quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

CARNAVAL 2012 - "SACO VAZIO NÃO SE PÕE EM PÉ"

CARNAVAL 2012


E ERA SÓ ISSO: Um Outro Ângulo do Carnaval Pernambucano.

No Marco Zero, em meio à multidão o vi passar. Parecia um vulto sem rosto. Não lhe vi os olhos. Também não me viu. Era pequeno e apressado, camuflado no escuro da noite. Curvado, corria pernas aos solavancos. Pernas frenéticas e alheias que comandavam seus passos. Mas o seu passo não era de frevo. Sim, havia fantasias, mas estas não lhe caberiam nem mesmo no carnaval. Sim, havia brincadeiras, mas não era hora de criança. Mesmo assim estava lá. E eu também estava. Como estavam milhares de foliões. Sim, havia música, mas estas não ninavam seus sonhos. Sim, havia cores, mas acima das altas cabeças, e por isso inacessíveis.

Cabisbaixo, se muito, ele alcançava joelhos. E eram muitos. E era só isso. Um menino e milhares de joelhos eufóricos. Suas mãos deslizavam habilidosamente abaixo de pés saltitantes. E eram pés ferozes que pareciam brincar de esconde-esconde. Mas ele não brincava em serviço. Com destreza enchia um saco de estopa com latas. E eram muitas latas. Amassadas como a vida de muitos. Descartadas como a vida de tantos. E eram muitas. E era só isso. Um menino e uma penca de latas vazias. Uma penca de meninos de vidas vazias. Uma penca de meninos vazios de vida.

Encurvado, não era maior que o saco. Um menino e um saco em meio à multidão de pernas cheias de fogo. E era só isso. Um menino com o saco cheio. Uma criança de saco cheio. Como milhares de outras que se espalharam entre os blocos, mas que contraditoriamente não brincaram nas troças. E eram milhares de crianças catando troços. Alvo das algazarras. Vitimas de gracejos. E eram muitas. E era só isso. Uma criança arrastando um saco vazio de esperanças. Um saco transbordante de lixo alheio. Crianças sem sacos. Cansadas na noite. Esgotadas pela noite. Perdidas em noites sem sonos.

Arqueado, se agarrava a um saco sujo como seu corpo. Um saco cheio de esgotos. E era só isso. Uma criança arrastando um saco cheio de medos. Crianças e sacos. Crianças sacos incomodando pernas eufóricas. Trombando joelhos agudos. Lambendo cochas suadas. Roçando os sexos alheios. E era só isso. Crianças expostas e de sacos à mostra. Sacos abertos como a boca da noite. Crianças com bocas abertas à noite. De bocas abertas ao nada. Sacos destituídos de respeito e dignidade, desviando dos tropeços. Abaixo das gargalhadas. Abaixo do povo. Abaixo de tudo e sem direito a nada.

Envergado, colidiu em pernas bambas e felizes. Chocou-se em virilhas e braguilhas salientes. Aspirou flatulências alheias. E era só isso. Um menino puxando um saco cheio de restos. Lambendo o piso público. Brigando com pés descuidados. Sim, havia festa, mas de baixo não se via. De baixo não se vê além de bundas sacolejantes. Além de sarros desejosos. De malícias cabíveis, mas impróprias as crianças. Embaixo, o submundo e os fundos alheios. E era só isso. Um menino de fundos pro mundo. De fundos para a noite. Meninos e sacos sem fundos. Respirando sujeiras. Engolindo sobras.

Erguido, eu vi blocos de gente cantante ao som da Elba. Elevado, vi um menino preso a um saco. Apressado ele não me viu. Não viu ninguém. Não viu nada. Sim, havia folia, mas seus olhos não alcançaram. Não havia tempo. Não haveria chances. E de baixo ele não viu além de partes. Partes de corpos, parte da festa, parte do nada. Como as partes que recolhe vazia. Do alto eu vi o carnaval passar. E ele que é apenas uma criança, contraditoriamente não viu. E era só isso. Um menino carregando um saco maior que ele. Um saco vazio de festas, fantasias e alegrias. E não sei quem era mais vazio naquele momento: o menino, o saco ou meu ânimo que evaporou como o frevo que alienou multidões.

Como um bicho acuado, ele passou entre pernas serelepes. Poucos viram, pois que não havia fantasias. Poucos perceberam, pois que não havia belezas. Poucos se aperceberam de tal situação indigna, pois que era folia. E era só isso. Um menino empunhando um saco vazio de confetes e serpentinas. Um menino sem carnaval. Como em todos os carnavais do Recife. Só isso!

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