segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ENTÃO É NATAL!!!



O dia começa cedo. O sol arde à pele. O ar abafado fica mais quente com as ruas repletas de camelôs. Chegou o período natalino. A cidade não muda e a calamidade é a mesma. O lixo invade as ruas, as canaletas transbordam, os esgotos correm a céu aberto. Apesar da precariedade urbana, nada impede o consumo insano! Lojas repletas, Shoppings Center congestionados, calçadas tomadas por ambulantes. Afinal, é preciso comprar o natal, ainda que as dívidas se multipliquem em parcelas intermináveis pelo resto do ano.  

Pessoas amontoadas continuam dormindo em meio a papelões e pés estressados. Muitos se tornaram notívagos devido ao uso de drogas. Para eles o natal não chega! Animais perdidos se juntam a moribundos, urinando e defecando nas vias. O mijo se junta a lama e a sujeira que a prefeitura há muito não recolhe. O odor torna-se insuportável, quase tóxico. Mas, nada interrompe o frenesi consumista do natal! É preciso pressa porque já não existe comemoração sem presentes. E presente tem que ter valor comercial agregado. Por isso, pessoas se esbarram, se ferem e se xingam. O transito reclama aos apressados enquanto bicicletas sonorizadas atropelam crianças e idosos. Mulheres perdem sandálias na pista, quebram saltos nas calçadas esburacadas, quebram pés em gelos baianos, mas torcem o nariz aos aperreios. Na modernidade aprendemos que no natal se reverencia o sofrimento!

Patrulhas cortam avenidas em alta velocidade, motos oficiais disparam sirenes, guardas apáticos apitam. Sempre há a quem perseguir, principalmente quando a multidão é evocada a invadir as ruas. Compra-se de tudo: árvores de plásticos, cordas de luminárias emborrachadas, bolas natalinas que não se quebram, papai-noel puxando henas que mais parecem jumentos famintos, guirlandas cafonamente repicadas. É que nos dias de hoje, o natal se tornou tão artificial quanto os sentimentos correlatos. Algo que se compra, mas não necessariamente se vivencia. Mas isso não importa, porque no mundo mercantilizado os valores se invertem, o “ter” torna-se superior ao “ser”. 

As horas passam. Vendedores anunciam promoções nas portas de lojas. O inferno toma conta da cidade. E nada alivia o estorvo do natal! Ruas exalam fedores. O suor encharca roupas e corpos. Senhoras se abanam cansadas. Meninos choram o incômodo. Mas nada para vence a histeria comercial do natal! Mãos puxam e rasgam tecidos. Em movimentos ensandecidos atingem rostos. Bocas gritam impropérios. Palavrões agridem tímpanos. Mas nada, nada consegue amenizar a sandice popular. É prá isso que existe o 13º salário. Para comprar as alegrias!

Uma mulher branquela e feia bate na cara do vendedor. O segurança entra na confusão. O gerente é chamado. A agressora é empurrada na rua. Outra mulher morena lhe diz desaforos. Viu a bolsa primeiro e quer a mercadoria. Elas se atracam. Os cheira-cola riem e dançam agitados. Policiais os afastam. As mulheres correm unidas e voltam a se agarrar na esquina. Mas nada, nada mesmo parece incomodar o vai e vem do natal! De repente, um corpo cai do edifício Sumaré. Não é primeiro corpo que despenca dos ares no centro do Recife. Gritos de horror ecoam na avenida. A multidão, como urubus, se alvoroça ao redor dos frangalhos, sobre o que restou de um homem que só queria comprar o natal. Algumas pessoas desmaiam e atrapalham o socorro que não chega. Uma mulher chora como se conhecesse o morto. Minutos depois entra em uma loja para escolher sapatos coloridos. Eis uma prova de que o natal também reconforta!

Um grito desesperado atravessa as ruas. Pessoas correm desnorteadas sem rumo. Ninguém sabe ao certo do que se trata, mas todos correm da catástrofe anunciada. Uma garota nervosa engole uma garrafa de água enquanto consome as próprias lagrimas. As pessoas assuntam o motivo, se mostram preocupadas. Outra prova de que o natal sensibiliza os corações! Param-lhe um ônibus. As sacolas impedem sua subida. Alguém se oferece para segurá-las. Ela teme ser roubada, e por isso, se espreme na multidão amassando os presentes.

Do interior do inferno metálico ouvem-se gritos. Sobre a lataria superior meninos entorpecidos de cola praticam surf. O natal para eles também nunca chega. A população se alvoroça. O motorista sai em disparada. Os meninos cambaleiam, mas não caem. A polícia dá o comando. O ônibus freia abruptamente. O povo grita enquanto meninos escalam janelas, atingem o asfalto e somem em becos. O susto passa. A polícia volta. O ônibus segue seu destino. Enquanto isso, na calcada um homem lava as frutas aquecidas pelo sol. Uma criança abocanha uma maçã. A mãe se acalma e o puxa pelos braços. Não se arrasta assim nem um animal. O menino tropeça. A maçã cai no chão. Ela apanha e lhe entrega enquanto encomenda as luzes que vão colorir sua casa.

Novo corre-corre. Um jovem avança sobre os carros em movimentos. Leva uma bolsa feminina entre os braços. Uma moça segue atrás. Ele some na multidão. Ela chora sozinha. O sol aumenta. O calor abafa mais ainda. A multidão se multiplica. E a cidade ferve enlouquecida. A suada se espalha. Ninguém se entende, mas todos se comunicam. A linguagem do natal, assim como a do mercado, se mostra universal, pois que se resume ao quanto custa. Uma senhora de boca cheia bate no filho. Outra reclama o ato. Início de novo rebuliço que se apazigua com o tempo. Alguém pede esmolas. Os olhares se viram. Afinal, os dias são de preparativos e solidariedade é coisa para o grande momento. Não se antecipa sentimentos natalinos.

No meio das incoerências natalinas, pelo menos um milagre aconteceu e a Simone não cantou a melodramática, chata e tradicional melodia de sempre. Mas como nem tudo é felicidade, o Rei do comercio fonográfico trouxe o compacto duplo de volta à moda. Três milhões de cópias em duas semanas e a multidão fez dele “o cara” do ano. Agora é torcer para que no especial da TV ele apareça vestido de papai-noel. Para que todos juntos, mais uma vez, cantem emocionados: “esse cara sou eu”. Talvez alguns chorem diante da grande tela nova. E seguindo o script se abracem e desejem felicidades mútuas. Talvez até saiam as ruas distribuindo os restos da ceia ou presenteando criancinhas pobres. Afinal de contas esse é o espírito do natal! Agora, se você ainda não comprou o seu é melhor correr para o centro do Recife. Na bagunça urbana promovida pela atual gestão sempre cabe mais um maluco por natais fabricados em série.

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