso [tanto no sentido de exatidão, quanto no sentido de necessidade].

Se o raciocínio lógico é fundamental ao desenvolvimento adequando dos indivíduos, também se mostra fundamental ao desenvolvimento do país. E isso se dá através do acesso ao ensino de qualidade. Que também será garantido a milhares de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidades e riscos sociais através do Peti. Mas este, especificamente, só funcionará e atingirá seus objetivos [que devem ser nossos enquanto cidadãos] se houver uma gestão política pautada na educação moral [o que infelizmente parece está em falta no mercado]. Será que a gente consegue? Melhor então deixar como reflexão.