quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ANDREA PEIXERADA - UMA PROSTITUTA DE VISÃO


“Onde tem buceta, cu perde!” me disse, certa vez, Andrea Peixerada, travesti recém operada que se prostitui em Recife. Tal afirmativa surgiu durante uma entrevista sobre os valores negociados no universo da prostituição masculina, objeto de minha pesquisa de mestrado. “Quem gosta de rola é frango, mulher gosta de dinheiro!” completou, sentenciando sua visão sobre as leis do mercado do sexo, sobre o qual me debruço no doutorado. Segundo sua concepção a mulher que exerce a prostituição não se guia pela lei do bem dotado, isso fica para os homossexuais que valorizam e/ou idealizam o falo. Um pênis é sempre um pênis, o importante neste tipo de mercado é a negociação financeira. Relembrei de nossa conversa ao ler o resultado do Leilão de Catarina, ou melhor, o leilão da virgindade da brasileira de 22 anos, Catarina Migliorini. O lance final foi dado pelo japonês identificado como Natsu, e alcançou o patamar de R$ 1,58 milhão. Do fato, duas constatações: 1) não atingimos o recorde mundial [ver publicação anterior]; e, 2) o mercado sexual tem fôlego para movimentar cifras estratosféricas.

Adoraria reencontrar Andrea e elogiar sua perspicácia e visão de negócio. É que paralelo ao leilão da brasileira, também foi colocado a venda a primeira vez do jovem russo Alexander Stepanov, adquirida por míseros R$ 6 mil. A oferta foi de um brasileiro que se apresentou como Nene B. Confirma-se então a máxima “Peixeriana”, onde uma vargina virgem vale muito mais que um pênis ou anus em igual estado de conservação. Se a nossa brasileirinha não nos orgulhou com a consolidação do produto nacional no mercado de ponta, pelo menos alçou o Brasil ao status de país competitivo. A virgindade brasileira nunca foi tão valorizada monetariamente. Afinal de contas, ela conseguiu manter-se entre as três mulheres mais caras do mundo, o que equivaleria a uma medalha de bronze numa espécie de olimpíada sexual. Por outro lado, nosso macho brasileiro se impôs e conseguiu a façanha de oferecer o maior michê que já ouvi falar no universo da prostituição masculina. Quanto vale a virilidade de homem?

Desculpem se me equivoco ao pensar que falamos sobre prostituição, afinal a façanha foi promovida pelo site Virgins Wanted, de uma empresa de entretenimentos. O curioso é que “Wanted” é uma variação ou derivação de “Wantid”, adjetivo que serve de referência ao indivíduo procurado pela polícia. Assim, no meu parco inglês, acredito que o trocadilho sirva como brincadeira para alguma espécie de “procurando virgens”, ou coisa do gênero, base ou mote do programa televisivo a ser transmito ao vivo pelos canais por assinatura. Finalmente o mercado do sexo chega para alavancar pontos do ibope. Sexo e dinheiro sempre despertaram atenção e fascínio, logo, o programa tem tudo para dar certo e virar mania, também entre os brasileiros. Ou alguém assiste ao Big Brother Brasil esperando ver apenas intrigas? Não se enganem. Em pouco tempo a iniciativa da jovem catarinense se apresentará como interessante alternativa as e aos nossos jovens empreendedores/as, estimulados pela busca de “oportunidades”.

No tempo de crescimento da economia tudo vira consumo, inclusive os corpos. Ontem, por exemplo, o programa “Profissão Reporte”, da Rede Globo, tratou da vida das mulheres brasileiras que deixam o país para exercer a prostituição no exterior. Uma das entrevistadas chamou a atenção por evidenciar as práticas sexuais comerciais enquanto atividade remunerada viável e livre de qualquer criminalização. “Este corpo é meu!”, disse ela. O corpo comercializado também se torna instrumento de trabalho, como em qualquer outra atividade profissional. O que se diferencia é a área ou região do corpo. Vendemos nossos olhos, nossos braços, nossa inteligência, nossa beleza, em atividades reconhecidas e aceitas socialmente como profissões honrosas. Vendemos nossa produção através da nossa força de trabalho. Será realmente tão diferente se vendermos sexo? Particularmente acredito que não. Desde que, logicamente, as práticas sexuais comerciais se dêem de forma autorizada, através de pessoas conscientes, tanto por parte de quem vende, como de quem compra prazer sexual. Uma coisa é exercer a prostituição de livre e espontânea vontade, ou pelo menos consciente de suas implicações; outra coisa é ser colocado/a em situações de prostituição, e/ou, exploração sexual. Isso sim, se configura como crime, como qualquer outra forma de exploração da força de trabalho humana.

A diferença entre Catarina e as prostitutas profissionais, talvez seja a percepção ou entendimento sobre as formas de exploração sexual, as quais muitas vezes, estão, ou estarão expostas. A questão em pauta aqui não é a comercialização do corpo, mas o agenciamento que se traduz em cafetinagem, mesmo sendo ela adulta e responsável por suas ações. Traduzindo: se Catarina ganha mais de um milhão com a comercialização de sua virgindade, ótimo, mas quanto ganha à rede de exploração [ou produção] por atrás dela? Pela estratégia do entretenimento o crime de transgressão ganha à autorização e a legitimidade popular. No campo das contradições humanas a prostituição mantém-se e é mantida como objeto da diversão. No caso da Catarina, não é só o japonês quem paga, mas todos que ligam seus aparelhos para se divertir à custa da força de trabalho alheio. Mas a mesma atividade comercial que diverte, envergonha, e por isso é mantida na marginalidade. Como disse a entrevistada do programa: “ninguém quer ter uma filha prostituta. Ninguém quer ter uma mãe ou esposa prostituta...” mesmo que se usufrua direta ou indiretamente de seus ganhos.

A grande questão, ou contradição, é que moral será sempre social. Mas esquecemos que para a manutenção do jogo da hipocrisia alguém sempre assumirá o “trabalho sujo”. Neste sentido, é a “sujeira” do outro que me purifica. Como bem disse Andrea Peixerada, “a hipocrisia social mantém o mercado do sexo vivo”. E este sempre alimentará os mais secretos, obscuros e inconfessáveis desejos, fantasias e taras, inerentes e comuns a sexualidade humana. Assim, quanto vale o SEU desejo?

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