quinta-feira, 15 de maio de 2014

A UTÓPICA SENSAÇÃO DE SEGURANÇA

15 DE MAIO DE 2014: O DIA EM QUE O RECIFE SE TRANCOU COM MEDO!

O Recife amanheceu diferente nesta quinta-feira! Como se a cidade não tivesse acordado, ou não quisesse levantar. O tempo parecia nublado, como anunciando algum pressagio, algo ruim, que não se sabia o que. A cidade parecia acuada e indefesa. A sensação de medo se estampava nos rostos dos que caminhavam intranquilos. Um cochicho, um lamento, um zumbido indecifrável. Um zum-zum-zum medonho. Pequenos grupos apreensivos buscavam noticias. Os boatos se espalhavam. Nunca vi recifense tão inquieto. Era a cara do medo.

As nove e trinta, tento voltar prá casa. Os alunos correram das faculdades, o comercio fechou, a praia esvaziou abaixo do sol quente. O transito na Beira Mar congestiona novamente, mas dessa vez é diferente. Há certa apreensão no ar. Alarmes sobre falsos arrastões se espalham e tiram o sossego. Motoristas buzinam o pânico que ameaça se tornar coletivo. O que fazer em uma situação de emergência? E se houver perseguição, bala perdida? Onde está a segurança prometida? A tranqüilidade vendida nos comerciais de governo? Quem mal cuida de um Estado, não consegue cuidar do Brasil!

Às onze horas alcanço a Boa Vista. As lojas mantêm as portas semi-abertas.  Muitas estão fechadas, repletas de funcionários acuados. Até o comercio ambulante desapareceu. Poucas pessoas transitam nas ruas, o que poderia ser sinal de paz. Mas ao contrário, os olhos se espicham ao longe, como se algo fosse esperado. Existe apreensão e angustia. As pessoas se olham desconfiadas, como se com medo da própria sombra. Um ruído maior e se acelera o passo. A sensação que tenho é que se alguém peidar mais alto o povo corre. Pequenos grupos comentam os saques na cidade vizinha e temem pelo improvável. Recife é rodeada por favelas. Corre o risco de ser invadida, depredada por vândalos. Não seria a primeira vez. Olho para o contingente de câmeras de monitoramento e penso na falsa segurança vendida nos discursos políticos. Quem não consegue garantir a ordem de uma cidade, não pode ser prepotente em achar que o fará no país.

Uma hora da tarde e a Conde da Boa Vista é tomada por motos, que gritam no asfalto. Centenas de homens e mulheres levantam as mãos em protesto aos baixos salários e as insatisfatórias condições de trabalho. São policiais exigindo segurança, reconhecimento, dignidade e respeito. A tensão toma conta da cidade e as pessoas correm para casa. O exercito desfila interditando passagens. A polícia bloqueia, agora é bloqueada nas ruas do Recife. O que esperar da falta de dialogo sempre marcou o governo? Quem não consegue se comunicar com seus conterrâneos, não saberá dialogar com a diversidade ideológica nacional.

Dezessete horas e os prédios se mostram repletos. Não é a primeira vez que o recifense se tranca acuado em casa. As grades estão em suas portas e janelas, mas a violência galopa nas ruas e avenidas estreitas e esburacadas, nos sinais fechados, nas esquinas e becos mal iluminados, coisas que não se monitora. A cidade é rodeada de desigualdades e em casos de rebeldias não se tem como fugir. Não há onde ou como se proteger. Assim, se fica a mercês da sorte ou se reza pra santo, porque proteção aqui, só divina. Não vem como deveria, como resultados dos altos impostos que pagamos. O recifense vive a utopia de um pacto pela vida que não se concretiza, insuficiente em divisão de renda, em educação e saúde de qualidade, redutores de violência. Mas, quem só conhece e se guia pela repressão e opressão, não contribuirá para a redemocratização de um país.

Dois dias de greve da polícia e bombeiros é mais que suficiente para fazer Pernambuco tremer, pois que nossa segurança é insólita e não real. Rotinas alteradas, economia comprometida, saques, assaltos, tumulto e tiroteio. Confusão, apreensão e medo são reflexos da fragilidade de algo que não se efetiva, a não ser na produção de números estatísticos que não revelam a realidade vivida e sentida. Estamos entre as dezesseis cidades mais violentas do Brasil, e entre as cinquenta mais violentas do mundo. Temos um dos maiores contingentes de população carcerária e presídios frágeis e insipientes, que em nada favorecem a [re]socialização. Temos câmeras nas ruas, grades em portas e janelas, mas não temos um dos fundamentais direitos constitucionais, o de ir e vir, livres e sem medo.


Por isso, chega de indigestão. De indigesta gestão. Tapioca com Açaí não combina, não rima, não afina, e muito menos alimenta uma nação de famintos por direitos como o Brasil!