quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A CONSTRUÇÃO DE NOSSOS DEUSES

Vôo Aéreo Sobre São Paulo/2010

Eram os Deuses Astronautas?

O dia amanhece e acordo sobressaltado. A tensão me invade, pois que este será mais um dia de viagem. Certa apreensão seca minha garganta e não sei explicar o motivo. Arrumo as malas enquanto tento evitar um olhar de despedida, mas é sempre inevitável. Fecho a porta e saiu tentando organizar melhor minhas idéias. Chego ao aeroporto e caminho como se cumprisse um trajeto que me levará a condenação. Entro na aeronave, não antes de pedir proteção aos deuses. Criei um ritual, tornei-me neurótico. Tenho que seguir sempre os mesmos passos, como se de tal ato dependesse minha própria sobrevivência. É interessante como nos tornamos maníacos e repetimos comportamentos, muitas vezes fundamentados em superstições ou crendices. Assim, criei meu próprio procedimento de vôo. Estou agora dentro de um equipamento que mal conheço e me sinto engolido por uma máquina que tem poderes maiores que os meus. E isso logicamente representa ameaça.

Relembro ainda do meu primeiro vôo. Foi em um desses aviões pequenos, tipo bi-motor (será que é assim que se chama?). Lembro que suava em bica e uma mistura de ansiedade e euforia me invadia a alma. Chegaria a Petrolina/PE em mais ou menos uma hora, período de tempo relativamente pequeno para tanto pânico. Mas dizem que para morrer basta estar vivo e que apenas um segundo pode mudar toda uma vida. Meu acento ficava sobre as asas e por isso tive a grande e ingrata satisfação de poder visualizar as hélices que giravam incessantemente. Foi uma das experiências mais excitante e aterradora que já vivenciei. A cada instante olhava o circulo formado pelas pás em seus movimentos giratórios. Estavam presas as asas do grande pássaro metálico e produziam um som infernizante que invadiam meus ouvidos e tirava o sossego. Imaginava o que aconteceria se por algum motivo elas parassem. Seria uma queda livre, a não sei quantos metros de altura. E como num simples apagar de luzes minha vida teria se findado.

E aqui estou eu novamente preste a repetir tal experiência. Andando pelo corredor repleto de sorrisos e conversas misturadas, procuro por minha cadeira. Sempre tento evitar as asas, como também os fundos do avião. No primeiro caso porque em casos de emergências não sei se teria condições de contribuir com alguma coisa que favorecesse ações imediatas e precisas; e no segundo, porque imagino que caso o avião se parta ao meio, os fundos cairão primeiro num abismo interminável. Lógico que isso não tem fundamento, mas para nossos medos fundamentação é o que menos importa. Em um dos vôos, por exemplo, que fiz em junho próximo, rumo a São Paulo, só consegui um dos últimos acentos. A tripulação parecia inexperiente e a cada instante deixava cair algo no chão. Assim, talheres, bolsas, objetos pessoais e até uma garrafa de refrigerante caiam em sucessivos momentos, provocando sustos e espantos. A suada da descarga era terrível e as conversas dos comissários de bordo não me deixaram pregar os olhos. Resultado, a partir desse dia em diante resolvi que procuraria cadeiras instaladas entre as asas e os fundos. Não que tal localização seja menos arriscada, mas de qualquer forma me sinto mais seguro e confortável (se é que algum dia já me sentir assim voando).

Encontro finalmente meu lugar, e para sorte minha ela se localiza na janela. Penso então nas maravilhas em poder desfrutar da visão panorâmica e romântica que se tem da terra quando se está suspenso no ar. E digo que é realmente uma experiência incrivelmente válida, pois que nos dá a dimensão do quanto somos pequenos. É interessante também constatar que lá embaixo a vida segue seu rumo normal e as pessoas continuam fazendo as mesmas coisas e mostram-se indiferentes a sua ausência. E pior ainda, ninguém nem se quer percebe ou dá importância ao fato de você está passando sobre suas cabeças. Lá de cima, todos são anônimos. As casas e prédios parecem marionetes entrecortadas por caminhos que interligam cidades e povoados. Fora isso, voar acima das nuvens também te dará a noção exata de um mundo que muitas vezes ignoramos. Um mundo muito maior do que o que vivemos ou estabelecemos como espaço geográfico no qual enquadramos nossas vidas. A imensidão do espaço aéreo parece te mostrar a existência de algo superior, que mesmo não sabendo identificar, explicar ou ainda nomear sabemos que existe.

Busco mais uma vez relaxar e novamente os milhares de pensamentos me invadem. E se um outro avião se chocar com o nosso? Se um pássaro invadir as turbinas? E ainda, se os equipamentos falharem? Ou mesmo, se uma nave espacial pilotada por seres extraterrestres nos interceptarem? Impossível? Não creio, pois sei que na imensidão azulada, a terra é apenas mais um dos milhares de planetas e satélites que parecem perdidos a ermo.

Assim, não faria sentido imaginarmos que se apenas no nosso sistema solar existem nove planetas, como poderia existir vida somente aqui. E não me refiro, logicamente, à vida humana. Pelo menos não nos padrões que criamos para nos reconhecermos. E se hoje conseguimos chegar a planetas que se situam a milhões de anos luz em relação ao nosso, porque outros seres não podem ser tão, ou mais inteligentes que nós para fazer o mesmo? Alguém já leu "Eram os Deuses Astronautas"? Então talvez entendam sobre o que estou falando. Mas o importante é que independente de existirem ou não, a única certeza que tenho é que não pretendo ser abduzido, e muito menos fazer nenhum contato de terceiro grau com eles.

A essas alturas (e logicamente nessas alturas também) as minhas reflexões começam a perder a lógica e misturam-se em temas os mais diversos possíveis. Afinal de contas, são longas e intermináveis horas sem ter muito por fazer. E se conseguimos manter o corpo inerte, o mesmo não se consegue com a mente. Assim talvez precise fazer Yôga, ou quem sabe, aprender as técnicas de meditação com os monges do Tibete. Porém, contudo e toda via, independente de todas essas delongas, entendo e sei que meu medo está diretamente relacionado a tubarões. e logicamente neste momento podem imaginar que enlouquecir de vez. Mas confesso que tenho fobia (existe algum nome para fobia de tubarão?). E claro que vários amigos já me questionaram como um psicólogo não consegue lidar com seus medos. Para estes, saliento apenas que antes de ser psicólogo sou humano como todo mundo. E ainda, que logicamente um tubarão não irá se preocupar em saber minha formação ou área de atuação profissional. Não esqueçam que essas terríveis feras marinhas mordem primeiro para só depois descobrirem que erraram o alvo. Confesso que realmente me incomoda o fato de saber que nem sequer seremos comidos, mas apenas estraçalhados por centenas de dentes afiadamente serrilhados. Mais absurdo ainda é saber que simplesmente seremos cuspidos por um animal que de tão primitivo dilacera e destrói institivamente tudo que ver pela frente. Conforta-me apenas o fato de saber o quanto de irracionalidade existe em seus atos, afinal de contas são apenas animais e não humanos. Considero porém que quanto à irracionalidade primitiva não estamos tão distantes desses assustadores dentuços (alguém discorda?). E ainda penso, que estes são ferozes predadores, nós humanos e seres racionais não nos mostramos tão diferentes assim. Tanto que no topo da escala alimentar nos mostramos bem mais agressivos e destruidores.

Acho que nesse momento é significativo esclarecer que já trabalhei tal conteúdo em terapia, onde descobri que tubarão está ligado simbolicamente a figura de autoridade, e no meu caso se relacionava diretamente a figura de meu pai (com quem logicamente tinha sérias dificuldades). Mas isso é outra história, e para simplificar direi apenas que na terapia desconstruímos a palavra (e o sentido, claro) ao dividi-la e pronunciá-la de várias formas. Chegamos então a “TU-BARÃO”. Assim, TU, segunda pessoa do singular, diretamente se correlaciona ao outro. BARÃO, título de nobreza outorgado a pessoas que tinham posses e poder, determina um lugar de destaque e status social ocupado por outro que não sou eu. Logo, figura de autoridade. E psicanaliticamente falando, para uma criança essa primeira figura se traduzirá nas imagens de seus pais, e no meu caso especificamente no pai (só Freud explica). Deste modo, ser devorado por um tubarão seria apenas uma representação do ato simbólico de ser devorado pelo meu pai, ou ainda, ser aniquilado e subjugado pelo mesmo. Confuso? É simples quando se entende o contexto psicanalítico. A pergunta que talvez se façam ao ler essas sandices será: o resultado da terapia não foi positivo? É certo que não me livrei da fobia, mas passei a entender os motivos correlacionados e originários, o que me possibilita conviver e entender minhas angustias até hoje.

Mas continuando, como os tubarões habitam os mares, nada mais natural do que imaginar que caso o avião caia sobre os oceanos e por um milagre consiga sobreviver, posso ser atacado e devorado (e depois cuspido em pedaços) por um desses admiráveis e temidos peixinhos. Isso é fato. É real. O que mostra que não sofro de esquizofrenia ou quaisquer outros transtornos alucinatórios e/ou psicóticos. Resumindo a ópera, o medo de voar está correlacionado diretamente ao medo que tinha de ser aniquilado pelo que representava meu pai. Loucura? Insensatez? Digo apenas que é preciso acreditar, e neste caso penso que psicoterapia e religião não são muito diferentes. A cura vem pela crença (com focos e filosofias diferentes, logicamente). Sei apenas que até hoje tenho dificuldades com as figuras de autoridades e que sinto-me ameaçado por elas, o que tenho trabalhado em intermináveis reflexões e auto-análises (mas acho que agora acabei “viajando na maionese”, como se dizia antigamente). O importante é que em minha “viagem” real, descubro que não consigo dormir em avião. E isso se dá porque não consigo relaxar, o que é resultado do fato de achar que devo permanecer alerta durante todo o vôo. Sinto-me aterrorizado ao imaginar que algo pode acontecer enquanto esteja dormindo. Como se o fato de estar acordado pudesse mudar a hipotética gravidade da situação em alguma coisa. aí volto a me sentir novamente pequeno e inseguro, fraco e covarde. Rememorizo os maiores riscos que corri e percebo que minha maior aventura foi e é, exatamente, viajar nessas geringonças voadoras. A sensação de me perceber solto no ar me provoca distonia, e confesso, são as horas mais intermináveis e infernais de minha vida.

E dois anos depois estou a refazer o mesmo percurso Recife/Florianópolis - SC, que se torna sempre maior devido às escalas e conexões que surgem como se fossem maravilhosas promoções a que temos direito. É como uma espécie de “plus” em nossa excursão. E o melhor é que quase sempre não somos informados sobre o fato, o que se torna sempre uma surpresa na hora de fazer o “check-in”. E também tem as mudanças de rotas e as situações imprevistas, tais como mudanças de aeronaves por motivos mecânicos e outros mais. Somos sempre tomados de surpresa ao ser informados que nosso destino foi alterado. E se o medo já me consome pelo simples fato de sobrevoar a terra, que significa me tirar do solo (e consequentemente da minha área de conforto), imagina saber que mudaram meu plano de vôo e consequentemente meu destino. Sair do planejado é sempre desconfortável para mim (e esclareço que estou falando de desconforto e não de impossibilidade, afinal não sou uma pessoa tão rígida). Mas o que me incomoda é que nestes casos ficamos a mercê da sorte. Quem irá se responsabilizar caso este novo avião que me impuseram sofrer algum tipo de acidente? E isso não é loucura, pois chama-se probabilidade. E foi assim com uma amiga minha que estava no acidente da Gol (Alguém ainda se lembra? Conhecem alguém que pagou por isso? Viram alguém ser penalizado? Acreditam que dinheiro ou justiça paguem uma vida?).

Fato é que ficamos a deriva, pois que nada nos garante maior segurança ou sucesso da viagem com a troca das aeronaves. Desta forma, fui informado da impossibilidade de seguir meu roteiro original, para o qual logicamente me preparei várias semanas antes (falando psicologicamente, claro). De uma "simples" escala no Rio de Janeiro, tive que fazer uma conexão em Brasília e uma escala em São Paulo, para finalmente seguir para Floripa. Além dos transtornos pessoais e práticos tive um acréscimo de riscos, afinal de contas permaneci por mais tempo suspenso no ar. Alguém pagou por isso? Adiantaria eu reclamar? Teria alguém que pudesse me entender? E neste caso, sem alternativas e ainda com todo esse tempo de sobra resolvi parar e refletir sobre esse medo que sinto.


Engraçado é perceber que nem mesmo consigo explicar tal sentimento (se é que é sentimento e não apenas sensação). Sei apenas que uma tensão paira sobre o ar, a respiração torna-se lenta e pesada, um calafrio sobe pela coluna e chega à cabeça para bombardear minha mente com pensamentos que se traduzem em imagens. Essas, por sua vez, parecem querer me dizer algo como se mostrassem situações para as quais não estou preparado. O pânico se instaura e o corpo começa a reagir como se aquela possibilidade tivesse se tornado real. Por determinados instantes chego a ficar paralisado, talvez pela simples constatação de minha impotência para controlar determinadas situações ou acontecimentos que podem me causar desprazer e sofrimento. É como se me jogassem um balde de água fria, mostrando o quanto presunçoso me tornei ao imaginar poder controlar todas as adversidades e perigos.

Tememos então a morte? Creio que sim, até por acreditar que não nascemos para morrer. E neste sentido me pergunto qual a graça em saber que nascemos, lutamos para sobreviver, fazemos todo um esforço em prol de nosso próprio desenvolvimento, para no fim simplesmente deixarmos de existir? Talvez esse seja um sentimento coletivo, o que justifica nossa incessante busca pela vida eterna. Talvez nosso medo não se refira propriamente à morte, mas sim a possibilidade de inexistir. A morte em si seria apenas um ritual de passagem, o problema consiste (pelo menos a meu ver) no fato de não sabermos para onde essa passagem nos leva. Se é que nos leva para algum canto, ou mesmo tempo, ou ainda dimensão diferente. E talvez por essa incapacidade tenhamos criado o céu. Seria para lá que iríamos após a morte? E acho até que essa seria uma hipótese interessante e consoladora, mas será real? Acho que neste sentido, precisamos inclusive não fazer grandes questionamentos a respeito de sua existência, pois que o céu deve e precisa ser muito melhor para justificar nossas apreensões diante das incertezas. Se questionarmos demais correremos sempre o risco de perder a crença, pois que nada comprova sua existência (alguém conhece uma pessoa que tenha voltado da morte para nos dizer como tudo funciona e para onde vamos realmente?). Fato é, que ao se perder a crença não poderemos mais buscar nos céus a velha idéia da felicidade eterna. E aí penso no quanto contraditório para mim se torna essa idéia, pois que é exatamente nos céus que me sinto mais inseguro, desconfortável e infeliz. Voar para mim tem que ser de preferência num sentido figurativo. Nunca tive o sonho de Ícaro e não pretendo chegar ao sol real.

Questiono assim, para que nos serviria uma felicidade eterna se já somos felizes? E aí nos vem outra grande dúvida. Será que realmente o somos? O que é felicidade? Será que temos realmente consciência sobre o significado da felicidade, ou simplesmente criamos uma palavra para tornar de certa forma palpável o que não pode ser concreto? A necessidade da palavra passa então a se respaldar numa necessidade humana que consiste em conceituar sentimentos, pensamentos, devaneios, sensações e tudo aquilo para o qual não conseguimos respostas. Neste caso, talvez a palavra mais apropriada para conceituar felicidades seja imprecisão. Então a felicidades não são precisas? Mas como pode ser se vivemos num mundo onde a felicidade se tornou obrigação? Não é para satisfazer nossos desejos, que se traduzirá em felicidades, que consumimos todo que seja novidade? Não aprendemos a nos tornar motivados (e até ambiciosos) ao estabelecer parâmetros de realização pessoal através da aquisição de bens? Não é pra isso que acumulamos fortunas? Não é por isso que buscamos a segurança, conforto e estabilidade econômica?

Assim, penso que tais sensações prazerosas não podem ser imprecisas, pois que criamos parâmetros para medir nosso grau de felicidade. Dentro de uma escala, somos sempre muito ou pouco felizes, mas em geral a felicidade é quase um patrimônio da humanidade. Aprendemos desde pequeno a cultuar o medo da infelicidade, e isso nos norteará a vida inteira. Só buscamos a felicidade porque sentimos o inverso. Logo, uma só existe em detrimento da outra. Como saber o que é ser feliz se não conhecermos a infelicidade? Essa não se torna uma regra lógica para tudo na vida? Só conceituamos a morte a partir da definição do que é vida. Só entendemos e codificamos o que é bom a partir das referências, também criadas, sobre o que nos é ruim ou mau. Só aceitamos a compreensão do que é saúde por que conseguimos dar nome ao que se entende por doença. Assim, morte é ausência de vida; doença é oposição a saúde; e infelicidade é apenas o inverso da felicidade. E o medo, o que é finalmente? Será apenas a falta de segurança e concretude?

Sempre me perguntei, por exemplo, como algo tão pesado como um avião consegue voar. Afinal de contas o ato de voar se pauta na certeza de leveza. Logo, algo que não é leve não voa. Confesso que até hoje me surpreendo ao ver imensas aeronaves decolando do chão em alta velocidade rumo aos céus e ao infinito desconhecido. E por mais que me expliquem os mecanismos e procedimentos técnicos, bem como teorias fundamentadas na exatidão da matemática e física (ou demais ciências), continuo sem entender como conseguimos viajar pelo espaço, vagando pela imensidão do cosmo e depois retornar ao ponto de partida. Como sempre fui péssimo em números e cálculos estratosféricos, prefiro reconhecer minha ignorância e simplesmente acreditar na inteligência humana. Afinal de contas, crer na capacidade de respostas do outro também é uma forma de amenizar nosso sofrimento ao identificarmos nossa incompetência no que se refere à inabilidade para encontrar nossas próprias respostas. Tanto que em muitas situações delegamos ao outro a responsabilidade por nossas incertezas. E assim, também parece que aprendemos a “acreditar” na certeza do outro. A crença só existe por que nos é natural a duvida e a incerteza.

E essa crença naquilo ou naquele que não conhecemos, que nos sentimos incapaz de entender, codificar, assimilar, compreender, ou seja, lá a palavra que inventaremos para nos justificar, se pauta na certeza que não somos plenos em conhecimento e sabedoria. Traduzindo, somo seres limitados! Muitas vezes essa mesma crença na capacidade alheia se justifica pela nossa preguiça em raciocinar, ou mesmo, no medo de encontrarmos respostas desconfortáveis. Não será assim para a morte? Não será por isso que criamos o paraíso prometido? Afinal de contas, mesmo não conseguindo explicar a morte, ou ainda suas implicações sobre nossas vidas (ou pós-vidas), não poderemos negar que ela é real. Nascemos sabendo que iremos morrer um dia. O que nos angustia parece então ser o fato de não sabermos quando, como, onde e em que circunstâncias. Vivemos na expectativa do quando será? E penso que essa angustia se pauta no fato de acreditarmos e reconhecermos como injusta tal constatação. Não somos eternos e nada podemos fazer em relação a isso. E se viajar no espaço, ou nos ares, tornou-se tão preciso quanto navegar nos temos de Camões, a vida tem sempre se revelado imprecisa em si e por si mesma.

Essa imprecisão parece justificar o medo que me invade todas as vezes que preciso ou pretendo viajar. Medo que aos poucos vai se transformando em pânico. E mesmo sem querer não consigo parar de pensar que minha vida está nas mãos de pilotos que não conheço, e por tanto não possuo referências quanto as suas experiências e profissionalismos. Sinto-me coagido a uma situação sobre a qual não tenho domínio. Desta forma, não me resta alternativas a não ser entregar-me a própria sorte e apelar aos deuses à clemência e piedade justas a um ser tão indefeso. Porém, mesmo consciente de minha impotência, a cada viagem me pego pensando em todas as possibilidades possíveis para se sobreviver a um acidente aéreo. E é engraçado que em meus devaneios fantasiosos sempre consigo sobreviver. Até porque penso mesmo que não teria graça nenhuma passar por tal experiência sem poder contar detalhes ou expressar opiniões. E isso tem me confortado de certa forma, mesmo sabendo que são apenas devaneios e que tais possibilidades são quase que inexistentes. Talvez pelo simples fato de exercitar um mecanismo de autodefesa e preservação. Uma tentativa de prever o imprevisível, e assim acreditar nas possibilidades de controle, mesmo que utópicos.

Na impossibilidade de me tranquilizar recorro ao destino, tentando mais uma vez acreditar que todos têm um dia e hora certa e marcada para morrer. Nesse novo devaneio tudo funciona como se nossa própria história seguisse um roteiro já traçado e definido. E mesmo sem saber quando será o meu dia, passo a imaginar que será sempre em outro momento, e nunca no que estou vivendo. Então, minha morte será sempre futuro e nunca presente. Viabilizo uma eternidade que me faz consiguir entrar num avião e até aparentar uma calma que não é real. E isso se torna mais fácil se estiver em viagem acompanhado. Afinal de contar deve ser muito triste morrer sozinho. E não penso nisso como egoísmo, mas porque talvez se torne menos penoso fazer a tal “passagem” em companhia de alguém conhecido. Talvez seja mais um mecanismo de defesa, pelo simples fato de saber que a morte é um ato solitário. E mesmo estando em meio a muita gente, fato comum nos vôos, penso que talvez seja mais confortável se este momento for compartilhado com alguém de quem gostamos.

Esses pensamentos logo me trazem outros e começo a divagar sobre o fato de que se existe mesmo um destino traçado para cada pessoa, qual a vantagem do livre arbítrio? Reflito então sobre o quanto me é difícil imaginar que independente do que fizermos teremos sempre o mesmo fim. E que também nossa história segue apenas uma cronologia de fatos sobre os quais não temos autonomia e muito menos poder de decisão. Seria então, como se fossemos pequenos fantoches nas mãos de um deus que se divertiria com a criação e desenrolar de suas histórias. Decido então que não, pois que definitivamente isso seria fantástico demais para uma pessoa que não acredita em destino e muito menos na passividade humana diante de determinados fatos e acontecimentos. Busco justificativas plausíveis para minhas hipóteses e recorro à lógica do desenvolvimento humano. A prova para minhas certezas estaria no fato de termos chegado aqui, ou seja, em pleno século XXI. E assim, prefiro acreditar que somos donos de nossas próprias vidas e que desfrutamos de inteligência e legitimidade para traçar nossas próprias histórias.

Mas independente disso, logicamente não poderemos controlar todas as situações, o que nos leva novamente a certeza da exposição a desfechos imprevisíveis e imagináveis. Então não temos domínio sobre nossas vontades e muito menos sobre nossas vidas? Estamos à mercê novamente do deus cruel que brinca com suas marionetes? Dependemos de seus caprichos e vontades para nos mantermos vivos? Será por isso que temos sido sempre bonzinhos e nos comportado de acordo com o que se costumou julgar como certo? Será por isso que também nunca se quer pensamos em contrariar nossos deuses? Por medo de sofrer as penalidades de sua ira? Não foi isso que aprendemos com as religiões? Ou melhor, não terá sido por isso que as criamos? Não é a mesma repetição da regra que aprendemos em outorgar ao outro, mesmo que desconhecido e invisível, o poder sobre nossas vidas? Não foi para isso que criamos os deuses? Para que possamos em determinadas situações lhes atribuir as responsabilidades sobre nossos “destinos”?

E se estendermos tais reflexões a vida prática, não fazemos o mesmo com nossos políticos? Não lhes entregamos o direito de nos representar e defender nossos direitos, porque de certa forma nos sentimos incapazes de lutar por eles? Será que não nos é mais cômodo criar ídolos? Venerar o outro se torna então mais fácil que venerar a si próprio? De qualquer forma, acho que partimos do principio de que assim corremos menos riscos, afinal de contas se este outro fracassar poderemos criticá-lo e até crucificá-lo. Colocamos então o pescoço do outro na forca e livramos nossas cabeças. E logicamente nos vangloriamos por acreditar que isto é um ato de inteligência e perspicácia. Somos sábios e não burros? Talvez, penso eu. Mas apenas se tivermos sempre em mente a certeza consciente de que tanto os deuses, quanto os ídolos e os politicos nada mais são do que construções socioculturais. São construções e criações nossas, que precisamos perpetuar em nossas culturas para repassar geração após geração.

Então criamos heróis para compensar nossas fragilidades? Seres supremos e superiores, a quem podemos responsabilizar por nossos futuros, erros, acertos, nossas vidas e nossas mortes, para que finalmente encontremos a tão sonhada felicidade. E neste sentido, acredito também nos pilotos enquanto heróis, meio homens, meio máquinas, e por isso, precisos e dignos de confiança. Estes se transformam em deuses astronautas, com poderes para decidir entre a vida e a morte de suas “marionetes passageiros”. Então aconselho que ao entrarem em um avião, apertem o cinto, relaxem e tentem fortalecer suas crenças em seus próprios deuses, pois que eles saberão guiar suas vidas. Eu, por minha vez, confesso que mesmo assim nunca conseguirei deixar de fantasiar uma ultima estratégia como plano de “salvação”. E nestas situações, como nos filmes de minha infância, prefiro acreditar que em casos de emergência e/ou fatalidades o Super-homem chegará a tempo de evitar a catástrofe da minha vida.

Serei salvo por um herói imaginário e fantasioso, mais que representa uma figura de autoridade, tanto quanto os deuses que nos ensinaram a reverenciar e aos quais aprendemos a clamar por clemência e piedade. É fim de vôo, o avião aterriza tranquilamente graças aos deuses, e nestes momentos tenho sempre o pressentimento e a grata sensação de que mais uma vez escapei da morte. E logicamente, e por vários motivos, consigo entender o real significado da felicidade. E esta, para mim, se traduz no ato e fato de estar vivo.

Aeroporto do Rio de Janeiro/2010




Um comentário:

  1. Muito bom mesmo, você conseguiu traduzir em palavras todos estes sentimentos que também são meus! Vou tentar manter a mente bem ocupada enquanto voar, e uma semana antes também!

    Elena, São Luís - MA

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