quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CARNAVAL 2012 - A PLURALIDADE DOS PERNAMBUCANOS


CARNAVAL 2012




















PLURALIDADES E POSIBILIDADES DEMOCRÁTICAS

Sábado, 18 de fevereiro. O relógio marcava 08:00. Era preciso pressa. De minha janela via pessoas agitadas sob um céu nublado. O calor queimava a pele que doura ao sol. Estamos no centro do Recife. Estamos no centro da maior festa do planeta. O galo da madrugada reina soberano sobre a ponte. Eleva-se gigantesco aos céus para comandar a folia que está apenas começando. A cidade não era mais a mesma. Transforma-se num misto de inferno paradisíaco. Não sei de onde vem tanta gente. Talvez nem elas mesmas saibam. Sozinhas, em duplas, em trios ou em grupos, caminham determinadas. Como que guiadas por algo que não se sabe bem. No carnaval de Pernambuco, o Galo da Madrugada não convida, convoca! Já não é apenas uma estátua, mas transformou-se em entidade que exige fidelidade de seus milhares de seguidores. Trinta minutos foi o suficiente para se pensar e repassar estratégias. Colocar a roupa, improvisar adereços, proteger a pele e cair na gandaia. Na verdade não havia muito que pensar. Até porque se pensar muito não se vai. É preciso certo grau de loucura para encarar uma temperatura acima dos 36º, que na aglomeração ultrapassa os 40º facilmente. É preciso disposição para enfrentar uma aglomeração que se transforma em massa humana e se espreme em ruas apertadas. É preciso tolerância para brincadeiras bobas, e às vezes, descabidas. É preciso energia para mais de dez horas consecutivas de uma ginástica que mói o corpo. É preciso mais que dois pés para se manter na vertical.

Pela Rua da Concórdia chegamos a Praça Sergio Loureto. Uma confusão se espalhava pelas transversais e becos. O bloco já estava na rua e o abre-alas precisava se impor em meio à multidão. Estreitaram-se as filas. Uma manada de vacas e touros estava a nossa frente. Tinha também galinhas, galos coloridos, bebês com chupeta, freiras e ciganas. Tinham palhaços, policiais femininas, foliões com sombrinhas fazendo passo. Tinha agonia, ruge-ruge e muito calor. Era preciso chegar a Rua Imperial para conhecer o camarote. O itinerário era diferente, mas o caminho é conhecido de todos. Já passara uma hora e o trio elétrico trazia Fafá de Belém cantando hinos do nosso carnaval. Com sacrifício chegamos ao cruzamento indicado. Pulseira de identificação nos pulsos, cerveja na mão e orgulho no coração, são essenciais para reverenciar o maior bloco carnavalesco do mundo.

Dizem que somos egocentristas, exibicionistas e que temos mania de grandeza. Nada disso é verdade absoluta, mas que também não é mentira. Elba Ramalho chega contagiando a multidão ao lado Gerlane Lopes. Atrás vem André Rio e mais uma porção de cantores que não conheço tão bem, mas que não desconheço de todo. O povo se ouriçava com a chegada da Banda Calipyso. E se não é assim que se escreve, é assim que se fala por aqui. Depois de um tempo não importava quem cantava, mas o ritmo que acelerava os movimentos corporais. No desfile do galo se luta por espaço para as evoluções. Para dançar o frevo é preciso sapiência e ousadia. Não existe lógica ou regras, mas tem que ter gingado. A coreografia é improvisada, mas não menos bela. Homens vestidos de mulher andavam livres de preconceitos. Mulheres em trajes masculinos não se mostravam menos sedutoras. Passou um grupo de piriguetes; logo, correu um monte de faróis; esbarraram-se anjos e demônios. Não só os diabos louros bailaram na rua, mas os morenos, negros e pardos. Tinha gente de toda cor, tamanho e idade. De cabelo crespo, liso ou ondulado. Tinha gente feia, bonita e mais ou menos. Mas em certa altura todos se tornavam simpáticos e contribuiam para a beleza coletiva. É o que nosso carnaval é multicolorido, multirracial, miscigenado e oxigenado em cabeleiras descoloridas, azuis, vermelhas, verdes ou rosas.


NEM SEMPRE LILI TOCA FLAUTAS - MARCADO DA BOA VISTA
O sol quente tatuava a camiseta no corpo. Ficamos pigmentados. Braços e rostos vermelhos e tórax brancos. Ninguém se importava, ninguém reclamava a não ser o estômago que exigia reposição calórica. Os pés são sempre  agredidos sucessivamente com pisadas alheias. Mas desculpas solícitas compensam as dores momentâneas. As pernas assumem comandos próprios. Algumas fraquejam ou revelam cansaço excessivo, mas ninguém arreda pé. É que aqui a tradição se impõe sobre os limites. Quatro horas da tarde e avistamos o décimo sexto trio elétrico. Alguém logo avisou que são vinte e cinco. De um lado exclamaram: “Porra, só faltam nove”. Do outro reclamaram: “Puta que pariu tá acabando”. Mas avistando ao longe, rumo ao infinito, via-se um monstruoso tsunami de gente parecendo pedir passagem. E monstruoso é forma de falar, porque aqui adoramos superlativos. Tudo aqui é muito grande, inclusive o tempo de desfile que parece não ter hora para acabar. Tudo é exagerado e estremado. Por isso, quem não aguenta não sai de casa, viaja ou se contenta em olhar.

OLINDA 2012
Um taxi nos leva a Olinda. E lá é preciso fôlego e força para subir e descer ladeiras. Uma multidão se aglomerava em frente à prefeitura. O povo levantava os braços em palmas ritmadas. O suor fazia brilhar a pele, molhava os cabelos e grudavam desconhecidos. É que aqui se brinca apertado, quase colado um ao outro. A decoração da cidade se mostrou tão descabida quanto à de Recife. Beirava mesmo ao despropósito. O colorido ficou por canta dos blocos tradicionais que ganhavam as ruas de paralelepípedos. Era preciso equilíbrio para chegar a sede do “Pitombeira dos Quatro cantos”. A igreja do Carmo estava superlotada, mas ao contrário dos dias comuns, ninguém rezava. E se tinha gente ajoelhada era de cansaço. Se tinha gente chorando, com certeza era de esgotamento físico e mental. É que carnaval em Pernambuco se transforma em loucura. O sol queima o juízo dos desavisados. Maracatus desfilam num sobe e desce desenfreado. Ondas de gente balançam para frente e para trás. Mas ninguém sai, a não ser para seguir outro bloco que cruze o cortejo. Os sons se misturam e é difícil escolher o que seguir. Nos quatro cantos “A Mulher da Tarde” parecia ensandecida. Rodava os gigantescos braços e fazia acrobacias enlouquecidas. Os cabelos louros se movimentavam ao vento mas não escondia o sorriso malicioso.

De repente um movimento brusco pareceu acuar a multidão. Era preciso abrir passagem para os bonecos gigantes. Em fila indiana chegava o John Travolta acompanhado pela Mulher de Sombrinha, Selma do Coco, o Taxista, o Turista, Silvio Santos, o Pirata, e tantos outros símbolos da nossa cultura. Na Rua do Amparo o movimento era compacto e revelava que a cidade antiga se tornou pequena para tanta gente. Depois de hora em folia, nada melhor do que a “Tapioca da Paula”, no Alto da Sé. E lá de cima, o samba ocupou espaço, mas também tinha axé baiano, porque aqui é assim: carnaval multicultural. Misturam-se não só os ritmos, mas as raças e crenças. Não só as cores, mas as peles. Não só os blocos e grupos, mas as bocas e corpos. Não só classes sociais, mas as ideologias e partidos. Não só os gêneros, mas as orientações e desorientações sexuais. Pois que temos um carnaval de possibilidades democráticas e da pluralidade. Talvez por isso quatro dias não nos bastem. E não bastam. E disso todos sabem. E isto é fato.



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