UMA CIDADE SEM GRAÇA!
E de repente a noite apagou a cidade. Prenuncio do fim dos
tempos, ou simples anuncio dos tempos ruins? O breu libertou o grito; o grito,
o horror. E este era de medo. Era quase meia noite e não havia lua, muito menos
estrelas para iluminar as trevas. Um Estado de inércia. Mas Recife, tudo logo
vira festa e histeria, por isso, janelas flamularam chamas opacas enquanto a
algazarra tomava conta das ruas. De longe pareciam pequenos balões quadrados
subindo aos céus. As silhuetas se tornaram negras. Talvez por isso digam que no
escuro todo gato é pardo. E Recife é uma terra de pardos, mistura dos negros,
brancos e índios. Essa mistura toda só podia dar nisso. Bando de gente nervosa
e passiva diante das calamidades. Diante da noite onde espectros sombrios
vagaram a ermo.
Nessas situações, a ameaça da morte sempre ronda os becos.
Era quase meia noite e não havia lua. Menos mal. Sinal de que o lobisomem não
correria avenidas. Mas quem precisa de terríveis personagens lendários se em
noites mal iluminadas homens se transformam em bichos? Nas noites de sustos
qualquer sombra se torna fantasmagórica. E nesta noite, elas dançaram nas
paredes altas assombrando prédios. No cruzamento o amarelo piscava fosco. Era
um sinal para ficar atento aos percalços de uma noite desprotegida. Deu uma
hora da madrugada e não havia viaturas. Nem suas sirenes se ouvia. Por isso se
acendiam velas. Línguas de fogo bailando ao vento. Seria poético se não fosse o
medo dos corpos encolhidos nas calçadas. Pessoas enroladas em jornais de
notícias obscuras. A noite estava cega em informações. Ninguém sabia de nada.
Ninguém via nada. Somente a espera se prolongava por horas a fio.
Havia um pavio que queimava no velho candeeiro. Isso me
lembrou o Sertão. Mas lá só se teme a fome. Aqui não, aqui tem o homem. Por isso,
o perigo não está na noite, mas nos vagantes gatunos. Seres noturnos que se
apossam dos corpos. Que tiram vidas e fogem das câmeras. E como tem câmeras nessa
cidade. O problema é que toda rua tem um ponto cego. E nestes a morte espreita
com a foice em riste. Melhor evitar os becos em noites sem estrelas. Se
aglomerar para contar faróis apressados. No Recife é assim, tudo vira festa e
risco ao mesmo tempo. Por isso as pessoas gritam. Por isso crianças choram.
Velhos lamentam, mulheres correm.
Quase duas da madruga. Só o prenuncio do caos. Era cada um
por si e Deus por todos, ou por ninguém. É assim quando a cidade não tem
governo. O Estado da calamidade autoriza a violência pública. Em noite sem lua tudo
vira festa e histeria. Até quem deve proteger se esconde. Melhor trancar as
portas, correr as chaves. Ficar a mercês de um estado de graças. Não, não vale
a pena depender de um Estado de graça, sem graça, perdido no breu escuro que,
muitas vezes, apaga vidas.
O medo da noite apagou o Recife. Prenuncio do fim dos tempos,
ou anuncio de tempos ruins? Quantas noites faltam até janeiro? Quem conta ânsia
por mudanças. E em Recife mudança é coisa urgente. Porque quando tem apagão, o
breu liberta o grito; o grito, o horror. Foram mais de quatro horas nas trevas.
Amanheceu o dia e não havia lua, muito menos estrelas. Não havia nada,
inclusive segurança. Somente a longa espera por mais um dia de incertezas.
Era fim de madrugada, e a luz finalmente, se fez por si
mesma. Mas uma vez a cidade ficou na graça. De graça! Sem graça! Mas Recife
está assim. Uma cidade desgraça!
Nenhum comentário:
Postar um comentário