quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

VIAGEM AO VELHO MUNDO EM 20 DIAS - capítulo XI


CASA DE ARMAS DA RAINHA

LONDRES: UMA CIDADE REAL

Se desejar sentir na própria pele o significado da exclusão, deverá ir a Londres, capital do Reino Unido, na Inglaterra. Para se chegar até lá no entanto, vindo da França, será preciso enfrentar a calmaria do Canal da Mancha. Esse foi o percurso que fizemos. A viagem é bela, pois em pouco tempo avista-se terras nos dois extremos. Dois povos, dois países, culturas distintas. Gaiovotas sobrevoam a embarcação e parecem nos saudar ao longe. Algumas mergulham e sobem as nuvens carregando pequenos peixes. No navio tudo é muito grande e luxuoso. Possui três andares onde os passageiros podem se divertir em compras, almoços, lanhes e cafés. Tem cinema, sala de socialização, espaço para leitura e repouso. Se preferir pode-se chegar até a proa para apreciar as águas sobre as quais se flutua. O vento frio da um ar charmoso a viagem, que não é muito longa, mas que para quem tem medo do mar parecerá eterna. No restaurante a velha e tradicional comida inglesa: peixe frito acompanhado de batatas fritas. Nada mais como opção. Nada mais decepcionante. O aspecto é anêmico e pouco inspirador. O mar sacode o navio, que balança as mesas, que sacode os os pratos. Nosso corpo acompanha. O peixe parece vivo e remove-se no estômago. Nesse movimento a gororoba parece viva, desejando voltar a boca.


PONTE DA TORRE

No máximo em uma hora chega-se a Dover. Muralhas de rochas parecem formar o cais. No ônibus de turismo descemos a rampa do navio e seguimos para o estacionamento. Espera-se numa fila que parece quilométrica até chegar aos guinchês, onde deve-se apresentar o passaporte para permissão de entrada. A frieza dos londrinos se revela de imediato. Impacientes e desconfiados nos submetem a uma breve entrevista, em infglês, claro. A dificuldade no idioma pode ser um dos motivos para invalidar a entrada. Os londrinos não se esforçam em se fazer entender, e logicamente, em tentar entender o estrangeiro. Recorro ao auxílio da guia que nos acompanha em viagem. O homem louro e de bigodes e ar cisudo não lhe dar atenção e mantém os olhos cravados em mim. Um certo desespero me invade pois preciso tempo para organizar as idéias, traduzir o que me pergunta e pensar na resposta. Sou salvo pelo meu companheiro de aventuras, que a esta hora está no guinchê ao lado. Passaportes carimbados, o próximo passageiro é convocado ao local. Atravessamos um corredor e seguimos para o ônibus. O frio de Londres não se faz apenas na temperatura local.

 
Aos poucos nos afastamos por estradas bem estruturadas. Parecemos seguir na faixa constrária. Estamos no lado posto da via. Dizem que antigamente o transito era assim, e apenas o Reino Unido resolveu manter a tradição. Olhando os veículos que seguem ao lado, algumas vezes somos tomados de subto e imaginamos que se movem sozinhos. Na verdade o motorista oculpa o lugar do carona. Outras vezes, crianças que andam na frente junto ao condutor parecem dirigir. Já na cidade, paramos em um estacionamento para visitar um famoso castelo - Casa de Armas da Rainha, onde são guardadas suas jóias. Localizado na entrada de um bairro histórico, sua suntiosidade e elegância chamam a atenção. O Rio Tâmisa corre ao lado. Sob ele está a famosa Ponte da Torre. Como nos filmes, uma ponte suspende-se sobre o calabouço e nos leva até a porta do castelo real. Seguimos pelas margens do rio. Do outro lado avista-se o Canary Whaff, o maior e mais importante centro financeiro do mundo, onde nos hospedaremos. A luz se reflete nas grandes espigas envidraçadas. Um prédio ovaloide todo em vidro nos chama a atenção. É a nova prefeitura. Os flashes disparam apressados. Londres é apressada. Tudo tem horário marcado. Nada foge ao rigor. Por isso voltamos para seguir viagem. Somos severamente parados por uma Londrina negra e mal educada. Ela reclama o atrazo de três minutos e diz que teremos que pagar o dobro o valor do pedágio. Nossa guia, Ana Belém, de origem e temperamento espanhol junta-se a motorista, Tonni, italiana, para encarar a londrina. O bate boca aumenta de tom. Não adianta, ou se paga ou não se sai. A mulher de baixa estatura esbraveja enquanto libera a passagem. Acena em gestos grosseiros revelando sua reprovação.


CANARY WHARF

O Canary Wharf é um bairro construido sobre o rio. Uma ilha artificial formada sobre pilotis fincados nas águas. Em nada se compara a Veneza italiana, mais não podenos negar seu encanto e magia. No Britannia Hotel novo contratempo. Um dos passageiros com dificuldades de locamoção solicita auxílio. As instalações não oferecem acessibilidade. A recepcionista, fria e esquiva, comunica que esse é um problema nosso. Dá as costas. Segue imparcial no atendimento aos hóspedes. Mais uma vez a frieza que incomoda não vem somente dos ares gélidos, mas da indiferença. Tomamos os elevadores e seguimos por um grande corredor forrado com grosso carpete. O hotel é extremamente brega, meu ver. No quarto, as camas são colocadas em frente a um antigo móvel de madeira. Uma antiga penteadeira, tão conhecida por nós brasileiros nos anos 60 e 70. Cortinas marrons escondem a luz externa. Tudo parece abafado e úmido, inclusive o grosso tapete de cor verde oliva que cobre o piso. No teto um lustre dourado formado por vários cristais de vidro completam a cafonisse. Tudo cheira a tradição e conservadorismo. O hotel é quatro estrelas mais a decoração lhe dar um ar de quinta categoria. Existe uma mistura de paças na recepção. Arte oriental se mistura a esculturas gregas e romanas. O restaurante é amplo, porém sombrio. O banheiro é outro problema. A velha dificuldade em acertar a temperatura da água, a tradiconal ducha que deverá percorrer o corpo.



TROCA DA GUARDA REAL

Desço até a recepção e me encaminho para área externa, onde se poder fumar. Um grupo de senhoras bem vestidas [ou pelo menos acreditam nisso] acompanha um grupo de senhores trajando longas e grossas estolas. Eles também fumam. Um funcionário os adverte que devem permancer além do tapete vermelho. Uma senhora inglesa lhe esnoba o comentário e depois de fumar apaga o ponta do cigarro sobre o tapete. Me aproximo do grupo. Estou vestindo uma grossa calça, tipo moleton, e casaco por cima de uma camisa de malha. Os ingleses me olham dos pés à cabeça. Resmingam algo entre sí e se afastam grosseiramente. Escuto a palavra “latino” e, logicamente, entendo a ação [ou melhor reação]. Reflito sobre o processo de exclusão. Naquele momento somos todos parte de um mesmo grupo, pois temos em comum a hábito de fumar. Estamos todos excluidos, pois que nos reservam um pequeno espaço, longe do tapete vermelho. Porém, se o cigarro nos une, as origens nos separam e nos diferenciam. Depois penso como podem se mostrar tão intolerantes se mais de 50% das pessoas que vivem em Londres não tem origem inglesa. Entendo que eles não cultivam a familia real sem motivos. Talvez acredcitem na lenda do sangue azul, e por isso nobres demais para fumar junto a latinos. Independentemente das elucubrações sinto o quanto é dificil se sentir diferente, principalmente quando lhe fazem questão de resaltar as diferenças. E neste sentido, os ingleses são realmente os melhores.


BAIRRO DE PICADILLY

Comento com meu companheiro de aventuras e resolvemos descer até o bar. Os casais encontram-se sentados, quietos e mudos. Não existe interação, apenas olhares que se direcionam aos visitantes. Um certo estranhamento invade o ar. Aproveitamos o clima para conversar bastante, rir bastante e trocar olhares e observações multuas com os ingleses. Uma pequena forra para desfazer o mal estar. No dia seguinte saimos pela cidade. Segundo alguns historiadores, Londres foi fundada pelos romanos aproximadamente no ano 43 d.C. Era chamada de Londinium e sofreu invasões sucessivas. Depois de ouvirmos várias histórias pomposas sobre as sucessões de reis e rainhas, contadas pela guia local, perguntamos sobre um tal Eduardo II. A senhora com aspecto conservadora parece perder o riso. Insito e pergunto se existe registros na cidade do seu reinado. Ela de forma direta diz que não. Os ingleses não gostam desse período da história. Na verdade o Rei Eduardo II escandalizou o reinado com seus romances com homens do povo. A tradição inglesa foi quebrada quando o rei coroou um filho de açogueiro em lugar da rainha. O clero se juntou ao parlamento e tramou sua derrocada. Transfiado na masmorra durante anos, o Rei Eduardo II soi empalado com ferro quente. A rainha [que nunca engravidara do rei] subiu ao trono e tradição se manteve. Como se diz no bom ditado popular, rei morto é rei deposto. Assim, Eduardo II foi riscado da história.


RESIDÊNCIA REAL

A formalidade londrina é claramente estampada pela troca da guarda real, em frente ao Palácio de Buckingham, onde milhões de pessoas se atropelam diariamente. Milhares de flashes disparam ao mesmo tempo na tentativa de registrar algo de novo e inusitado. Soldados vestidos de vermelho empunham um grande chapéu preto na cabeça. Desfilam em filas, pelas ruas principais, em frente ao castelo, e seguem eretos. A troca da guarda real acontece apenas pela manhã e parece demorar uma eternidade. No pátio interno, os soldados, em pares, se dirigem até uma janela [onde supostamente estaria a rainha] e fazem reverências. O ritual se repete até que os últimos soldados voltem ao posto original. Tudo parece mecânico, mas lembram os velhos bonequinhos da infância. Na frente da residência real se estende o St. James´s Park. Uma tarde junto aos esquilos é sem sombra de dúvidas motivo de diversão. Eles correm, escalam árvores e percorre jardins repletos de aves, incluindo cisnes brancos como a neve. De uma ponte observam-se novos castelos e prédios históricos. Lembram os contos de fada. O Big-Bem se mostra imponente e parece combinar com as antigas cabines telefônicas e os tradicionais ônibus vermelhos.


ST. JAMES´S PARK

Andamos pelas ruas e chegamos a Picadilly, bairro artístico. Vários teatros oferecem grandes espetáculos. Num deles um grande sapato de salto alto resplandece. Priscila – a rainha do deserto está em cartaz, assim como Billy Eliot e mais uma porção de musicais. Como em São Paulo, cabines comuns de telefone público servem de espaço para divulgação de serviços sexuais. A prostituição feminina se faz presente na terra da rainha. Depois de horas andando, sentamos para um café e uma cerveja. Saio para fumar e preciso de fogo. Dirijo-me a uma mulher sentada na frente do boteco. Gentilmente solicito o isqueiro. Ela me estende o objeto, porém no bom inglês, me pede que seja “breve”. De volta ao Canary Wharf, tem-se a impressão de se estar em outra cidade. As grandes paredes de vidro substituem as grandes muralhas de tijolos e pedras. Chega o ano novo. Fogos explodem no ar. O frio invade os pulmões e passamos a noite tomando cervejas com um casal de cariocas. O dia amanhece chuvoso e cinzento. No dia seguinte partimos cedo para o aeroporto. Paro no saguão e percebo que do Reino Unido, prefiro as malas que me acompanham a saudade que não me assola.

Próxima parada, Lisboa!


CANARY WHARF

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