quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

CARNAVAL 2013


 
A IRREVERENCIA DO TEMPO.

Silenciaram-se as trombetas! Abafaram-se as melodias! Dissiparam-se as multidões! Recolheram-se os foliões! E pela primeira vez na vida agradeci o silencio e pedi a volta da “normalidade”. Sobrou apenas a incomoda sensação de ter somado mais um carnaval, de ter contabilizado coisas que ainda não sei explicar. As cinzas da quarta-feira ainda estão em brasas, queimando meu peito. Não se apagaram como na fadiga de anos anteriores. Acho que numa sátira debochada, o carnaval brincou comigo. E isso não me fez mais feliz. Diante de mim, agora, dois “abês”, um chapéu de palha e fantasias empacotadas parecem falar de um tempo remoto. A casa parece vazia. Eu pareço vazio.  

Nas ruas antigas do Recife revi os foliões mirins de minha infância, encantados com as novidades e surpresas. Na multidão do Galo avistei os bebês que marcaram minha mocidade. Nas ladeiras de Olinda perdi a piada da irreverencia, e por isso, o riso espontâneo e a malicia inocente não vieram. O carnaval passou sem me contagiar, mas não deixou de me atravessar. Como um samba mal cantado, desentoei na avenida. E estava tudo lá. De certo modo, tudo parecia igual. Menos eu. Foi como uma espécie de retrospectiva atrasada. Uma espécie de autoavaliação que não combina com Momo. Em cada esquina, em cada rua, em cada beco, em cada bloco encontrei comigo mesmo. Eram fotos vivas que demarcavam épocas e momentos inesquecíveis de minha história. Minha vida passou diante de meus próprios olhos. Quase cinco décadas revisitadas em apenas cinco dias de folia.

Penso que não tenha me preparado devidamente para o carnaval deste ano. E não falo de fantasias, adereços, ingressos para as prévias ou camarotes. Falo de emoções reprimidas, com todos os seus significados e consequências. Até o ano passado éramos dez, e agora somos nove, meio órfãos. A subtração começou a substituir a soma, e a multiplicação natural tornou-se digna da minha própria próxima geração. Acho que a morte tem esse caráter de demarcação. Não só fecha como abre novos ciclos, sinalizando mudanças. Velhos amigos, que também partiram nos últimos anos, me fizeram falta. Outros que reencontrei apenas me mostraram a passagem de um tempo estampado em seus rostos. Minha geração já não tem a mesma cara, o mesmo humor, o mesmo pique. Mas o carnaval, ao contrário, insiste em se manter intacto, intocável, se recriando a cada novo ano. Um fenômeno de massa que se reinventa independentemente dos indivíduos. Como se diria nos tempos atuais, o bloco anda. Talvez meu incômodo tenha se dado na constatação de que o meu correu em uma velocidade além de minhas forças, mas não de minha vontade. Talvez seja comum, talvez seja natural, talvez seja só uma crise da meia idade.

De tudo que eu sei apenas me resta a grande certeza de que não se envelhece o carnaval. Com sorte se envelhece com ele. O grande desafio talvez consista na reconciliação com o tempo. Que é de cada um, mas que também é de todos. Assim, que Dionísio me dispense à sabedoria necessária ao não desencantamento. A inteligência dos grandes foliões que também se reinventam em novos blocos pra lá de frenéticos. E que venham os próximos carnavais. Muitos e muitos, a ponto de me fazerem rir também da morte. Pois que esta também é farsa. E como tal deve ser reverenciada. Até que seu manto nos transporte para outras ladeiras, para outras folias. E que venham os sucessores da irreverencia, pois que a vida deve se perpetuar na festa e no frevo.
E que assim seja. Sempre, e para sempre. Amém!