quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O RECIFE QUE NÃO SE MOSTRA


UM RECIFE QUE NINGUÉM VÊ

Com uma câmera na mão e uma idéia em mente resolvi me aventurar pelas ruas do Recife. Era manhã quando iniciei minha jornada, que só findou com noite de lua, quando em fim resolvi retornar para casa. E confesso que meu cansaço se mostrou muito mais emocional do que físico. Durante o dia o sol acorda a cidade, e seus raios parecem avisar que se tem pressa. Porém nem todos se guiam pela mesma lógica, pois que é exatamente a hora de se entregar ao cansaço do sono mal dormido. Somente com o raiar do sol dorme-se vigiado pelo povo, e assim corre-se menos riscos. A noite, não se dorme na rua. É preciso se proteger para manter-se vivo. E dormir para muitos significa tornar-se presa fácil da irracionalidade ou perversão alheia. Afinal de contas, vivemos em um país onde se toca fogo em gente que dorme nas ruas. A dinâmica da violência noturna possibilita invasões de corpos, por outros corpos que buscam ou anseiam por prazer e/ou satisfação erótica. É preciso trocar a noite pelo dia, quando tudo se vê, e por isso, sentir-se ilusoriamente mais protegido.

É a noite a cidade torna-se dourada pela lua que parece anunciar a chegada da primavera. Para muito apenas mais uma estação que revela, sobre tudo, a passagem do tempo que não mais se conta. Quem vive nas ruas não soma ou subtrai os dias, pois que isso cabe a quem tem futuro. São dois tempos, dia e noite; são dois mundos, o público e o privado; que habitam uma mesma cidade. Realidades opostas que cruzam vidas (ou sub-vidas) de crianças, adolescentes, homens, mulheres e idosos. Assim é Recife. Assim são, ou estão, suas ruas.

E talvez por acreditar que as imagens falem mais que simples palavras, ou ainda na tentativa de reforçar meu discurso no sentido da urgência na implementação de políticas públicas mais dignas voltadas a garantia de direitos da população em situação de rua, resolvi mostrar o que as lentes de milhares de câmeras que vigiam a cidade, instaladas como medida de prevenção a violência, não registram. Revelar histórias de vidas que não se contam nos jornais ou revistas. Expor a realidade de pessoas que não são vistas, pois que os olhos sociais estão velados de indiferença e ignorância. E por fim, tentar mostrar um Recife que não se divulga ou se fala, mas pelo contrário, se renega a escuridão das noites e do esquecimento.

Proponho então, a todos, um passeio diferente. Pelo mundo dos diferentes e diferenciados. Recife pelas margens, não de seus rios caudalosos, mas pelas margens sociais que se configuram em retratos vivos de exclusão e negação dos direitos humanos. A todos, prazer, pois como bem diz o slogan da atual administração: "A CIDADE É A GENTE QUE FAZ".

Avenida Conde da Boa Vista, principal corredor do Centro do Recife/2010































Um novo olhar sobre as ruas. Av. Conde da Boa Vista, Centro do Recife/2010.







Praça de Alimentação na Rua José de Alencar, que corta a Av. Conde da Boa Vista - Centro do Recife/2010.




Residências de paredes insólitas e tetos invisíveis que se multiplicam pela Av. Conde da Boa Vista, Centro do Recife/2010.



Inicio do dia para os catadores que invadem a cidade. Av. Agamenom Magalhães, Centro do Recife/2010.


Saída para a Rua da Aurora. O mercado informal se institucionaliza como meio de vida e exploração da força de trabalho humano. Centro do Recife/2010.

Homens de tração animal em dignidades de papel. Centro do Recife/2010.







































Pontes e viadutos que não ligam a lugar nenhum, e onde os asfaltos se tornam vias de exclusão. Viaduto da Av. Norte - Miguel Arraes, sobre a Av. Agamenom Magalhães.Centro do  Recife, 2010.

Caos de misérias ou Cais José Mariano, coreedor que se liga a Rua da Aurora. Recife/2010.




Rua do Sol, onde se dorme no escuro. Saída da Ponte Imperador Pedro I (Ponte de Ferro). Recife/2010.



Rua da Matriz, ao lado da igreja da Rua da Imperatriz. Centro do Recife/2010.


Pátio de Santa Cruz, em frente a Igreja Católica. Centro do Recife/2010.

Casarões assombrados e abandonados que não servem de abrigo, mas se transformam em moradias permanentes. Av. Manoel Borba. Centro do Recife/2010.

A noite vigiada. Rua Dom Bosco, onde se localiza o Batalhão de Polícia. Centro do Recife/2010.





O lixo que se recicla é o mesmo que alimenta. Rua Dom Bosco, ao lado de um grande supermercado. Centro do Recife/2010.

O lixo nosso de cada dia e a fome de cada um. Saída para a Av. Conde da Boa Vista, ao lado de uma Rede de Lanchonetes. Centro do Recife/2010.

A fome que ameaça quem chora a noite. Frente da Rede de Lanchonetes, ao lado da Igreja Prebisteriana, na Av. Conde da Boa Vista. Centro do Recife/2010.











Lixo social ou lixo urbano? O que se joga nas ruas. Parada de ônibus na Av. Conde da Boa Vista. Centro do Recife/2010.

O sono "embalado" pela exclusão social. Av. Conde da Boa Vista, abaixo da marquise de meu prédio. Centro do Recife/2010.

Um dia não termina nunca. Av. Conde da Boa Vista, abaixo de meu prédio. Centro do Recife/2010.


O sono dos justos em territórios de grandes injustiças sociais. Av. Conde da Boa Vista, Centro do Recife/2010.

Ps. Minha dificuldade em lidar com as novas tecnologia, ainda me impede de corrigir e atializar as datas digitais.
FOTOS: Epitacio Nunes - 22.09.2010.




Nenhum comentário:

Postar um comentário