sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BRASIL - Capítulo II - A Origem dos Quilombos


Blumenau - SC, 2008


QUILOMBO DOS PALMARES - Outra História Que Sua "Tia" Nunca Contou.
Quando criança, sempre que lia em algum livro ou mesmo assistia na televisão filmes ou novelas algo sobre a escravatura, me perguntava porque se os negros eram maioria e trabalhavam armados com facões, enxadas e demais equipamentos de manuseio da cana-de-açúcar não se rebelavam contra os senhores de engenho. Para mim era estranho imaginar que homens fortes e temidos se deixassem acorrentar e subjulgar por outros homens aparentemente mais frágeis. Na verdade nunca entendi como um ser humano era capaz de suportar tanta arbitrariedade e humilhação sem esboçar reação ou lutar contra o sistema de opressão.
Imaginava então o quanto eram burros os negros, e me perdia mesmo imaginando estratégias de fuga ou de confronto. Para mim era fácil acreditar que se todos se reunissem e lutassem contra os mal feitores, logicamente sairiam vitoriosos. Seria como nos antigos filmes de faroeste americano onde os indios expulsavam os brancos invasores. Acho que essa inquietante pergunta, para qual não encontrava respostas em livros e menos ainda nas escolas, me fez desenvolver uma certa angustia em relação a passividade humana diante de situações de opressão. De certa forma, por muito tempo me indignei com o fato dos negros serem naquela época tão passivos. Como podiam, por exemplo, assistir inertes a um de seus membros ser chicoteado até a morte, algemado em um tronco?  Porque não reagir e partir para o ataque?
Hoje penso no quanto fui tolo e no quanto a minha inocência de infância não me permitia entender as coisas e fatos de forma mais ampla. Acredito até que éramos na verdade adestrados para esse fim. Afinal de contas nunca se podia questionar um professor, e muito menos, duvidar de suas informações. É que sou de uma época onde os professores eram autoridades. E depois dos pais e do padre, os professores eram pessoas a quem devíamos obediência cega e irrestrita. E como já dito antes, nas aulas a escravatura era passada como algo quase natural. Era-nos dito que os negros eram inferiores e que biologicamente (ou naturalmente) eram aptos para o trabalho pesado. Assim, de certa forma assimilamos que negro não tinha inteligência e que nunca poderia, por exemplo, ser doutor. Eles eram serviçais, braçais e perigosos, por isso nunca se podia confiar plenamente nos mesmos.
Durante minha infância e adolescência sempre que uma pessoa negra tentava contrariar essa regra e buscava novos espaços, eu ouvia os adultos dizerem que aquele era “um negro metido a gente”. Tinha até um ditado popular muito usado que dizia que “o negro quando não caga na entrada, caga na saída”. Atualmente refletindo sobre o meu passado percebo que se naquela época, quase um século depois da abolição da escravatura, era difícil ao negro se firmar enquanto sujeito de direito, imagina na época da colonização portuguesa.
Achei que era então tempo de buscar por respostas concretas a minha angustiada inquietação sobre a passividade dos negros escravos. E descobri o quanto fui enganado em minha formação. Comecei então a entender o quanto seria difícil que os mesmos, ainda que em maioria pudessem reagir diante de capazes ferozmente armados, quando muitas vezes eram colocados para trabalhar algemados ou presos a grossas correntes, atados uns aos outros e vigiados por homens a cavalo. Pior ainda seria tentar fugir para algum lugar totalmente desconhecido, perseguido até a morte pelos capitães do mato. E mesmo diante de todos esses contratempos e fatores desfavoráveis os negros nunca se mostraram passivos, mas pelo contrário se fortaleceram em movimentos de resistência e luta.
Hoje entendo que se a escravidão perdurou por tanto tempo, em hipótese alguma foi por falta de iniciativa ou coragem dos negros traficados da África, mas porque o sistema de opressão era estrategicamente pensado e elaborado para mantê-los subjugados. Exemplo disso era o fato dos colonizadores espalharem os negros de uma mesma nação por áreas geográficas diferentes e distantes. Assim, membros de um mesmo grupo eram separados ainda nos portos ou mercados de escravos. Com as nações misturadas, tanto a comunicação como as relações eram dificultadas entre os próprios negros, pois apesar da mesma origem continental, as culturas eram diversificadas.
Outro grande exemplo da não inércia ou passividade diante da opressão era o fato histórico (logicamente não valorizado em sala de aula) de que em pleno  século de 1600, existia nos confins dos sertões brasileiro um lugar para todos, chamado Palmares. As autoridades pernambucanas estimavam que em tal quilombo se somava uma população aproximada de três mil pessoas, entre índios, negros e brancos. E suas estimativas eram baseadas nos registros de fugas dos negros escravos, contabilizadas diariamente pelos senhores de engenho.

Neste sentido, na atualidade dispomos de registros e pesquisas onde historiadores, antropólogos e sociólogos e mais uma infinidade de acadêmicos das mais distintas áreas destacam que independente do mito, o Quilombo de Palmares, já naquela época representava uma estrutura alternativa à sociedade colonial. Palmares era na verdade uma rede de cidades, formada por onze povoados, entre os quais, Amaro (com média de cinco mil habitantes e estrutura bastante organizada), Subupira (a 36 Km da capital Macaco), Zumbi, Tabocas, Acotirene, Danbrapanga, Sabalangá, Andalaquituche.
Tinha como capital o povoado de Macaco, localizado na Serra da Barriga, e contava com uma população aproximada de mil e quinhentas pessoas. Havia infraestrutura organizada com oficinas de artesões, igreja para orações e ruas espaçosas. A agricultura era desenvolvida de forma mais avançada que a da colônia. Pois, enquanto esta conhecia apenas a produção da cana de açúcar, nos povoados de Palmares a agricultura se fazia diversificava através das plantações e colheitas de milhos, mandioca, feijão, cana de açúcar, legumes, batatas e frutas. Suas leis regulavam a vida das pessoas, sendo o roubo, o adultério, a deserção e os homicídios punidos com pena de morte, e as decisões mais importantes eram tomadas em assembléias compostas por todos os habitantes adultos de cada cidade integrante do quilombo.
Sabendo então da verdadeira história, ou melhor, da história não oficializada como verdadeira, me surgiu uma outra pergunta, ainda mais complexa e que a meu ver continua em aberto. Quando se originaram os quilombos brasileiros? Assim, alguns teóricos e pesquisadores salientam que até hoje nunca se conseguiu precisar exatamente quando e onde surgiu o primeiro refugio dos negros escravos fugitivos. Alguns até afirmam que sua origem não coincide com a entrada dos primeiros escravos no país, por volta de 1538, e que também não foram originados das raças trazidas da África no primeiro século da descoberta. Para estes, a formação dos quilombos brasileiros só se tornou possível através da associação que o negro efetuou com o índio, vítimas unidas pela resistência a escravidão.
Desta forma, evidencia-se que um século depois de chegarem as terras brasileiras os negros já lideravam os movimentos de resistência e passaram a formar e consolidar os maiores e mais temerosos quilombos que tanta apreensão causavam aos colonos e aos governos. E é importante que se destaque que registros históricos revelam a intensificação da estratégia de controle dos negros, objetivando eliminar movimentos de revoltas e conflitos de guerra que ameaçassem o poder da Coroa Imperial. Temendo a perda do poder e das terras (indevidamente conquistadas, ou melhor invadidas) os colonizadores aumentaram a distribuição dos negros originários de uma mesma raça em localidades e territórios cada vez mais distantes. Foi assim, por exemplo, que os grupos étnicos e numerosas tribos foram espalhados pelas diversas seções regionais da colônia portuguesa.
Neste aspecto, outros historiadores e estudos salientam também que registros históricos mostram que a estratégia de separar as nações africanas se mostrou frustrada, uma vez que os negros Sudaneses concentraram-se na Bahia, ao passo que os negros de origem Banto foram divididos entre os estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Já relativo à fundação de Palmares, alguns estabelecem a data de 1630 como marco para o inicio de seus quilombos constitutivos, que se deu pela entrada e distribuição de negros escravos provenientes de Angola. Estes, pertencentes a tribo “Jagas”,  eram considerados por demais indomáveis e amantes da liberdade, e povoaram por muito tempo as fazendas de Pernambuco e Alagoas.
E como não poderia deixar de ser, me ponho a refletir se o velho sistema de opressão e subjugação de classes e raças, impetradas naquela época, não tem se mostrado extensivo em nossos dias atuais. Afinal de contas, não é o mesmo modelo, logicamente repaginado (ou atualizado) que se configura pela eterna briga entre o proletariado e a burguesia em nossa sociedade pós-moderna? Será que não somos em questão de sistema político, econômico e social, contemporâneos do Brasil colonial? Ou seria sandice demais imaginar que replicamos ainda o velho paradigma classista, estabelecendo os grandes centros urbanos como atualizadas “Casas Grandes”, rodeadas de “Senzalas” e “Quilombos” configurados como “Favelas” que nos circundam nos dias atuais?
Assim, acho que revisitar nossa história oficial talvez nos forneça elementos de extrema significância e importância para se entender nossa estruturação social e cultural na atualidade. Porém, ciente de que mais de quinhentos anos de história não pode ser recontada em poucas linhas, deixo profundas reflexões para os próximos capítulos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário