sábado, 1 de dezembro de 2012

NOVO ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO PARA SPIELBERG.


CAPA:DIÁRIO DE PERNAMBUCO.



MAR,  CERVEJA, FUTEBOL E TUBARÕES.

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Creio que respostas à questão seriam tão complexas e inexatas quanto possíveis hipóteses acerca da primogenitura entre o ovo e a galinha, ou ainda, acerca da identidade sexual dos anjos. Mas, independentes das elucubrações necessárias, penso que ambas são correlatas e se complementam. A vida sem a arte não existe, do mesmo jeito que sem vida a arte não se faz. Ambas se inspiram e se referenciam mutuamente. Mesmo sabendo que arte é um conceito por demais amplo, gosto de defini-la como capacidade criadora humana, pela qual se transmite e se expressa sensações e sentimentos. Ou seja, o objetivo final de todo artista é causar sensações. Logo, neste sentido, seu produto final será sempre uma criação artística.

Nas décadas de oitenta e noventa, ir ao cinema era quase um vício. Sempre gostei dos filmes de suspense e terror. Steven Spielberg era apenas um cineasta iniciante, acredito, quando dirigiu o mega sucesso Jaw, exibido no Brasil com o nome Tubarão. A história se passava em um balneário paradisíaco, bastante frequentado por turistas. Na cena de abertura, um jovem casal resolve namorar no mar. Nadam até uma bóia marítima (sinalizador). A câmera d um close no rosto da moça. De repente ela sente uma fisgada na perna. O espanto transforma seu semblante. A famosa musiquinha invade a sala do cinema. Mais um sopapo e eles somem sobre as águas. É o início de um suspense que prenderá o espectador na poltrona até a última cena. Dias depois seus corpos são encontrados na praia, provocando espanto entre os nativos e visitantes. Desenrola-se então uma grande trama de interesses políticos. Os especialistas se alarmam com a violência do ataque e suspeitam de um grande predador marinho. Os governantes locais, contudo, pedem cautela e repelem a idéia com medo dos impactos sobre o turismo, principal fonte de renda municipal. Para piorar a situação, a pequena cidade encontra-se lotada devido ao torneio anual de acrobacias aquáticas. Ante o impasse, o silencio torna-se regra. Porque espantar os turistas se não existiam provas concretas sobre o eminente perigo? Os ataques continuam a ocorrer, mas são considerados casos isolados. Mesmo assim medidas paliativas são adotadas apenas como precaução. No dia do grande evento, finalmente o mistério se revela na forma de um imenso tubarão que ataca ginastas e banhistas. Moral da história, o que poderia ser evitado se transforma em uma grande tragédia, banhando de sangue o límpido mar azul.

Creio que descrever o final do filme torna-se desnecessário, uma vez que a película bateu recordes de bilheteria. Virou um fenômeno. Dizem alguns especialistas comportamentais que o filme contribuiu diretamente para a imagem negativa, associada pelo censo comum aos tubarões. Particularmente, desenvolvi uma fobia que me impede de entrar em mar aberto. No campo da psiquiatria fobia é uma designação comum às diversas espécies de medo mórbido. Denomina horror instintivo a alguma coisa. Uma aversão irreprimível. Contudo, entendo que a fobia, muitas vezes, desenvolve-se pela eminência de um perigo, ou risco, nem sempre concreto ou real. Mas em Recife, os ataques de tubarões são realidade. Isso ninguém pode negar. Já foram contabilizados mais de 54 ataques, alguns fatais. Logo, meu medo tem fundamento. Como o surf nunca foi uma prática esportiva que me despertou grande interesse ou fascínio posso dizer que de certo modo me sinto confortável. Porém, acredito que quando vidas estão em risco é preciso providências eficazes por parte dos gestores públicos, e logicamente da sociedade com um todo. Não se pode ser irresponsável, por exemplo, a ponto de acreditar piamente que quem entra no mar tem plena consciência dos riscos que corre.

Lógico que o tubarão não é grande vilão dessa história. Isso fica para o cinema. Os ataques são consequencias dos impactos ambientais, ou seja, resultado das ações desordenadas dos homens, que também são grandes predadores. Neste sentido, lembro de uma situação semelhante, quando especialistas e a imprensa chamavam a atenção da população sobre o risco da Cólera. O receio era que o banho de mar pudesse provocar o contagio de banhistas e a consequente disseminação do vibrião colérico. Para acalmar os ânimos e por um ponto final na histeria popular, o então prefeito de Recife, Joaquim Francisco, entrou no mar de Boa Viagem e nadou em frente às câmeras e a população. Será que na situação atual, algum dos gestores repetiria tal façanha? Questiono porque esta semana, os jornais locais estamparam nas capas, a captura de mais quatro tubarões, por pescadores, em menos de vinte dias, em praias bastantes frequentadas no litoral pernambucano. A notícia reacendeu o pânico de ataques a surfistas e banhistas. Segundo as informações divulgadas, no dia 10 de novembro, um Tubarão Cabeça-Chata foi capturado nas imediações do Porto do Recife; no dia 13, outro Cabeça-Chata foi capturado na praia de Pau Amarelo, em Paulista; no dia 16, um Tubarão-Lixa foi capturado na praia de Del Chifre, em Olinda; e, no dia 25, mais um Cabeça-Chata foi capturado no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca.

Agora vamos aos fatos. Para o CEMIT – Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões, não há motivos para pânico, pois tais episódios são considerados normais, efeitos da pesca predatória. Do outro lado, o Propesca – movimento que defende o controle biológico dos tubarões através da pesca e extermínio – destaca a preocupação, alertando a população e governo para o risco de novos ataques. Alguém consegue ver semelhanças entre a ficção e a realidade? Será este episódio uma imitação da arte? Ou nos casos que envolvem grandes cifras, tal procedimento torna-se comum, e por isso a arte torna-se apenas a replicação da realidade e natureza humana? Talvez, a grande diferença entre o balneário fictício de Spielberg e nosso tranquilo litoral esteja apenas no evento turístico de grande porte. Será? Nós não temos torneio de acrobacias aquáticas, mas temos torneio de surf em Maracaípe. Também é bom lembrar que estamos no final de 2012. Dezembro tem reveillon em Boa Viagem, e tomar banho de mar ao romper do ano renova as energias. Dizem até que dá sorte. Será?

Ano que vem tem a Copa das Confederações, e um ano depois teremos a grande Copa do Mundo. O que nos alivia é que em São Lourenço da Mata, município onde ficará localizada a Cidade da Copa, não tem mar. Mas também não tem, ou terá hotéis suficientes para tanta gente, o que significa que os milhares de turistas estarão espalhados pela orla da Grande Região Metropolitana. O bom do negócio é que além de torcer pela seleção brasileira, que é sem dúvida nenhuma menos agressiva, também torceremos para que o time dos Cabecinhas Chatas resolvam curtir umas férias em outras paragens. Minha preocupação é porque jogo da seleção brasileira tem tudo haver com bebidas alcoólicas e praia. A primeira até já foi liberada nos estádios onde acontecerão os jogos. Já pensou que maravilha? A segunda, porém, com certeza não será bloqueada. Porque por aqui, proibida mesmo só a marca de uma das cervejas que farão a festa das multidões. Então, não querendo ser pessimista, mas apenas precavido, se você pretender romper o ano na praia ou assistir aos jogos à beira mar, melhor seguir os conselhos dos especialistas no assunto. O problema é escolher entre estes, afinal de contas no Brasil temos especialistas para tudo, seja nos governos, na imprensa, na academia, e principalmente nas rodas de amigos que curtem uma gelada na praia.

Para facilitar sua vida, trago algumas opiniões fundamentadas em expertises. Segundo Francisco Santana, por exemplo, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos de Tubarões e Araias – SBEEL, “respeitar a sinalização é fundamental, principalmente nos meses de maio, julho e setembro, que somam o maior número de ocorrências”. Em que mês mesmo será realizada a Copa do Mundo? E a das Confederações? Ainda bem que o reveillon só acontece em dezembro. Segundo ele, “as pessoas não precisam deixar de ir à praia, mas devem ficar atentas às proibições”. Neste aspecto, acho que ele se refere aos 34 km de litoral pernambucano dotados de painéis informativos que orientam banhistas e surfistas. E vale salientar que estas placas estão “super-bem” sinalizadas e destacadas na orla do perímetro que vai da praia do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho, até a praia Del Chifre, em Olinda. Você, com certeza já viu alguma delas! Mas, já de uma paradinha para ler? E os tubarões, será que também já fizeram o mesmo? Pergunto por que, provavelmente os dois engraçadinhos que foram capturados em Pau Amarelo e no Pontal de Maracaípe são novatos por aqui. Talvez fosse bom reeducar os peixinhos carniceiros sobre os limites para os ataques. Bom, de qualquer forma, temos tempo ainda para pensar alternativas menos graciosas. O negócio é não desanimar. Até porque já temos experiências com grandes eventos. No Carnaval mesmo, nunca houve registro de ataques de tubarão. Será?

O importante mesmo é saber que existem cerca de 500 espécies de tubarões em todo o mundo. E que deste total só registramos no Nordeste ocorrências envolvendo 45 espécies. Especificamente em Pernambuco os campeões na modalidade ataque-fatal são os Cabeça-Chatas e o Tigre, que só perdem em agressividade para o Tubarão Branco e o Tubarão Galha-Branca, e que estão presentes em nossa costa. Fora isso, que tal rever o filme do Spielberg? E por falar nisso, quem sabe se com a projeção internacional promovida pela Copa de 2014, Hollywood não resolve filmar a continuação da série em nosso paradisíaco e seguro litoral? Já pensou que maravilha seria? As tomadas de cena poderiam ser em Boa Viagem ou Piedade, onde ocorrem mais ataques. Nessa versão, poderíamos colocar todos os políticos surfando, comemorando aos resultados do turismo. De repente uma grande sombra cinzenta aparece nas águas claras. Eles começam a se juntar em blocos, desesperados em salvar a própria pele, como sempre acontece em situações de perigo. O tubarão emerge das profundezas e abre sua grande boca repleta de camadas sobrepostas de dentes afiados. A musiquinha infernal tocaria ao fundo enquanto o animal avançaria em direção ao grupo... [o final vocês decidem]. Brincadeiras a parte, é bom lembrar que logicamente tudo não passaria de pura ficção, até porque político que se preza não corre riscos. E aí, vamos torcer? Quem sabe você não consegue uma figuração? Sabe nadar? E fugir de tubarão? Então, melhor ler as placas de sinalização e torcer para que os especialistas estejam certos.

Fonte: diário de Pernambuco, 27 de novembro de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário