quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A DROGA DO RECIFE GANHA ESPAÇO NA MÍDIA.


Há muito tenho chamado a atenção para a proliferação das Cracolandias no centro do Recife. Finalmente o assunto entrou na pauta da “Vênus Platinada”, revelando os efeitos e as dimensões do crack junto à população desassistida, bem como as inevitáveis consequências para a sociedade em geral. Assim como na frente do Museu de Arte de São Paulo – MASP, São Paulo; ou na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro; em Recife o tráfico e consumo do crack, aliado a outras drogas, tem se consolidado nas principais ruas e avenidas do centro. Com o tempo novos territórios vão sendo demarcados, invadindo praças, calçadas, becos e vias de acesso, bem abaixo de nossos olhos. A permissividade autoriza o consumo descontrolado de uma droga que tem empurrado homens, mulheres, adolescentes e crianças para o universo da contravenção. A prostituição, bem como as situações de exploração sexual a que são submetidas crianças e adolescentes tornam-se meios para aquisição da droga e custeio da dependência como revelado também pela série de reportagens, produzida pela Rede Globo Nordeste, exibida durante essa semana no NETV 1ª Edição.
A iniciativa da emissora apesar de tardia é louvável. As cenas chocam pela crueldade decorrente da falta de políticas públicas eficazes e do descaso dos governos no que se referem ao enfrentamento e combate. São homens, mulheres, travestis, adolescentes e crianças consumindo drogas diariamente com o autorizo de uma sociedade também inebriada. As reportagens trazem a invasão das praças públicas, não menos abandonadas, por traficantes e usuários. É uma lástima chegarmos a tal situação. Mas, mais lastimável ainda é o despreparo dos órgãos competentes diante do fenômeno. Em entrevista, na semana passada, o sociólogo Hugo Acero Velásquez (Isto É 2247, 2012), responsável por transformar a cidade a cidade de Bogotá em exemplo mundial de segurança pública, afirmou que “o crime está organizado, as autoridades não”. Para ele, a problemática dos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo situa-se no narcotráfico local, também chamado de microtráfico ou varejo do tráfico. “As peculiaridades estão na profusão de negócio ilegais paralelos a essa atividade, como a venda ilegal de armas, o contrabando, as mortes encomendadas, a extorsão, o sequestro e o tráfico de pessoas”.
A lógica é que a contravenção chegue sempre onde o Estado se omita. Isto é fato, e contra fatos não existem argumentos! É assim com a violência urbana; é assim com a pirataria; é assim com a exploração sexual de crianças e adolescentes; é assim com a corrupção. Problemas sociais de alta ordem banalizados pela população inerte, alienada inclusive de seus direitos enquanto cidadãos. Assim se dará também com a territorialização do tráfico nas praças públicas, ruas, becos ou favelas de Recife. Para o sociólogo, não reconhecer a crise da violência atual apenas torna mais difícil sua solução. Verdadeiros governos paralelos vão se formando, ganham forças e se consolidam no cotidiano de segmentos populacionais que se configuram como passageiros de segunda classe. Sujeitos invisibilizados, principalmente pelos interesses políticos. Não diferente da realidade recifense, este se torna o retrato das cidades sem Governos, resultado direto de uma sociedade que se mostra omissa em sua alienação política.  
O tráfico, nos seus mais variados segmentos – seja de drogas, de armas, de seres humanos ou de influência, tem constantemente desafiado o Estado de Direito, evidenciando a urgência de mudanças. O grande problema consiste no fato de que o mundo da contravenção é articulado, enquanto que o Governo não. O negócio da contravenção é rápido e estratégico, enquanto que o Governo, seja na esfera federal, estadual ou municipal, têm se mostrado burocrático e lento. Penso, porém, que se existe uma semelhança entre ambos, esta se dá na luta pelo poder. Ao mesmo passo que um busca a ampliação das áreas de domínio sobre a população pelo estabelecimento de novos mercados; o outro, busca pelo fortalecimento de espaços políticos, muitas vezes, negociando cargos públicos, que satisfazem apenas aos interesses e aos egos inflados de pequenos grupos ou sujeitos. Logo, o tráfico de influencia política consolida as condições necessárias e propícias ao fortalecimento dos demais segmentos contraventores. O Estado assume então o lugar de principal violador de direitos, inclusive constitucionais.
Quem mora em Recife sabe que as imagens das reportagens, por mais cruéis e brutais que sejam não revelam em sua totalidade o flagelo vivenciado em nossas ruas e praças. São homens desfigurados de qualquer semelhança humana, mulheres grávidas de misérias, adolescentes feridos em seus orgulhos, crianças deformadas pelas condições indignas de desenvolvimento saudável. Se existe um inferno, pode-se dizer que com certeza se encontra instalado no centro da cidade. A contravenção e as violências correlatas, com todas as suas consequências e impactos sobre a sociedade, se consolidaram nas principais vias e ruas do Recife. Não se combate a violência apenas com repressão. A segurança vai muito além das polícias, juízes e presídios. Neste sentido, Velasquez (2012) ressalta que nos espaços controlados pelo crime e pela violência existem mais do que criminosos, quadrilhas, venda de drogas e delitos. Nessas regiões existem também crianças e adolescentes fora da escola e em risco de serem recrutados pelo crime organizado; existem parques abandonados; ruas mal iluminadas, sem lixeiras; e há principalmente falta de serviços públicos. Em Recife isto também é fato. E contra fatos não existem argumentos!
Logo, instalar mais uma câmera de monitoramento na Praça Abreu e Lima, anunciada ao vivo, no NETV esta semana, como medida de enfrentamento ao tráfico não resolve o problema em sua totalidade. Muito menos, disponibilizar um veículo para transportar os usuários até um determinado espaço para se alimentarem não ameniza as consequências do abandono e descaso público. Falta qualificação profissional, falta entendimento, falta compromisso e seriedade. Enquanto as estratégias se pautarem em ações paliativas e emergenciais apenas fortaleceremos a contravenção. Política pública é instrumento de garantia de direitos e não material de propaganda política. Como cidadão de direitos quero ver as ações acontecerem de forma continuada longe das câmeras de TV. Quero ver e presenciar a efetividade de ações fundamentadas e respaldadas pelo conhecimento científico, respaldadas pelas práticas exitosas. É urgente a aplicação dos recursos financeiros, frutos dos nossos impostos, em ações de atendimento, acompanhamento e assistência às famílias e sujeitos vulnerabilizados, não em operação “enxuga gelo”. É preciso entender que a exclusão social é o nascedouro da violência. E neste sentido, não existe violência maior do que profissionais despreparados e desqualificados assumindo gestões públicas, que diante das câmeras disfarçam desconcertos e incômodos por não terem respostas concretas à população.
É um absurdo que o meu voto continue sendo deturpado em essência e fundamento, transformado em ferramenta e/ou instrumento de inconsequentes politiqueiros, porque é através dele que digo e luto por uma sociedade mais digna e igualitária. Confesso ser exaustivamente cansativo e desestimulante ver o dinheiro dos meus impostos ser aplicado em falcatruas, alimentando o mercado das propinas, aliciando ideologias e maculando a identidade nacional. Já basta de mensalões, mensalinhos, operações porto seguro e tantas outras de igual teor! A corrupção é a grande mazela da nossa sociedade. A transformação só se dará pela educação, pois fomos, e ainda somos culturalmente forjados para fazer desta uma prática social. Corrompemos e nos deixamos corromper por interesses particulares, alheios e/ou indiferentes às necessidades e direitos que são da ordem do coletivo. Roubamos a dignidade alheia por pequenos abonos, contribuições ou presentes “ofertados” com dinheiro público, e ainda nos sentimos felizes e espertos. Ludibriar o próximo tornou-se nossa meta. E nesse círculo vicioso abrimos mãos de nossos direitos e negociamos nossos valores morais, éticos e sociais. Aprendemos e ensinamos o favorecimento como moeda de troca, incentivando a lei da vantagem, que se traduz em safadeza e malandragem, em seus sentidos mais pejorativos.
Aproveitem a proximidade do natal e reflitam sobre os próprios conceitos e valores morais e éticos. Pregar a transformação do mundo sem rever conceitos pessoais e assumir as responsabilidades que lhes cabem é falácia, utopia e politicagem.

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