quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

VIAGEM AO VELHO MUNDO EM 20 DIAS - Capítulo V

FLORENÇA - A CIDADE DE DAVI DE MICHELANGELO

Restaurant Le giubbe Rosse na Piazza della Signoria

Dia 24 de dezembro. Véspera de natal e nenhum sinal das festividades que tradicionalmente nos acostumamos a vivenciar. Não tinha como não estranhar a ausência dos seus principais símbolos comemorativos no país onde se encontra instalada a Cidade do Vaticano, base católica do cristianismo. Não havia árvores enfeitadas pelas cidades italianas que passamos. Estávamos em Roma, a caminho de Florença e o dia parecia comum, exceto pela intensa névoa que se espalhava a nossa frente. Mais uma vez o frio atormentaria nossos corpos. A temperatura beirava 0º e nossos pés pareciam molhados. Nosso ônibus agora deslizava cuidadosamente pelas estradas molhadas, mas não havia imprevistos. Aliás, as estradas da velha Europa mantêm-se conservadas e sinalizadas revelando que é possível a adequada aplicação do dinheiro público em benefício da própria sociedade. Do lado de fora os campos pareciam suados, com árvores frondosas gotejando orvalho. Uma breve parada e um café quente nos reanimariam os ânimos. Mas a grama estava endurecida, encoberta por uma camada fina de gelo. Era o primeiro sinal de que a neve estava próxima. Contudo, apesar do cenário belamente bucólico nada evidenciava alegria ou a agitação a que estamos acostumados durante o período natalino. As pessoas pareciam apressadas em suas compras corriqueiras e refeições comuns. Não havia panetones, perus, champagne. Ninguém parecia preocupado em levar para casa presentes ou pequenas lembrancinhas. Neste momento percebi como a diferença cultural causa certo estranhamento e incomodo.

Os Caminhos Gelados de Florença
Mais algum tempo na estrada e finalmente chegamos ao maior município da Região da Toscana, Florença, também conhecida como Firenze em italiano legítimo. A cidade foi durante muito tempo considerada a capital da moda, que tornou-se famosa por ser a terra natal de Dante Alighieri, autor do clássico da literatura universal “Divina Comédia”. Impossível andar pelas ruas de Florença e não se admirar com a arquitetura de seus tradicionais monumentos e casarios históricos. Considerada uma das cidades mais lindas do mundo, se destaca como berço do Renascimento. Sua origem remonta ao antigo povoado etrusco [natural da Etrúria, antiga Itália]. Foi durante séculos governada pelos Médicis, família a que pertenceu Cosme - o velho, que assumiu o poder em 1437. Protetor dos judeus, durante os anos de governo iniciou e estabeleceu longa relação com a comunidade judaica que se instalou na região. Entre os principais monumentos destacam-se a suntuosa Sinagoga de Florença, mais conhecida como Templo Maggiore, considerada uma das mais belas construções da Europa; a Catedral de Florença Santa Maria Del Fiore; o Palácio Velho, conhecido como Palazzo degli Uffizi; o Palácio Pitti; Palazzo Strozzi, a ponte velha, chamada de Ponte Vecchio e a igreja de Santa Maria Novella.


Afresco no Teto da Catedral de Florença

Na Catedral entra-se em silencio absoluto, assim como na Igreja de Santa Maria Novella, prédio histórico onde funcionava o antigo mercado público. No teto pinturas em afresco revela a grandiosidade e genialidade dos famosos pintores italianos. Neste sentido, vale destacar que as pinturas em afrescos são feitas em gesso ainda úmido, possibilitando maior aderência das tintas. Em cada rua, cada beco, canto ou recanto da cidade a arte se faz presente através das grandes obras dos mestres Michelangelo, Leonardo da Vinci, Giotto, Botticelli, Rafael Sanzio, Donatello e muitos outros. De um lado da cidade, uma grande ponte em arco medieval atravessa o Rio Arno, que corta a cidade, interligando um antigo castelo real ao mosteiro histórico. Segundo a tradição local tal estratégia foi utilizada para que a realeza freqüentasse as missas dominicais sem precisar se misturar ao povo. Assim, a famosa ponte Vecchio estende-se elevada sobre parte da cidade. Ao longo do tempo a ponte ficou famosa por possuir grande quantidade de lojas, principalmente as ourivesarias e joalharias, ao longo de todo o tabuleiro. Outra tradição que se consolidou com o tempo foi o ato de se colocar cadeados no gradeamento em torno da Estátua de Benvenutto Cellini e jogar as chaves no rio como forma de ligar o amor dos amantes.



Estátua de Benvenutto Cellini
No pátio do mosteiro esculturas com preciosismo de detalhes se espalham pelos quatro cantos revelando a pompa e influencia da igreja católica sobre a cidade de origem dos papas Leão X, clemente VII, Clemente VIII, Leão XI, Urbano VIII e Clemente XII. Diante dos principais monumentos, a grande Piazza della Signoria [Praça da Senhoria], em frente ao Palazzo Vecchio, abre espaço a esculturas reconhecidas mundialmente pelo alto valor artistico, entre as quais, a famosa Davi, de Michelangelo. A estátua original é confeccionada em mármore e possui 5 metros e 15 centímetros. Escolhida como símbolo máximo da República de Florença, passou três anos, de 1501 a 1504 para ficar pronta. Na obra, Michelangelo se utilizou do realismo do corpo nu e do predomínio das linhas curvas para retratar Davi no momento anterior a batalha com Golias, ou seja, no momento em que se preparava para enfrentar uma força que todos julgavam impossível de ser vencida. A famosa estátua de Davi permaneceu instalada em frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria até 1873, até ser transferida para a galleria dell´Accademia onde se encontra atualmente.

Davi de Michelangelo

Pelo centro histórico lojas modernas se alinham a arquitetura local evidenciando o respeito à tradição de um povo. O frio parece molhar as velhas ruas em pedra e a densa névoa emprega a cidade um charme que combina perfeitamente com seu estilo. A noite parece mais longa durante o inverno de Florença, espalhando o breu sobre uma cidade cuidadosamente iluminada. Suas ruas são calmas e parece disertas neste período do ano, o que a certo modo provoca medo e hesitação para quem se acostumou com a violência urbana comum as metrópoles brasileiras.



Normando Viana na Ponte Vecchio - Florença


O ônibus nos leva ao hotel nos arredores de Florença. E lá o papai Noel também não apareceu. Nenhum sinal do natal na terra dos antigos e rigorosos Papas. Os sinos das tradicionais e históricas catedrais permaneceram silenciosos. As residências e lojas não estavam iluminadas a rigor. Nos canais de TV não havia grandes referencias e nem programações especiais. Não havia se quer os tradicionais e já manjados filmes de conteúdo bíblico. Apenas um dia como outro qualquer, fantástico e cheio de novidades para os turistas, mas comum aos italianos de modo geral. Confirmo então o que já sabia: o natal não é universal como pensei durante muitos anos. Reflito então sobre o porquê de não nos ensinarem as coisas de forma completa e verdadeira durante a infância. Nossa educação não nos permite escolhas e muito menos incentiva construções a partir de interpretações próprias sobre determinados fatos. Apesar de agradecidos pela possibilidade de me ausentar dos velhos e bregas shows natalinos da TV Globo e companhia, e logicamente, das lamuriosas e ultrapassadas canções dos famigerados e oportunistas cantores meramente capitalistas, pela primeira vez na vida o natal me fez falta. Não pela festa em si, e muito menos por seu significado religioso, mas pela distancia de nossa própria cultura. Acho que na verdade senti falta de um Brasil mais verdadeiro em dignidade e garantia de direitos, coisas comuns e aparentemente fundamentais na Europa, ainda que afundada em grande crise econômica.


O Poder Público a Serviço do Povo nas Ruas de Florença
 
Final de noite. Recepção vazia, restaurante do hotel fechado, silêncio absoluto. Sem sombras de dúvidas o trenó do Papai Noel não sobrevoou os ares de Florença naquela noite. Como todo bom brasileiro, hora de colocar o plano B em ação. Protegidos por casacos sobrepostos, devido à baixíssima temperatura local, apressadamente atravessamos as ruas rumo ao hotel mais próximo. Mesas cobertas por toalhas brancas proporcionavam sobriedade ao restaurante. Uma legítima pasta italiana acompanhada de vinho regional completaria nossa ceia. Conversas animadas sobre as novidades, impressões pessoais e diferenças culturais nos levariam aos risos. Porém, naquela noite de um natal inesquecível descobriria nos olhos do meu companheiro de viagem que a saudade brasileira também se torna luminosamente verde quando estamos longe. Enquanto isso, na mesa ao lado uma família não latina jantava indiferente. Mesmo assim, para não perder o hábito ou para nos sentir mais confortáveis desejamos Feliz Natal aos poucos funcionários dos hotéis e dormimos em paz.



A Saudade Brasileira é Luminosamente verde



Próxima parada, Veneza!


Rio Arno Corta a Cidade de Florença

A Fria Manhã de Florença

Hécules e Caco - Obra de Baccio Bandenelli
Frente do Palazzo Vecchio






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