segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CARNAVAL 2012 - O EROTISMO DOS "CAFUSUS" E DAS "RARIÚS"

I LOVE CAFUSU - 2011


BAILE DE GALA I LOVE CAFUÇÚ - O FINO DO BREGA

Sexta-feira, 10 de fevereiro. A noite começa e já estamos prontos. Destino, Clube Internacional do Recife, que pelo segundo ano consecutivo recebe o “Baile de Gala I Love Cafusu”, uma das prévias carnavalesca mais irreverente de Pernambuco. É noite de brega e o mote é a cafonice desenfreada. Roupas extravagantes, maquiagem exagerada, adereços que remontam o passado e fora de moda completam as indumentárias dos legítimos Cafusus e das Rariús. Um taxi nos leva a pracinha em frente ao clube. Milhares de pessoas se espremem invadindo as ruas. As “piriguetes” desfilam em vestidos curtos e apertados. Os “cafusus” usam paletós, jalecos ou camisas com estampas quadriculadas e calças de listras, com óculos escuros. A alegria toma conta do bairro que fica a poucos quilômetros do grande centro. De dentro do clube vem o som que comanda a festa. Uma banda de brega faz sua apresentação evocando hits mais famosos do momento. A festa se prolongará pela noite e só terminará com o raiar do sol. Uma semana para a abertura oficial do carnaval e Recife está repleto de opções para quem deseja se divertir.

Há algum tempo atrás o baile acontecia na sede do Preto Velho, no Alto da Sé, em Olinda, espaço necessário para congregar o pequeno número de adeptos da cafonice. Como tudo que é bom no carnaval pernambucano, o bloco se consolidou, caiu no gosto popular e se transformou em baile tradicional, aguardado com ansiedade pelos foliões. Transferido para o Armazém 14, no Bairro Antigo do Recife, aos poucos se transformou em mega produção. Dois anos foram o suficiente para constatar a necessidade de maior espaço físico para aglomerar tanta gente. Em 2011, invadiu o já declinado Clube Internacional, com grande show do baiano e sessentão Luiz Caldas – o fino do fino do brega. Em sua esteira vieram “Tiêtas” e “Perpétuas”, que junto a evangélicas, aluninhas e professoras dos antigos colégios e reformatórios brincaram aos ritmos frenéticos e de gosto duvidoso, que hoje se transformou em “cult”, e por isso consumido em larga escala pela burguesia. Assim, se mostrar brega e cafona virou moda, pelo menos nesta noite.

Para se entender melhor que do estamos falando, é preciso saber que não existe significado exato para a palavra “Cafusu”, e muito menos para “Rariú”. No dicionário Aurélio, a palavra grifada com “Ç”, assume sentido no popular nordestino para designar “indivíduo grosseiro, inábil, roceiro asselvajado”. Na cultura popular, ou seja, no cotidiano recifense, cafuçu faz referência direta a um estilo de vida, comumente ligado aos moradores das periferias, ou favelas. Neste aspecto, desconsideram-se os recortes de raça/etnia ou credo, para consolidar o recorte de gênero. Cafuçu é macho. E macho grosso, daqueles que não chora e nem manda flores. É o estereótipo do homem primitivo, sem maneirismo, logo não afeminado. Uma espécie de “retrôssexual” [em oposição ao “metrossexual”], que usa camisa aberta, de preferência mostrando o peitoral cabeludo; grossas correntes que adornam pescoços suados; pente no bolso da calça; e logicamente, espelhinho com foto de mulher nua no verso. Ah, cafuçu que se presa cospe no chão, fala grosso e coça o ovo [até porque cafuçu não tem testículos, tem “cunhão”]. Brincadeiras a parte, o cafuçu faz parte do imaginário local e torna-se, em certa medida, objeto de desejo de muitas mulheres e gays pernambucanos. No universo do mercado homoerótico recifense, por exemplo, este espécime de homem primitivo chega a ser rotulado como um sonho de consumo, pelo qual, muitas vezes, o cliente pagará mais caro. Principalmente por representar virilidade, malandragem, e consequentemente posicionamento ativo durante o coito sexual.

Em contraposição, a palavra “Rariú” é uma derivação direta da expressão “How Are You”. Assim, como “For All” aqui se transformou em “Forró”, a saudação inglesa/americana se transformou em “Rariú”. Assim, passou a designar uma espécie de mulher que ama e corteja o cafuçu. Na verdade é a sua versão feminina, demarcando bem as questões de gênero. Na atualidade, Rariú também se tornou sinônimo de “piriguete”, que designa uma espécie de mulher que quer se da bem, principalmente indo para “os esteites” ou “prá zoropa”. Sua indumentária faz referencia direta aos trajes utilizados por prostitutas e travestis. Calças justas e brilhosas, de preferência “passando cartão” ou “queimando arroz” para salientar as nádegas [aqui chamadas de bunda]; saias curtas, de preferência imitando pele de onça ou zebra, com muito babado, para mostrar a calcinha; batom muito vermelho e maquiagem pesada. Para completar o figurino é preciso acessórios grandes e coloridos, no melhor estilo espalhafatoso e unas vermelhas. Também é comum que usem blusas curtas ou tops para revelar a barriguinha, normalmente sobressalente, e se possível com um pincem no umbigo. Isso sem esquecer as meias arrastão e sapatos com salto alto. Apesar da incorporação atual, acho que “piriguete” e “rariús” são categorias diferentes. Enquanto uma é sedutoramente fêmea, a outra á baixa em conduta e comportamentos nada clássicos, beirando a apelação. Mas enfim, estamos falando de carnaval ou de categorias identitárias?

I LOVE CAFUSU - 2012
Neste ano, como sempre, na entrada do clube vários corações em pele de onça davam o tom da decoração. Difícil era encontrar lugar para colocar os pés, sem os quais não se freva. O Internacional estava superlotado das tradicionais Raríús [ou melhor, em sua maioria piriguetes] e Cafuçús. De repente um vendedor de água passa com uma garrafa nos ombros. Não é imprevisto, é fantasia, assim como são as dos vendedores de picolés, os motoristas e cobradores de ônibus, ou o homem do gás. O jeito de ser do cafuçu é isso. Representação máxima de uma estética adotada pela camada popular. É digamos o pobre querendo se mostrar chique, guiados por uma tendência ditada pelos abastados. Esse é o tom da irreverência do baile, que com o crescimento espantoso vem perdendo sua essência para dar espaço a uma mistura alheia as tradições. E neste sentido, este ano o Baile de Gala I Love Cafusu [grifado com S] perdeu em magia e encanto. Observa-se, por exemplo, que a beleza a cada versão tem se mostrado mais alva. E vale salientar que não é truque de maquiagem. É a cor da burguesia, que ao menos uma vez no ano brinca de ser pobre. Satiriza-se o estilo de vida dos que vivem as margens. O que não deixa de ser interessante. Contudo, estes não frequentam mais o baile como antigamente.

Apesar da periferia se tornar alvo de reverencia, não se faz representar em concretude. Pelo menos a meu ver. E as diferenças de classe na verdade inexistem. Tudo não passa de fantasia, até porque o ingresso no valor de R$ 60,00 [antecipado], por si já estabelece critérios de acesso. E o que deveria ser inclusão através da sátira se transforma em engodo excludente. Como o bloco não sai às ruas, os originais e periféricos foliões situam-se na frente do clube vendendo bebidas e comidas aos “imitões”. O baile em si continua interessante e divertido, porém talvez precise rever algumas questões de logística mercadológica. Este ano os ingressos acabaram rapidamente. Os promocionais, destinados a estudantes, ficaram igual a pé de cobra: “quem ver morre”! A grande quantidade de gente impedia a diversão, pois que não sobravam espaços e o calor se tornou quase insuportável. A bebida estava quente. E neste ponto é bom lembrar que cerveja não é café. Além disso, destaca-se a péssima opção pela marca, que ao custo de R$ 4,00 não correspondia em qualidade aos investimentos necessários para acessar o baile. Fora isso, “Proibida” mesmo deveria ser sua condição de venda, devido à ressaca e azia que provoca no dia seguinte.

Quanto à programação, a escolha do Rei Reginaldo Rossi não é menos valiosa do que os astros das versões anteriores. Afinal de contas, é o clássico de brega muito antes do estilo musical se transformar em mídia fácil. Contudo, o show foi prá lá de decepcionante, não contagiando a multidão. O brilho da noite parece ter ficado mesmo por conta da Banda Kitara [“prá te matar de paixão...”] e do Sambão do Preto Velho [que não cheguei a ver devido ao mal estar provocado pela cerveja quente que deveria ser “proibida”]. De qualquer forma, valeu pela irreverência e quantidade de gente bonita, em fantasias prá lá de brega e sedutoras. Afinal de contas, carnaval de Recife também é isso: contradição das mega-produções de ideologias mais financeiras que culturais.

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