sábado, 4 de dezembro de 2010

A VERDAERIA HISTÓRIA DO BRASIL - capítulo III - Reencontro com a África Brasileira

Maceió/AL - 2008

QUILOMBO DOS PALAMARES - Primeiro Modelo de República Verdadeiramente Livre das Américas.
Era uma vez, um negro inocente que chegava as terras brasileiras acorrentado e arrastado mato adentro. Aquela não era uma viagem comum, planejada ou desejada, mas era o mais significativo retrato do tráfico de seres humanos que tanto se fala e se combate nos dias atuais. O negro não conhecia aquele lugar e muito menos os perigos que enfrentaria. Apenas era conduzido de forma forçosa e sem grandes explicações ou justificativas. Não cometera crime algum, mas estava preso. Julgado pela imoralidade dos homens brancos e condenado a subjugação étnica praticada pelos civilizados europeus. De repente uma enorme colina surge à frente. Automaticamente seus olhos invadem a floresta e ele reconhece a similidade de sua terra. Tinha voltado para casa, pois que aquela região em muito se assemelhava a velha África. Era na verdade um pequeno pedaço de chão transplantado, que em muito se parecia com a região onde crescera livre. Perdido em pensamentos busca na memória os momentos de felicidades outrora vividos, porém o peso das correntes o trás de volta a realidade. Estava com as mãos e pés acorrentados a tantos outros da mesma cor, que arrastados atravessavam vales desconhecidos. Observa então ao redor e rapidamente avalia como mínima as possibilidades de fuga. Também não saberia para onde ou como fugir, afinal de contas havia atravessado um oceano inteiro. Vinha do outro lado do mundo, onde deixara suas origens. O medo, a revolta e a principalmente a saudade dos seus fizeram seus olhos mareados. Lágrimas caiam como que demarcando e definindo uma espécie de trilha. Sabia que retornaria aquela colina, e mais que isso, ali construiria sua aldeia e junto com sua gente voltaria a ser feliz em uma nova pátria.
Exatamente ali, entre os tantos montes, colinas e cômoros da antiga Serra da Barriga, no interior do estado de Alagoas, surgiria o maior e mais importante refugio dos negros escravos, que como ele, fugiriam em busca da liberdade. Alí seria erguido o quilombo dos Palmares. Numa região montanhosa que se estendia desde o planalto de Garanhus, no sertão pernambucano, até a serra dos dois irmãos, em Viçosa, município de Alagoas, e que se mostrava como terras virgem e extremamente férteis mostravam-se também propícias a implantação de uma grande e nova espécie de sociedade. A fantástica cidade seria então cortada de um lado pelos rios Ipojuco, Serinhaém e Una; e pelos Paraíba, Mandau, Panema, Camaragibe, Porto Calvo e Jucúpe de outro. Havia uma floresta povoada de árvores frutíferas e palmeiras pindoba que se localizava exatamente na divisa dos dois estados do nordeste brasileiro. Seu choro então começou a lhe fazer sentido, pois o cheiro do sal, oriundos das lágrimas e suores dos corpos escuros serviriam de rastro para um retorno à terra encantada. O negro ao passo que caminhava ia imaginando uma grande cidade onde voltariam a viver da caça e pesca em plena comunhão com a mãe natureza. Aquela região, não por coincidência então, seria escolhida para abrigar o maior e mais renhido centro de resistência negra em todo período colonial.
Este conto nunca foi ouvido, ou transmitido por nossas mães ou pais. Muito menos pelas nossas velhas e bondosas professoras a quem aprendemos a chamar de tia. Mas na verdade esse conto revela e integra a história de tantos negros barbaramente traficados dos confins africanos e que tanto contribuíram para o desenvolvimento nacional. A terra encantada, na verdade nunca foi um mito, mas realidade concreta estabelecida pelo primeiro movimento de resistência e lutas por direitos de igualdade racial no Brasil. Renegar ou ainda reduzir a importância de Palmares, e logicamente de Zumbi e tantos outros homens que ali viveram é negar nossa própria história e constituição social e cultural. Assim, o conto acima se referencia pelo histórico e justo resgate realizado por historiadores que acreditam como eu na importância de revisitar a história oficial do Brasil para que esta seja contada tal qual ocorreu de fato.
Em primeiro lugar é preciso salientar que “não foi um simples acidente geográfico e nem tampouco um campo de batalhas sangrentas que deu o nome a região de Palmares no altiplano da Serra da Barriga; foi a frondosa e grande Álea de Palmares que ali se estendiam, ululante e viçosa, magnetizada pela natureza portentosa dos trópicos, caprichosa na sua beleza e rica na sua fartura [...]Todas as palmeiras desta floresta deram aos negros aquilombados os alimento para o corpo e para o espírito, material para seus tijupares de amor e seus palácios e fibras para suas roupagens e estrepes na construção de suas defesas tiradas de seus caules endurecidos e fibrosos. E se mais não dessem, deram na saudade da África um pouco de esperança na terra magnífica que delas recebeu o nome Palmares [i].” Surge então o grande e historicamente renegado líder negro, Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da resistência negra contra a barbárie da escravidão.
A bibliografia de Zumbi merece em si, um capítulo a parte, fato já realizado por verdadeiros historiadores. E no sentido de sintetizar a verdadeira história brasileira, saliento que me deterei apenas aos principais fatos que marcaram sua vida de luta por direitos humanos. Nascido em 1655, no quilombo dos Palmares, o pequeno descendente dos guerreiros “imbangalas” (ou jagas, de Angola), foi capturado pela expedição de Brás da Rocha de Cardoso, por quem foi entregue aos cuidados do padre do povoado de Porto Calvo, Antônio de Melo. Criado e educado no catolicismo, foi imediatamente batizado como Francisco. Na infância aprendeu a falar e a escrever em português e também em Latim. Inteligente, foi favorecido pela adimiração do padre, tornando-se aos doze anos coroinha na igreja matriz do povoado.
Porém ao completar quinze anos, o adolescente foge da pequena cidade e volta para Palmares, de volta a suas origens. Adota o nome de Zumbi (que significa guerreiro) e passa a trabalhar junto as lideranças do quilombo, participando de várias batalhas com as expedições enviadas pela Coroa Imperial. Em 1676 as tropas comandadas por Manoel Lopes Galvão invadem Palmares e no conflito, Zumbi é atingido com um tiro na perna. Dois anos depois o líder do quilombo Ganga-Zumba assina um acordo de paz com o Império Português.  Revoltado com a decisão, Zumbi envenena Ganga-Zumba e assume definitivamente a liderança de Palmares. Em 1685, no comando de mais de dois mil homens volta a atacar vários povoados pernambucanos em busca de armas e munições. Um dos grupos de ataque, no entanto, é derrotado pelos colonizadores e seu comandante, Antonio Soares, é capturado e torturado pelo bandeirante paulista André Furtado de Mendonça. Em troca da liberdade, o mesmo é convencido a revelar o esconderijo de Zumbi.
Segundo relatos, ao se reencontrarem, durante um abraço, Zumbi é esfaqueado no estomago pelo antigo companheiro de luta. Era a data 20 de novembro (atualmente adotado como dia da consciência negra), dia em que o quilombo dos Palmares foi novamente invadido de surpresa e vários homens foram mortos, incluindo Zumbi. Seu corpo foi levado ao povoado de Porto Calvo, onde deceparam sua cabeça por ordem do governador de Pernambuco enviaram a Recife para ser espetada em um poste e exposta em praça pública, onde permaneceria até sua total decomposição.[ii]
Uma das curiosidades relativas às batalhas e resistência dos negros do quilombo é o fato de Palmares ter se configurado como Estado paralelo. Independente da Coroa Imperial, o quilombo definia suas próprias regras e leis, forçando o Império a recuar em muitas das estratégias de controle e batalhas travadas. Registros históricos revelam, por exemplo, que o próprio Rei de Portugal, D. Pedro II, chegou a escrever uma carta a Zumbi, propondo o perdão a "todos os excessos que haveis praticado contra minha Fazenda Real" [iii]. Porém o perdão estaria condicionado ao fato de Zumbi e todos os seus comandantes e capitães tornarem-se fiéis e leais súditos da Coroa Portuguesa, possibilidade não considerada pelo líder negro.
Outro fato refere-se ao desfecho da sangrenta batalha na cidade de Macaco, capital do quilombo. Segundo alguns autores, Zumbi a se ver impotente diante da situação, preferiu lançar-se num despenhadeiro junto a vários guerreiros, a voltar à escravidão marcada pelas algemas e exploração do trabalho forçado. Assim verifica-se, que o grande líder negro era acima de tudo um detentor de grande fascínio sobre seus liderados, algo que talvez justifique tamanho sacrifício por parte de tantos. Mas independente disso, fato é que para a Coroa Real a destruição de Palmares, bem como a subjugação de seu líder máximo, não era apenas uma necessidade, mas representava antes de tudo uma questão de honra. Penso que com a morte de Zumbi, não se marca a soberania hegemônica do homem branco no Brasil, mas ao contrário, se reafirma a primazia de um líder que em muito contribuiu para consolidar a “primeira república verdadeiramente livre das Américas". E isso em pleno século XVII, onde um Brasil era apenas uma colônia e a monarquia era a referencia de civilização e modernidade social.
Nesse sentido é preciso recontar a história pernambucana, pois a república não surge apenas de um movimento burguês contra a monarquia e em busca da soberania e cidadania brasileira, mas sim de um passado de luta por direitos e conquista da liberdade cultural de um povo e de uma raça que ainda hoje luta por igualdades e reconhecimento. É preciso esclarecer as nossas “antigas tias” de escolas desatualizadas que história incompleta (ou compilada) torna-se conto, e este se configura apenas como narrativa pouco extensa, concisa, e que contém unidade dramática, concentrando-se a ação em apenas um ponto de interesse. Acredito assim, que seriamente não se educa um povo através de contos, que se tornam engodos e embustes, mas unicamente através da história verdadeira e completa, respeitando os personagens reais e fatos vividos em sua integridade. Em suma, a história não pode ser mutilada para satisfazer interesses e salientar ou hiper-valorizar primazias de uma determinada categoria ou classe em detrimento de outra, atendendo a interesses puramente políticos que objetivam a manutenção do poder. Faz-se necessário fornecer os elementos concretos que estimulem as possibilidades de reflexão por parte dos ouvintes de cada história, principalmente entre nossos jovens alunos, afinal de contas a ditadura também é coisa do passado.
É urgente a necessidade de se “dar nome aos bois”, pois que nossa história que é pernambucana, e consequentemente brasileira, se fez e se faz através de recortes de classe, gênero e raça, com heróis/heroínas, mocinhas/mocinhos e bandidos/vilãs de ambos os lados. Por isso não cabe ao Estado estabelecer e “ensinar” os heróis nacionais, pois que esses cabem a escolha popular, que o fará por identificação ideológica, afinidade, confiança e respeito aos mesmos. À escola cabe a neutralidade e concretude dos fatos, e não a manipulação maniqueísta onde o bem sempre vence o mal. Até porque neste sentido é preciso primeiro definir o que realmente significa “bem” e “mal”, como também se buscar entender sob que perspectiva tais conceitos se estabelecem e acima de tudo a quem beneficia. É neste sentido que proponho então que deixemos os contos apenas no campo das “fadas” e das “carochinhas” e partamos para ensinar as nossas crianças diferenças básicas entre contos e histórias, objetivando melhor a qualidade do ensino brasileiro.
[1] Fonte: HTTP://www.zbi.vilabol.uol.com.br
[1] Fonte: HTTP://educacao.uol.com.br/biografias
[1] Fonte: www.pe-az.com.br

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