domingo, 28 de novembro de 2010

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BRASIL - Capítulo I - Da Colonização ao Extermínio Indígena

Epitacio Nunes
Mestre em Psicologia
QUILOMBOS: 
UM SONHO DE LIBERDADE DEMOCRÁTICA

Revendo a história de Pernambuco, e consequentemente a do Brasil, no que se referem às contribuições mais que significativas dos negros para o processo de desenvolvimento econômico, social e cultural do país, inevitavelmente é preciso falar dos “quilombos”. E para entender sua importância, da qual deveríamos nos orgulhar, e não ao contrário renegar, é preciso atentar para seu significado também histórico, cultural e principalmente social. Assim, “quilombo”, que deriva do “quimbundo”, língua banta dos bundos ou ambundos da Angola africana, tem como sentido direto: muro, paliçada, de onde “kilumbu” pode ser entendido enquanto recinto murado, campo de guerra, povoação ou associação guerreira. Talvez o mais importante disso tudo se refira ao fato de que os quilombos não eram constituídos apenas por negros fugidos, que em sua maioria se estabeleciam nos interiores dos estados brasileiros. Sua principal representação, o “Quilombo dos Palmares”, segundo alguns historiadores, encontrava-se localizado no interior de Alagoas e formava uma sociedade estruturada e organizada com regras e normas próprias, configurando-se enquanto estado independente. Era muito mais do que simples esconderijo, aldeia, cidade ou conjunto de povoações onde se abrigavam escravos fugitivos, mas ao contrário, de uma forma mais complexa e menos simplista, se caracterizava enquanto Estado de tipo africano formado nos sertões brasileiros.

Em Pernambuco, Palmares tornou-se um grande problema para a Coroa do Império Português uma vez que muito se falava de sua existência, sem contudo, ninguém saber ao certo sua localização. Assim, tal quilombo secreto tornava-se o paraíso desejado pelos fugitivos e crescia enquanto mito e ameaça a ordem colonial. Sabia-se apenas que ficava nas longínquas montanhas, na parte superior do rio São Francisco, entre matas fechadas e por isso inacessível. Era preciso dias de viagem em meio à florestas perigosas e desconhecidas, mas apesar das tantas fantasias e histórias inventadas ninguém duvidava de sua existência. Palmares não foi apenas ficção, mas realidade que surgiu no final do século XVI, com os primeiros negros que se refugiaram no local e que com o tempo tornara-se a meta e o ideal de vida em sociedade para os que buscavam a liberdade, incluindo-se os negros, os índios e os brancos.

Apesar de saber que na minha época de iniciação escolar, lá pela metade da década de 1970, vivíamos em plena ditadura, não acredito que nos dias atuais as aulas de história sejam menos fantasiosas e excludentes. É que naqueles tempos não se contava a história do Brasil tal como os fatos aconteciam ou aconteceram de verdade. Digamos que era uma espécie de releitura permitida ou talvez uma licença poética que favorecia os bons feitores da colonização. As grandes conquistas eram todas comandadas por homens brancos e assim passamos a nos orgulhar de personagens como D. Pedro I, Princesa Isabel, Pedro Alvares de Cabral, Tiradentes, grandes abolicionistas e também os heróicos bandeirantes, que destemidos desbravavam e conquistavam novas terras e estendiam as fronteiras brasileiras. Aprendemos a repetir que éramos um gigante deitado em berço esplendido, sem mesmo entender o que tal fato significava e muito menos a que custos nos tornamos uma grande civilização.

Acho então que a história do Brasil precisa ser (re)contada de outra forma, talvez menos romanesca (sonhador, devaneador, fantasioso, romântico, quimérico, fabuloso, utópico) e mais verossímil. Imagine-se então voltando no tempo. De regresso ao período da colonização onde o Brasil, ou Terra da Santa Cruz, era apenas uma extensiva mata verde onde os nossos antepassados viviam da caça e da pesca. Eis que de repente grandes navios invadem suas margens e homens civilizados e demasiadamente armados estabelecem os primeiros contatos com os chamados “selvagens”. Daí para frente, precisamos nos esforçar para imaginar os resultados dessa empreitada, pois o que se aprende nas escolas não dá conta dos detalhares derradeiros (pelo menos na minha época). Os portugueses com certeza devem ter se espantado com tanta exuberância e inocência livremente expressa nos corpos desnudos de nossos índios. Era um povo primitivo, certamente oficializaram em seus registros de bordo. Talvez os últimos homens primitivos, descobertos pelos grandes, inteligentes e desenvolvidos europeus. Para eles um grande achado, para nossos ancestrais talvez, apenas o início do inferno.

Para lidar com aquela gente era preciso primeiro manter contato oral, ou seja, seria necessário fazê-los falar língua de gente. Mas como ensinar “seres não humanos” e se expressar como homens de verdade? Tentou-se então, primeiro ensinar aos indígenas uma nova língua, pela qual se iniciaria o processo de aculturação. Era preciso também que aprendessem o mais rápido possível o pudor em relação aos órgãos genitais, bem como o temor a Deus. Neste aspecto, acredito que a nudez incomodava os estrangeiros muito mais por lhes despertarem desejos do que propriamente por caracterizar a primitividade de uma raça. Também na cabeça daqueles homens civilizados seria por demais irracional permitir que se acreditasse em deuses que habitavam florestas, ou mesmos em antepassados com poderes mágicos, pois que isso lhes empregaria um caráter humano. E logicamente o Deus de um povo civilizado tinha que ser superior aos homens, e por isso sobre-humano. Esse deus não habitaria junto aos simples mortais, mas definiria as regras e normas para as condutas de comportamentos que caracterizaria a civilização.

Logo, pode-se observar que civilização torna-se algo passível de aprendizagem, ou melhor, construído a partir de uma cultura. Seria de certa forma, o mesmo processo pelo qual ensinamos aos nossos filhos os princípios de civilidade. Afinal de contas estamos acostumados a treiná-los e condicioná-los (sendo bem extremista) de forma a se comportarem, se comunicarem e se relacionarem com seus pares dentro de uma lógica e norma socialmente estabelecida e culturalmente construída como civilizada, logo ordenada (alguém discorda?). Assim, é através desse processo que ensinamos e também cobramos civilidade do outro.

Mas no processo imposto aos indios imperava uma perspectiva etnocêntrica, pautada em uma cultura européia que estabelecia suas crenças, mitos, visão de mundo, organização do trabalho, e principalmente a divisão de classes sociais. Como o Brasil era uma colônia portuguesa nada mais sensato que se empenharem em transformar os nativos brasileiros em cidadãos portugueses, ou pelo menos tentar fazê-los parecer menos animalescos. Isso, contudo, só se tornaria possível fazendo-os civilizados. Penso então, que foi assim que os “bondosos” jesuítas invadiram nossas terras (que ainda hoje lhes pertencem, através das aquisições e doações feitas pelos nobres portugueses às tantas ordens religiosas) e começaram a catequizar os selvagens e ensinar uma nova língua e linguagem. Era preciso purificar seus corpos e almas para salvá-los da bestialidade.

Refletindo sobre a visão etnocêntrica desses “gentis” colonizadores, pela qual faziam acreditar que o seu modelo de sociedade era mais evoluído dos que a dos selvagens índios brasileiros, penso até que pontos estes não eram mais bárbaros e selvagens do que os inocentes habitantes das florestas. Afinal de contas, invadir, se apropriar e erradicar toda uma raça não parece tão civilizado quanto como tentaram e tentam nos ensinar durante os primeiros anos escolares. É neste sentido que talvez devêssemos explicar a nossos alunos os sentidos e conceitos de bárbaros, selvagens e primitivos já no ensino fundamental. Considero logicamente, que para isso seria necessário considerar questões históricas e temporais envolvidas. Com certeza assim os faríamos perceber as mudanças conceituais e políticas de cada época e que influenciaram as mudanças de sentidos de tais palavras. Considero mesmo, que dessa forma estaríamos formando indivíduos mais conscientes e capazes de discernir e construir suas próprias convicções, bem como, de elaborar suas idéias e opiniões próprias.

Digo isto por considerar alienante nosso processo de formação, uma vez que depois de anos descobriremos que tudo que nos ensinaram (ou ainda ensinam?) não passou de “contos da carochinha”. Mas voltando a nossa história de bondades para com um povo primitivo, não nos é difícil imaginar os conflitos e guerras travadas entre os nativos e os estrangeiros civilizados. Quantos indios foram assassinados e infectados com doenças vindas de longe para as quais não possuíam anticorpos? Quantos destes foram capturados e violentados sexualmente e mortos? Quantas de nossas tribos foram impiedosamente dizimadas? O que fizeram com nossa língua nativa, o tupi-guarani (família linguística do tronco tupi, constituída por numerosas línguas faladas por povos indígenas do Brasil, da Argentina, do Paraguai e da Bolívia)?

Especificamente sobre a vida indígena em Pernambuco, alguns historiadores e antropólogos destacam que remontar esse período histórico é uma tarefa ainda a ser realizada, principalmente devido ao fato de que os indios pernambucanos não tinham uma linguagem escrita. Desta forma, salientam também que na história oficial contada os personagens indígenas aparecem sempre como seres quase animais a serem domados ou exterminados. Neste sentido, revela-se que se de um lado os pernambucanos, assim como toda a sociedade brasileira, assimilou a contribuição indígena a sua formação étnica, por outro, além de seus usos e costumes, não nos foi ensinado a valorização relativa à participação do elemento indígena em nossa alimentação, influencia no português que falamos ou na arquitetura das casas de taipas que tanto caracteriza(ram) o nordeste brasileiro. Se não falamos de nossa origem primeira, os indios, também renegamos logicamente as contribuições sobre os mesmos aspectos dos negros traficados posteriormente.

Não aprendemos nas escolas, por exemplo, a etiologia de palavras que nomeiam importante e turísticos municípios de nosso estado como “gravatá” (derivação do Tupi – “caraguatá” - que designa vários gêneros da família das bromeliáceas, entre as quais: caruatá, coroá, craguatá, crauatá e gravatá); e, “caruaru” (do Tupi, “jacuraru” - designação comum a uma espécie de repteis do gênero Teius, animal de coloração geralmente verde-oliva com manchas e faixas pretas no dorso e flanco, lado inferior amarelado, e cuja pele tem valor comercial na região). No centro de Recife, por exemplo, temos o bairro de “Parnamirim”, nome que também deriva da junção de palavras Tupi (Paraná = rio e Mirim = pequeno; logo, parnamirim = rio pequeno ou diminuto). Outro bairro, chamado Bomgi, tem em sua origem na delimitação de uma antiga estrada de boiadas. O termo em si é derivado do verbo “mugir” (sonoridade emitida pelos bois) que sofreu variação para Bonji, ou Bom´Ji, que em Tupi significa “rio que faz curva”. E ainda “Tacaruna”, vocábulo indígena que significa “serra de muitas pontas ou cabeças”.

Ainda neste aspecto, se quer aprendemos que os rios que cortam nossa cidade – “Beberibe” (lugar onde cresce a cana) e “Capibaribe” (derivação de Caapiur–y-be ou Capibara-ybe, que significa rio das capivaras ou dos porcos selvagens), são provas vivas de que os antigos canastrões portugueses nada tinham a descobrir por essas terras. Assim, os mesmos não poderiam ser denominados como descobridores, mas sim, como gatunos invasores. Para uma aprendizagem mais abrangente, e como dita anteriormente, menos alienante, seria preciso explicar a nossos jovens alunos que como em outras regiões do Brasil, a ocupação de Pernambuco também se deu pela costa, e que especificamente aqui os indios foram escravizados e obrigados a trabalhar nas lavouras de espertos colonizadores que estabeleceram em nossas terras seus engenhos de açúcar. Apesar de na época ser comum a escravidão de negros em outros países “civilizados”, no Brasil optou-se primeiro pela escravidão indígena, por significar menos custos em relação ao tráfico dos africanos.

A história de lutas que nos caracterizou enquanto “leão do norte” não começa com os colonizadores, mais sim com nossos antepassados indígenas que se revoltaram com tal regime de exploração e partiram para os conflitos que se deram em assaltos, devastações de engenhos e propriedades, promovidos pelas tribos dos Caetés (que habitavam Pernambuco, Paraíba e Alagoas), dos Potyguaras (conhecidos como comedores de camarão) e dos Tabajaras (que habitavam o Maranhão – antigos aliados dos portugueses). Tais ações resultaram na morte do primeiro bispo português em terras brasileiras, motivando a Coroa de Portugal a estabelecer a escravidão perpétua aos indios Caetés. Tal punição ou penalidade seria posteriormente estendida a todas as demais tribos indígenas que habitavam o litoral brasileiro, institucionalizando o regime primário definido por alguns teóricos com “esbulho” (traduzindo, entende-se: roubar; saquear; defraudar, privar da posse, espoliar, desapossar, despir). Também foram instituídas pela Coroa Imperial penalidades como escravidão e morte aos indígenas que se rebelassem. E de proprietários naturais, os indios passaram a condição de fugitivos e foragidos produrados, restando-lhes de imediato o abrigo em matas serradas e de difícil acesso.

Com a prosperidade do empreendimento colonial, novos espaços foram sendo ocupados e seguidos conflitos pela posse da terra foram sendo travados, originando guerras entre colonizadores e colonizados. Temidos e ferozes bandos de desbravadores foram trazidos de São Paulo a fim de favorecer e estender o domínio dos colonizadores, tornando-se estes, inclusive, proprietários de muitas das terras invadidas. Novamente expulsos, grande parte das tribos indígenas foram exterminadas em campos de batalha, e os poucos sobreviventes buscaram abrigo em terras cada vez mais distantes do litoral. Sendo assim, é preciso também explicar em salas de aulas os impactos negativos da tão propagada civilização que nos foi imposta pelos portugueses, bem como a influência no desenvolvimento de nossa sociedade e cultura atual.

Desta forma, inicio aqui um novo capítulo da história brasileira, ou pelo menos uma nova tentativa de recontar nossa própria história. Esclareço contudo, que meu único objetivo resume-se a (re)avaliar detalhes, fatos históricos e processos que contribuíram para a formação de nossa gente, fato ou proposta que não apresenta nenhum ineditismo. Saliento ainda que não anseio, por hipótese alguma, desmontar ou ainda negar a importância da história oficial. Mas apenas propor uma reflexão sobre nosso processo de aprendizagem e de como o processo de colonização contribuiu e tem contribuído diretamente para os atuais processos de exclusões. Faço então um convite todos que se dispuserem a contribuir para construirmos juntos uma nova versão, seja pela simples leitura desses escritos ou pela contribuição direta através do envio de novos estudos e pesquisas sobre fatos históricos relevantes.

Jurerê Internacional - Santa Catarina/2010.

2 comentários:

  1. Parabéns por tão bem colocada situação, não foi assim que aprendemos na infância, não é mesmo...?

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo texto que mostra um pouco da verdadeira face do sistema que predomina até hoje. E graças à herança genética dos bandidos europeus, exilados e enviados para colonizar essa terra, os brasileiros são tão corruptos.
    Acredito que, para um brasileiro livra-se da influência corrupta será necessário um MEGA-PAJÉ com uma reza muito forte nunca vista.

    ResponderExcluir