segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


QUE VENHA 2014!

Falta apenas dois dias para o fim de 2013, o ano que entrou para a história como marco da nova revolução popular [?]. Após décadas de inercia gritamos nas ruas nossa insatisfação e descrédito nos partidos [e] políticos que não mais nos representam, mas não perdemos a crença na ideologia. “O Gigante Acordou!” como tão bem alardeou a imprensa e temeram os corruptos. Sem dúvida alguma, as manifestações de ruas figuraram como as principais imagens de um ano em que o processo de mudança foi traçado pelo próprio povo, que por fim parece ter descoberto a verdadeira função e força das redes sociais. As máscaras tornaram-se o grande símbolo das lutas, que proibidas forçaram o urgente debate sobre o que é verdadeiramente democracia. Contraditoriamente as máscaras também caíram. Em Pernambuco, por exemplo, o ditador se revelou publicamente preconceituoso, machista, conservador e tirano, revelando mais uma vez o despreparo e descompromisso da maioria dos altos servidores públicos diante dos anseios populares. Em uma terra onde os cargos governamentais são distribuídos em nome de velhas amizades e conchavos políticos, o ano que se aproxima será com toda certeza bem melhor e justo sem os Damásios da vida.

Mas 2013, também entrou para a história como ano do fim do Mensalão [?]. Resta apenas o desfecho do Mensalinho do metrô de São Paulo e Brasília; o rombo da prefeitura de São Paulo, promovido pelos auditores fiscais; as irregularidades no financiamento da campanha eleitoral que envolve a governadora do Rio Grande do Norte, que já voltou ao cargo; e especificamente em Pernambuco, os desvios de verbas públicas promovidos pelos vereadores de Caruarú, que já estão quase todos em casa para curtir com a família as festas do final de ano; e, o escândalo vergonhoso com o dinheiro da verba da merenda escolar das escolas públicas. Coisa pouca, com as quais já estamos mais que acostumados. O que importa mesmo é saber [e quem sabe, acreditar] que a política de agora em diante se fará mais transparente sem os tantos José Dirceus, José Jenuinos, Delubios Soares, Pedro Correas, Roberto Jerfessons e tantos outros salafrários corruptos que envergonharam a nação. Só lastimo realmente, neste caso especificamente, a inexistência da pena de morte no Brasil, uma vez que ainda continuarão onerando os cofres públicos com os luxos e regalias dispensados a presos tão ilustres. Aliás, as vantagens sobre os recursos legais e direitos destes cidadãos, que tanto fizeram pelo Brasil, só revelam a legitimidade e imparcialidade da justiça brasileira. O consolo é saber, que todo país tem a justiça que merece, ou pelo menos, a que aprendeu a entender como tal. Quem sabe a gente não vota no Joaquim Barbosa para presidente da república?

Ainda no campo das conquistas, não podemos esquecer que detonamos a seleção campeã da Espanha e garantimos a taça da Copa das Confederações. Somos os favoritos para a Copa de 2014, e logicamente a grande festa e os lucros envolvidos se tornaram muito mais valiosos do que as insignificantes mortes dos quatro últimos operários que construíam as pressas as Super-Arenas, as quais os pobres não terão acesso. Mas também, o que pesariam quatro mortes, ou ainda, o sofrimento de suas famílias, comparadas ao desejo de milhões de torcedores ávidos e ansiosos por revelarem seu orgulho em ser brasileiro? Não! Não sejamos pessimistas ou estraga prazeres. Somos o melhor e temos os jogadores mais caros do mundo. E se no país os professores não são remunerados adequadamente, ou apanham das polícias nas ruas quando protestam por melhores condições de trabalho, é porque optaram por perder tempo estudando e se especializando. Família de sucesso é a que tem jogador ou pagodeiro em casa. Mas, estes são pequenos detalhes e não vêm ao caso agora. O importante mesmo é se preparar para 2014, pensando grande. Afinal de contas, sediar uma Copa do Mundo é uma excelente “oportunidade” para o país mostrar a todos seu poder e crescimento econômico. E que não me venham os pessimistas dizerem que faremos vergonha. Claro que não! Não se pode esquecer que temos experiência com os grandes eventos e ações de impactos que tanto nos projetam no cenário internacional. Somos campeões em violência; temos a policia mais despreparada e perigosa do mundo; somos um dos países que mais matam mulheres, homossexuais, adolescentes e crianças; temos um enorme contingente de pessoas em situação de rua e sem nenhuma cobertura por parte das politicas públicas; um dos países com o maior número de presos em condições indignas e sem a mínima condição de ressocialização; temos grandes chacinas e o PCC controlando o tráfico de drogas; a seca do Nordeste; uma das maiores corrupções do planeta; e, não esquecendo, pagamos os mais altos impostos, o que nos tem garantido saúde, educação e qualidade de vida de primeiro mundo. Estamos bem na fita e na FIFA! Agora é só correr para o gol. E que venha a taça! Até porque, sendo de ouro a gente derrete novamente.

Precisamos acreditar. Nosso maior trunfo é que somos anfitriões por natureza. Adoramos reconhecer os méritos e os verdadeiros talentos que tanto nos inspiram. O melhor exemplo é a vontade dos cariocas em homenagear o maior ladrão de todos os tempos, o falecido inglês Ronald Bigs que ficou famoso por assaltar o tem pagador, rebatizando com seu nome a rua onde morou por décadas livremente e impune no Brasil. Mas não se desesperem porque com o mesmo grau de importância e coerência, também homenagearemos o grande Nelson Mandela em vários monumentos pelo país a fora. E nesse campo das homenagens devidas, acho até que no próximo ano, se tudo der certo, iremos criar praças com o nome do Neimar, ou quem sabe encher nossos parques com o busto do Ronaldinho Fenômeno, personalidades ilustres do esporte brasileiro. Já no campo da cultura, não podemos esquecer, logicamente, do “show das poderosas” que tanto nos orgulharam e nos encheram de satisfação pela projeção internacional. Se houvesse uma premiação de honra para os artistas que mais contribuíram para consolidar nossa imagem no mundo, sem dúvida alguma, Anita seria a grande revelação do ano. E pensar que ela recebe R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a cada hora e meia de muito trabalho. Considerando sua agenda, com uma média de 12 (doze) shows por mês, fica fácil imaginar como os brasileiros gostam de criar seus novos milionários relâmpagos. E olha que tem muita gente boa num páreo, onde Paula Fernandes e Claudia Leite dão de pau na magnânima Ivete Sangalo. Pena que nem só das excelentes divas, viva a MPB. Para nossa desgraça temos ainda o Luan Santana, com sua velhinha tétrica e gagá com quem pretende namorar no sofá; e, o Gustavo Lima, que com suas calças extremamente acochadas parece sofrer de paralisia infantil. Diante dos tantos megassucessos efêmeros e vazios de conteúdo que fizeram a cara de 2013 no campo da cultura, torna-se inquestionável o crescimento e qualidade da nossa música popular. Com melodias repletas de poesia, que nada deixam a desejar em relação aos velhos cancioneiros, as letras tornaram-se verdadeiras pérolas, a ponto de deixar qualquer plateia totalmente “Piradinha” de tanta indignação. Agora, para fechar mesmo o ano com “chave de ouro” não podia deixar de registrar o magnifico dueto [ou seria duelo?] da Simone com o Luan Santana, cantando “Então é natal”. E neste caso, o triste mesmo é constatar que “o ano termina e renasce outra vez” com a mesma pobreza de conteúdo.

Que venha 2014, porque de merda, corrupção, falcatruas e alienação popular, particularmente, já estou cheio!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TRANSPORTE COLETIVO: UMA EXPERIÊNCIA DOS INFERNOS!


UMA VIAGEM MAIS QUE ALUCINANTE.

Depois de quase dez anos sem pegar um ônibus, resolvo me arriscar a enfrentar a dura realidade de milhões de cidadãos. São exatamente 12:20 e saio para a rua com um destino definido: o campus da Universidade Federal, na Cidade Universitária, cerca de vinte minutos do centro do Recife. Na Avenida Conde da Boa Vista, dou inicio ao que classificaria como uma experiência dos infernos. Nos abrigos de ônibus, que já não abrigam mais ninguém de tão mal conservados, procuro pela sinalização das linhas. Mas, logicamente é impossível identificar algo que não existe. Um amontoado de carroças, caixas de isopor, muito lixo e toda parafernália necessária ao comercio ambulante invade os bancos e as áreas de circulação. “– Olha a pipoca!”. Grita um. “– Coca-cola e água mineral!”. Berram vários ao mesmo tempo. Pessoas amontoadas se espicham além do meio fio tentando visualizar os destinos dos ônibus que parecem desenfreados. A bagunça é geral. Carros, motos, bicicletas e transeuntes competem pelo espaço com animais, crianças e adolescentes embriagados de cola e crack. O sol escaldante se junta aos carburadores para elevar a temperatura já insuportável. Primeira frustração: estava no lugar errado. Moral da história: é preciso apelar aos camelôs para descobrir a parada certa, pois nem os guardas municipais estão devidamente preparados para orientar os cidadãos que pagam devidamente seus altos impostos.
As 12:30, sigo em direção a parada, que imagino correta. Ledo engano. Nesta, uma sinalização já desgastada sobre uma placa metálica amassada desorienta mais que informa. Sigo para a próxima. Está também lotada de camelôs gritando e comercializando uma variedade enorme de produtos. Alguns colchões velhos e papelões servem de locais para o descanso necessário. “– Olha que o calor está aumentando”. “- Vai uma Coca-Cola aí?”. Galhofa o comerciante que se mostra o dono do abrigo. Para o conforto dos consumidores ele ainda oferece um banco de plástico, devidamente instalado na pouca sombra que resta. Em seu stand, batatas fritas, biscoitos, pizzas fatiadas, bolos, pipocas, guloseimas diversas e cervejas. Os berros estrondam os ouvidos já afetados pelos ruidosos ônibus velhos. O cansaço e o esgotamento estampado nos rostos revela uma apatia quase insuportável. Pessoas se abanam ou se sopram tentando amenizar o calor. Uma senhora idosa precisa pedir a um cliente do tal comerciante que lhe conceda o direito de esperar pelo transporte, devidamente sentada no banco do abrigo. Por pouco não lhe cobraram pelo incômodo e aborrecimento. Sinto o sol queimar meus pés e procuro por um pouco de sombra. Tento recuar, mas esbarro na carroça de madeira. Os ônibus espremidos na avenida realizam manobras mirabolantes, cantando pneus. A viatura da polícia passa apitando como se não soubesse fazer outra coisa, além de incomodar. Elas também voam pela avenida, dando a impressão que estão sempre em serviço, o que nem sempre é verdade. Mas a ação serve para abrir caminho em meio ao congestionamento numa via engasgada.

Olho para o relógio pela milésima vez e constato que estou há quase uma hora em uma parada de ônibus sem o mínimo conforto ou condição de dignidade. Três ônibus com destinos diferentes chegam ao mesmo tempo. O CDU-Várzea para a mais de vinte metros da parada. Já irritado, decido esperar sua vez. Doce ilusão. O veículo dá indícios de que vai partir sem mesmo ter chegado ao espaço correto. O tumultuo se inicia e várias pessoas, em sua maioria estudantes atrasados começam a correr ao mesmo tempo. Os esbarrões e empurrões são inevitáveis e favorecem aos roubos, não muito raros. De certo modo sou conduzido até o ônibus por uma multidão totalmente ensandecida. Uma mulher, atrás de mim, agradece a Deus e automaticamente penso: “Essa realmente merece ser pobre e sofredora!”. Vai se alienada assim longe de mim.
São 13:20 da tarde e meu humor já se extinguiu há muito tempo. Penso em desistir da aventura nada pitoresca e pegar o carro no estacionamento a menos de cem metros. Porém a multidão é mais rápida e sou enfiado para dentro da lata de sardinhas. Com esforço chego ao cobrador que me dirige um olhar nada animador. Nesse momento, agradeço e reconheço o valor do esforço investido em meus estudos. Se estivesse no lugar dele, com certeza minha cara estaria bem pior. Por falta de experiência ou costume pergunto-lhe educadamente o preço da passagem. “– São R$ 2,15. Está escrito lá na frente!”. Responde ele como se minha pergunta fosse absurda. Entrego-lhe uma nota e ele novamente indaga de forma impaciente. “– Não tem trocado não?”. “– se tivesse teria lhe dado!” respondo ao mesmo tempo em que tento ultrapassar uma catraca totalmente excludente. Só depois do solavanco ele me avisa que tem que esperar a liberação automática, sinalizada por uma luzinha verde no dispositivo. Ultrapasso a barreira e tento me acomodar em algum lugar. O ônibus está lotado e mais parece um caldeirão de bruxas. Se realmente existir inferno, quem depende do transporte coletivo deveria ter passagem direta para o paraíso. Puta que pariu! Não é possível que alguém mereça sofrer mais que aquilo. Consigo me espremer e alcançar o espaço reservado aos cadeirantes. Com muita sorte, encosto-me a uma barra metálica e tento me equilibrar para não cair durante as sucessivas embaladas.

Vinte minutos depois constato que ainda estamos na mesma Av. Conde da Boa Vista. Um acidente no cruzamento com a Rua da Soledade atrapalhava o já complicado tráfego. Há essa hora resolvo desistir da viagem e voltar para casa, o que seria fácil e totalmente viável se conseguisse me mover. Uma mulher bastante forte e larga se posiciona em minha frente. Os constantes solavancos ameaçam arremessar-lhe em minha direção. Penso que não tenho escapatória e temo em ser espremido contra a vidraça. Drasticamente já imagino os vidros me perfurando as costas. Amaldiçoou-me por estar sem plano de saúde e me aterrorizo em pensar em ter que enfrentar uma UPA da vida, ou melhor, da morte. Constato que não para de subir gente. Os pés começam a se encontrar e a mulher obesa parece que vai me beijar ao menor balanço. Meu campo de visão se divide entre seu rosto e seus peitos. Ao meu lado, ela decide enfiar o filho também fortinho, e com toda razão totalmente irritado. Para piorar a situação ele carrega um saco de pipocas e um pirulito que te tão lambido lhe escorria pelo pescoço. Em mais um movimento brusco sua mão pegajosa gruda sobre a minha. Delicadamente consigo me afastar um pouco, mas constato que meus dedos estão colados. O menino, apesar do sufoco implora por umas pastilhas, que a mãe se atreve a buscar dentro da bolsa. Tento fechar os olhos e rezo para que a viagem termine. Novo solavanco. A bolsa da mulher vai ao chão. Agora o menino melequento caminha em meio a minhas pernas buscando pelas balas de caramelo. Olho para os lados e vejo que estamos entrando na Avenida Caxangá.
A desgraceira tá pior do que na avenida anterior. Chega uma moça magrinha com um vestido drapeado (acho que assim que se fala). A estampa combina com a sombra melecada em suas pálpebras, que combina com o azul cintilante de suas unhas. Nessa altura não sabia mais o que era pior, a viagem ou a paisagem. De repente alguém reclama alto. Percebo então que a moça tinha duas unhas enormes em cada mão. Me pego imaginando para que serviriam aquelas garras pontiagudas, que deveriam medir uns dez centímetros cada. Sei que antigamente os cobradores de ônibus usavam uma unha grande para contar os passes. Mas ela não tinha cara de cobradora. Pensei então, no quanto difícil seria proteger tais preciosidades pegando ônibus todos os dias. Dirigir meu olhar para o interior do veiculo e só consegui ver cabeças pendentes, que mais pareciam o “João Bobo”, balançando ao sabor do vento. Em meio a tantos rostos cansados e vencidos pela fadiga, havia uma senhora com feições de índia, que se mantinha firme e forme. Só ela parecia não se entregar ao sono. Um senhor sentado mais a frente, roncava alucinadamente. Outros passageiros falavam alto ao celular provocando uma verdadeira baderna. Um casal ainda encontrava tempo e espaço para namorar. E tome beijos de língua, num verdadeiro lambe-lambe alucinante. De repente uma freada brusca jogou todo mundo para frente. Alguém buzinou alto do lado de fora. “- Tá carregando boi não, seu puto!”. “Veado!”. “Filho da Puta!”. Gritaram de algum canto que não vi. Aquele era o famoso freio de arrumação. Talvez fosse um freio desses que a prefeitura precisasse.

Minhas costas doíam e minhas pernas mais ainda. A cada capengada o menino melado se apoiava em mim. Olhei o relógio e constatei que já estava naquele inferno há quase duas horas. Eram 14:15 e o sol queimava feito fogo. A indignação me invadiu ao calcular que o tempo perdido era equivalente a uma viagem de Recife a João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Já estava atrasado para o evento e tinha saído com uma hora e meia de antecedência. Imaginei o sofrimento dos estudantes. Alguém consegue se concentrar em uma aula depois dessa maratona? Alguém consegue render no trabalho depois de passar diariamente por todo esse desrespeito e insulto ultrajante? Mais de duas horas para chegar a uma distancia que se poderia percorrer em menos de vinte minutos. Já pensaram no prejuízo econômico disto?
Eram exatamente 14:25 quando consegui me livrar daquele caldeirão do diabo. Não sabia mais se o que sentia era revolta ou cansaço. Estava um bagaço. Desorientado, suado, melado, empoeirado e me sentindo um lixo. Como apresentar um trabalho acadêmico naquela situação? Estava definitivamente indignado com tamanha falta de respeito. Um ano de nova gestão pública e tudo continua uma bosta! Cadê as mudanças prometidas em campanha? Cadê o grande gestor que sabia fazer tudo? No fundo, politica no Brasil é faz de conta. É trocar seis por meia dúzia. E viva a baderna! Viva a vida de médio burguês! Porque se depender de mim, o trânsito pode engarrafar de dar nó. Pode parar o país. Porque de ônibus novamente, mais nunca. Só se for castigo e praga do demônio. E isso quem merece são os políticos. Transporte coletivo no Brasil é sem dúvida alguma uma experiência dos infernos. Melhor voltar pras ruas! E urgentemente!