domingo, 19 de dezembro de 2010

NATAL: MOMENTO DE FÉ OU ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL?



O NATAL COMERCIALIZADO NA MODERNIDADE
Lembro que quando criança o natal era sagrado. Com as férias da escola começavam os preparativos que incluiam roupas novas e compra (ou melhor confecção) de fogos. Tinha também a decoração e assim nos envolviamos na montagem da árvore de natal, simbólo maior da grande festa familiar. Algumas vezes ganhavamos brinquedos e a prática do amigo secreto formalizou a possibilidade de não se ser eventualmente esquecido. O peru era sempre preparado um dia antes, a casa precisa estar limpa e as crianças asseadas. A noite ficava iluminada e enquanto os adultos se reunião em conversas animadas, nós crianças aproveitavamos para brincar ou assistir aos especiais de final de ano. Confesso uma certa saudade desses tempos e não nego mesmo que o natal é um momento impar para o reencontro familiar onde os vinculos parecem se fortalecer.
No entanto, hoje percebo que o natal se tornou um produto de consumo. A gente não vive o natal em seu sentido, mas ao contrário, consumimos os produtos, que transformados em presentes parecem ter substituidos definitivamente os simbolos sagrados. Assim, a cada dia que passa acho que transformamos o natal em algo comerciável, disponível nas várias e luxuosas lojas dos shopping centers. Não existe mais o espirito natalino, mas em seu lugar figura o espírito do consumismo desenfreado, onde não nos basta ganhar o presente, mas quantificar e valorar o mesmo através das grifes e marcas. Assim, ninguém mais espera (ou deseja) receber uma simples lembrança como demonstração de afeto e carinho. Espera-se e anseia-se pelo ultimo modelo de celular, o CD do momento, a roupa da ultima tendência. Coisas concretas que possam ser exibidas e que passem também a exibir nosso status alcançado. Antes mandávamos cartões de natal com mensagens melosas e repletas de votos de felicidade. Hoje, enviamos e-mail ou cartões virtuais sem a menor criatividade (sem falar na falta de originalidade) a todas as pessoas de nossas redes de socialização. A tecnologia substituiu nossa capacidade criadora e inventividade. Nos tornamos pasteurizados em nome da modernidade e por isso perdemos a afetividade das palavras originais.
Desisti então de todas essas cerimonias impostas pela civilidade moderna e pela etiqueta comercial. Descartei de meu natal os velhos amigos secretos e trocas de presentes que para mim não fazem mais sentidos, até porque eles próprios perderam o sentido concreto. Na verdade não gosto mais do natal, pois que a data nos impõe uma felicidade impócrita e descabida, nos induzindo a confraternizar muitas vezes com pessoas com quem passamos o ano inteiro travando verdadeiras batalhas de guerra. Funciona então como uma trégua onde asteamos uma especie de bandeira branca e definimos um período de tempo (ou de horas, as vezes até de poucos minutos) para relações mais diplomáticas. Findada a trégua voltamos aos mesmos atos e comportamentos repreváveis e mesquinhos e assim tecemos novas redes de intrigas, fofocas, comentários maldosos, artimanhas e estratégias de luta que nos garantam a manutenção do poder que se dá através da efetivação das diferenças.
Penso então, porque comemorar o natal? Porque nos reunirmos em bares e restaurantes repletos de falsas felicidades e solidariedades direcionadas a quem voltaremos a apunhalar dias depois? Porque investir tempo e dinheiro comprando presentes para quem não gostamos, pelo simples azar de te-lo tirado no sorteio do amigo secreto institucional? Porque pintar a casa e colocar guirlandas nas portas e janelas se não estamos realmente abertos a receber o outro, princiaplmente os estranhos e os indesejados? Porque nos vestirmos de forma especial se toda a fantasia durará apenas uma noite e logo em seguida voltaremos a ser realmente quem somos (ou quem sempre fomos)? E finalmente, porque contribuirmos e participarmos de covenções chatas das quais não acreditamos mais (se é que realmente chegamos a acreditar algum dia)?
Penso também, que se o natal tem como objetivo nos levar a reflexão sobre nossos atos considerados politicamente incorretos, porque não perpetuamos seu espírito durante os trezentos e sessenta e cinco dias do ano? Assim, não precisariamos de uma noite para purgar nossos pecados ou sentimentos mais secretos e inconfessáveis. Estariamos limpos o ano inteiro. Mas talvez por ser estremamente cansativo nos mostrar integros e corretos, e acima de tudo éticos, definimos uma data para a caridade de nossa simpatia e respeito ao próximo. E logicamente esperamos que possamos ser entendidos e comprendidos em nossa logica comportamental e sentimental nataleira.
Porque insistimos naquele dia especial em nos sacrificar a sermos bons, atenciosos, prestativos, parceiros, espirituosos, solidários e fraternos? De irmos a missa e pedirmos aos céus por dias melhores para todos, se não fazemos durante o resto do ano por onde concretizar nossos desejos? Porque pleitearmos junto aos santos e entidades divinas melhores condições de vida aos desafortunados e àqueles que tiveram “menos sorte ou oportunidades” na vida ao invés de cobrarmos dos políticos? Porque muitas vezes até choramos pelo sofrimento alheio, por aqueles que vagam pelas ruas sem lar e sem abrigo, pelos famintos, doentes e morimbundos apenas na noite de natal? E acima de tudo, porque dessa forma imaginamos lavar nossa alma, livrando-nos do egoísmo e indiferença tão caracteristico da espécie humana?
Vivemos o extase e a plenitude da purificação durante todo o dia vinte e cinto, mesmo que na manhã seguinte mantenhamos os vidros e portas de nossos carros novamente devidamente travados para nos sentirmos seguros; que voltemos a não enchergar mais as pessoas em situação de rua; nos mostremos indiferentes as crianças e adolescentes em situação de prostituição e exploração sexual que se espalham pelas ruas da cidade; e, desconheçamos a quantidade enorme de pessoas que sofrem nas filas dos hospitais públicos por falta de respeito e políticas públicas sérias.
É por isso que neste natal, ao invés de fazerem seus pedidos ao “papai do céu” os aconselho a direcioná-los aos tantos “papais da terra” eleitos através de nossos votos. Particularmente não enviarei “cartinhas” ao papai noel, até porque a muito tempo já deixei de acreditar em duendes, fantasmas e pokemons. Aproveitarei esse espaço para apelar e cobrar aos políticos, sejam esses presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores, pois a eles realmente cabem o poder de transformar o natal uma data extensiva a todos, sem restrições e exclusões. Assim acredito que poderiamos transformar o natal não numa data de pedidos divinos, mas de consolidação de responsabilidades por parte daqueles que receberam nossos votos (não de feliz natal, mas de confiança e crença ideológica que depositamos nas urnas durante as últimas eleições).
Desta forma, resolvi começar minha relação de pedidos (ou melhor combranças) aproveitando o trocadilho com 2011, para lhes fazer onze simples pedidos:
1º - que pelo menos a partir deste natal, ao menos os políticos que elegi, se iluminem de boa vontade e lutem pela aprovação de leis mais justas que possibilitem a efetivação do exercicio do respeito as diferenças e igualdade de direitos para todos independente de credo religioso, raça/etnia, idade, classe social, oreintação sexual ou identidade de gênero;
2º - que se conscientizem dos papéis que lhes cabem e horrem com seus compromissos e promessas políticas feitas durante as longas campanhas eleitorais, pelas quais receberam nossos valiosos votos;
3º - que montem suas equipes de trabalho com profissionais técnicos qualificados ao invés de distribuir as pastas governamentais entre amigos, conhecidos e correligionários partidários como tem pregado a tradição nacional;
4º - que entendam que fazer política é extremamente diferente de fazer politicagem, e que enquanto servidor se faz necessário gerir os recursos públicos com respeito e competência necessários, afinal de contas esse é um dinheiro do povo, que vem dos bolsos de cada um de nós, seus eleitores ou não;
5º - que passem a crompeender que os recursos públicos precisam retornar ao povo em forma de ações concretas que beneficiem à sociedade como um todo e que por isso devem ser aplicados em obras e ações eficázes e transparentes, e nunca em benefício próprio, pagamentos de propinas ou favorecimentos de amigos, parente e/ou aliados polítiqueiros;
6º - que invistam em ações que possibilitem a diminuição das diferenças e desigualdades sociais, garantindo saúde, educação, trabalho e renda e assistencia social de qualidade a todos, pois que essa é a única forma de contribuir com a redução dos altos indices de violência que tanto incomoda a burguesia que distribui sopas no natal e dá esmolas nas ruas;
7º - que dediquem maior atenção as políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres, responsabilizando de forma séria e justa os agressores para efetivar o direito a vida das mesmas;
8º - que invistam seriamente em programas de inserção social voltados a população em situação de rua, mas nunca numa perspectivia higienista presente nas políticas atuais, e sim pautados nas premissas dos direitos humanos;
9º - que consigam perceber que a vida é um dereito fundamental e universal, e que consequentemente a educação de boa qualidade é a unica forma de se garantir o desenvolvimento saudável do ser humano;
10º - que passem a enxergar as crianças e adolescentes, independente de faixa etária, sexo, classe social, raça/etnia e oreitação de gênero, como patrimônio universal, sujeitos de desejos e também sujeitos de direitos, cabendo ao Estado a garantia das condições necessárias a manutenção de sua integridade física e mental, bem como ao seu desenvolvimento saudável;
11º - e que finalmente consigam se tornar exemplos em dignidade, honestidade e ética para os milhôes de eleitores que depositaram suas crenças e esperanças em seus nomes, e que por isso nunca se permitam deixar iludir e encantar pelas facilidades e possibilidades sedutoras das falcatruas, propinas e ações ilícitas que tanto mancham o cenário político nacional.
É dessa forma, que também aproveitando o momento natalino, proponho transformar essa carta em corrente, como as tantas correntes vazias e desconexas que enchem incansávelmente nossas caixas de e-mail durante o ano. Meu objetivo é fazer essa relação de pedidos-lembretes chegar aos milhões e milhões de brasileiros que como eu acreditam que o natal não pode se restringir a uma única data, e que muito menos pode se mostrar e/ou se fazer tão excludentemente comercial como a muito se tem verificado.
Ruas do Recife/PE, 2010.

Ruas do Recife/PE, 2010.

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