DAS FRIAS RUAS DA EUROPA AS QUENTES MAZELAS DE RECIFE.
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LA FONTANA DE TREVI - ITÁLIA |
Esta semana a imprensa destacou as consequências das baixas temperaturas, que chegaram a menos 30 graus centígrados e assolaram a Europa. Por sua vez, do outro lado do Oceano Atlântico enfrentamos temperaturas acima dos 30 graus e também nos tornamos notícias. Frio ou calor? Inverso ou verão? Se os europeus entram no período de hibernação involuntária, nós entramos no período de ferveção que mexe com o imaginário popular. É que Baco, deus do vinho e que adora uma festa se aproxima e reivindica as ruas. Invade as cidades pernambucanas perpetuando seu reinado. Sim, nós também temos reis e rainhas, príncipes e princesas, condes, duquesas. E ainda temos calungas porque nossas raízes não são apenas de peles alvas, mas negras e indígenas. Somos mestiços. Nossa pele e nossa cultura são marcadas pelo sol.
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CENTRO HISTÓRICO DE VERONA - ITÁLIA |
Mas se engana quem pensa que nossas ruas estão repletas apenas de blocos carnavalescos. Não! Nós temos maracatus, mas temos também mendigos. Temos sambistas e fanfarrões, mas também miseráveis que se espalham pela cidade. E sim, nós temos festas e muita alegria neste período de farra momesca, mas acima de tudo, temos muita fome, inanição e doenças. Somos por natureza e característica uma cidade antagonicamente desleal durante os trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Assim, posso dizer que conhecer a Europa, ou melhor, pequena parte desta, me possibilitou refletir sobre a população em situação de rua enquanto fenômeno universal. Dizem que as diferenças de classes sustentam a ordem mundial. Digo, porém, que a desigualdade aliena almas e mutila vidas. É fato que a crise econômica que desestabiliza a União Européia é algo novo no cenário mundial, mas nossa crise social, que perpetua desigualdades não. Talvez os europeus possam aprender um pouco conosco, pois que temos como estratégia infalível a tática do “deixa prá lá que as coisas se resolvem por si mesmas”. Se na Europa pessoas estão morrendo nas ruas geladas, aqui, recifenses morrem em ruas que mais parecem fornalhas. Não sei se o inferno é demasiadamente quente ou frio, mas o infortúnio parece o mesmo, independente de localizações geográficas. Pensando melhor talvez nem possamos ajudar muito, por não ter o que realmente ensinar, a não ser a prática da omissão. Afinal de contas temos séculos de experiência em crise econômica e nunca resolvemos a situação dos excluídos e miseráveis que ocupam nossas margens. O melhor seria retirar de nossa experiência o que não fazer. Poderíamos então servir como exemplo, pois que somos referência em descaso e desapreço.
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VENEZA - ITÁLIA |
Se a população em situação de rua em cidades como Roma, Verona, París, Londres ou Lisboa, em maior e evidente quantitativo, chama a atenção, nas do Recife parece não mais despertar cuidado e muito menos reflexão. É que infelizmente nos acostumamos e naturalizamos a desigualdade e a injustiça como regra da boa convivência. Já transformamos a miséria em cartão postal e até a exibimos como exemplos do que não se deseja, onde homens, mulheres, crianças e idosos são transformados em restos ou resíduos da sociedade. Tanto que a Avenida Conde da Boa Vista está repleta de meninos, meninas, mulheres e homens abandonados ao acaso, assim como também estão a Avenida Manoel Borba, a Rua da Aurora, Rua Sete de Setembro, Rua da União, Rua do Riachuelo, Avenida Dantas Barreto, Avenida Guararapes, bem como a Praça Maciel Pinheiro, a pracinha da Soledade, a Praça Joaquim Nabuco e o Parque Treze de Maio. Se a Europa esbanja beleza e organização social como atrativos turísticos, em oposição podemos oferecer a barbárie e a selvageria como forma de sedução. A noite na Rua da Imperatriz, por exemplo, assume ares dantescos, onde famílias se amontoam embaixo de marquises, nas calçadas e entradas de lojas comerciais. No Recife, um beco, uma escadaria, um gramado, um canteiro, uma carroça, um papelão velho, tudo serve para proteger a carne e diminuir os impactos da terra fria e indiferente sobre corpos indigentes e agonizantes. E se já estimulamos o turismo sexual, quem sabe não agregamos valor comercial vendendo também o turismo da miserabilidade?
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CENTRO HISTÓRICO DE LONDRES - REINO UNIDO DA INGLATERRA |
Nossa vantagem é que não dependeríamos das estações do ano, como eles, pois que com chuva ou sol será sempre possível presenciar restos humanos se arrastando pelas ruas e principais vias de acesso do Recife. Poderíamos até credenciar empresas especializadas, no melhor estilo europeu, para transportar turistas em cômodos ônibus refrigerados pelos principais trechos da cidade. É lógico que o Rio de Janeiro já oferece algo parecido, mas restrito a determinadas favelas. Mas nós ganharíamos em extensão e variedade. Partindo do Marco Zero, seguiríamos pelo Cais do Porto para ver a Comunidade do Pilar. Pela Ponte do Limoeiro, local adequado para se prestigiar a exploração sexual de crianças e adolescentes se entraria pela Avenida Artur de Lima Cavalcanti e chegaríamos a Praça do Onze, na Comunidade de Santo Amaro, por onde andam meninos nus e descalços. Pela Avenida Agamenon Magalhães os turistas poderiam verificar a quantidade de crianças que nos semáforos limpam os pára-brisas dos carros e fazem acrobacias no trânsito, além das várias famílias que utilizam a via para expor bebês recenascidos em troca de algumas moedas. Isso sem considerar os zumbis alimentados pelo crack que perambulam e assombram as margens do canal imundo. Pela Rua Fernandes Vieira atingiríamos a Praça do Parnamirim para ver como famílias desassistidas lavam e estendem as roupas de uso e fazem as refeições no melhor estilo piquenique.
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CENTRO DE LONDRES |
O ponto alto seria a Rua Oliveira Lima, que se emenda com a Rua do Riachuelo. Nas duas pracinhas localizadas no pequeno trecho poder-se-ia ver meninas e meninos em situação de prostituição, tráfico e uso de drogas e/ou cometendo pequenos delitos. Em frente à Faculdade de Direito, espécimes não raros vagueiam perdidas durante todo o dia. Ao desembocar na Rua da Aurora, bêbados dormem prestes a cair no rio e desaguar no mar. Pela Ponte Princesa Isabel chega-se a Rua do Sol que forma a margem contrária do Rio Capibaribe. Nela, em frente ao Edifício dos Correios a exploração do trabalho infantil seria o foco. Também tem crianças dormindo junto a cachorros sarnentos e mal cheirosos. Atravessando a Avenida Guararapes, abaixo das marquises do velho Trianon veríamos prostituição, assaltos e milhares de crianças que fazem das carroças confortáveis berços a que nunca tiveram direito. Praça Joaquim Nabuco, território da clandestinidade, repleto de prostitutas, prostitutos, travestis e cafetões, além de crianças e adolescentes perdidos em drogas, que também rodeiam a Casa da Cultura. Mais uma bela e histórica ponte descuidada dá caminho ao Cais José Mariano, onde se instala o famoso bem-me-quer. A rua escura não esconde pessoas e muito menos órgãos sexuais a serviço. Da Ponte de Ferro, que tem nome de imperador, até a Ponte Duarte Coelho mais pessoas em sonos insólitos as margens do rio.
Mas antes de seguir viagem vale uma olhadela na Avenida Conde da Boa Vista que nos revelará sujeira, animais e gente que se misturam em calçadas mal conservadas. Por sorte poderíamos presenciar uma das comuns batalhas que se trava entre torcedores ensandecidos e policiais não menos desorientados, em dias de clássico. O espetáculo com direito a pancadarias, balas de borracha e, em algumas vezes, com farta cortina de spray de pimenta levarias os turistas ao êxtase. Uma parada programada poderia servir para alimentar as câmeras havidas por novidades do submundo. Uma espécie de experiência única se daria se pudessem presenciar a distribuição da sopa da misericórdia realizada pelos religiosos de plantão. Talvez pudessem distribuir esmolas para apreender o sentido da gratidão e da solidariedade. Talvez o guia pudesse destacar nossa tendência a reciclagem ao transformarmos papelão em colchões e jornais velhos em lençóis.
Por fim voltaríamos ao Marco Zero, no bairro antigo, onde blocos de carnaval desfilariam pelas ruas de pedras e casarios históricos. Seria o contraponto entre a exuberância e a falta de brilho de uma vida nua e crua que também invade as ruas. Sem dúvida nenhuma os europeus adorariam a experiência e levariam para casa algumas idéias interessantes e viáveis para enfrentar a crise econômica que aos poucos aumenta seus contingentes de desassistidos, que como os nossos, buscam nas ruas frias novas possibilidades de sobrevivência. Quem sabe até eles não inventam um carnaval como o nosso, e assim aprendem a brincar e a ri da miséria e das próprias desgraças, como fazemos em Recife? Por via das dúvidas, melhor seria patentear a idéia. Será?
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PRAÇA DA FIGUEIRA - LISBOA |
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PRAÇA DE FIGUEIRA - LISBOA |
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PRAÇA DO COMERCIO - LISBOA/PORTUGAL |
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PRAÇA DO ROSSIO - LISBOA/PORTUGAL |
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AVENIDA MAIS CARA E FAMOSA DE PARÍS - FRANÇA |
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