SONHOS EM
UMA NOITE DE VERÃO?
A noite estava quente! Era
sexta-feira e o calor parecia fritar os miolos. Da janela via o vai e vem das
ruas. A Boa Vista estava em ebulição, como acontece em todos os finais de
semana. A algazarra sob o luar prateado é um convite que não se desconsidera. Sair
para a rua e resolvi comprar cigarros. Próximo à parada de ônibus existe uma já
tradicional praça de alimentação popular que se revela como ponto de encontro.
São centenas de pessoas vindas dos subúrbios ou municípios circunvizinhos. Uma
em especial prendeu minha atenção: Um rapaz alto, magro e de cabelos louros e
espetados. Beirando os vinte anos, se muito, se movimentava como uma verdadeira
gazela. As pernas longas pareciam presas a uma calça, que mais se assemelhava a
uma camisa-de-força. Uma pequena camiseta top parecia lhe ter sido enfiada de
cabeça a baixo, ou melhor, a meio-baixo, uma vez que só lhe cobria o peitoral
torneado em academia. Entre as duas peças da indumentária, revelava-se uma
barriga ultra-hiper-super batida, no melhor estilo tanquinho enxuto. Em pouco
tempo, a silhueta do garoto se tornou o principal motivo das conversas e também
da inveja de tantos e tantas que se encontravam no local. Quase totalmente
indiferente aos olhares o mega-fashion ser faz seu pedido a uma das atendentes
de um dos quiosques: “Por favor, eu quero um Hot-dooog extremamente caprichado!
Mas tem que ser um Hot-doooog com letra maiúscula, tá meu bem?” Sua voz
anasalada torna-se motivos de comentários e risos, concentrando novas atenções.
A praça era dele! Não havia o que discutir!
Minutos depois, deslizando os
sapatinhos azuis coral entre latas e lixos espalhados, definiu seu alvo de
pouso. Um pequeno banco de plástico amarelo, exatamente instalado no centro, em
meio a vários outros já ocupados. Os olhares lhe mediam cada movimento, que se
revelavam milimetricamente calculados. Diante do banco, ou melhor, do pequeno
palco pareceu avaliar a próxima performance. Um giro de quase trezentos e
sessenta graus para direita, um rodopiar de cabeça e um requebrar de quadris
lhe garantiram uma aterrisagem perfeita. Os lábios perfeitamente torneados com
gloss se inflaram, formando beicinho, ao perceber uma indesejável passa sobre
um dos sapatinhos encantados. Uma flexão inimaginável aproximou seu pezinho
esquerdo do rosto. Um grunhido monossilábico sintetizou todo o seu incomodo:
- “Hummm!” Ainda com a perna erguida,
recolheu o objeto indesejado com dois dedos magros que mais pareciam pinças
cirúrgicas. Uma ultima olhada de desprezo antes de arremessá-lo para longe. Um
novo grunhido, que mais pareceu um espasmo, conferiu à cena a sonoplastia
necessária: “Ploft!” A pesar da distancia em que me encontrava, posso jurar que
vi a pequena passa se espatifar no asfalto. Um risinho no canto de boca surgiu
como um delicado pedido de desculpas diante de tamanha travessura. Diante dos
olhares abismados, seus ombros se elevaram ao som de um suave sussurro de
desprezo: “Ahhhh!” Pobre passa! Provavelmente pisoteada em plena avenida não
menos quente que a noite.
Refeito do susto, o garoto em
novo movimento acrobático enlaçou as longas pernas uma na outra. O tórax foi
movimentado para frente e novamente as pinças cirúrgicas entraram em ação.
Delicadamente forrou um guardanapo de papel sobre uma das pernas e lentamente
começou a desembrulhar o tão desejado hot-dooog. Os movimentos se assemelhavam
ao descascar de uma banana. Mas não se iludam. Se assim o fosse, aquela não
seria uma mera banana. Mas, seria simplesmente a banana! Era realmente uma cena
imperdível. Não sei quem delirava mais, se ele, o garoto fashon week, ou o
público, que não conseguia desviar os olhares. Estava quase tudo pronto. Porém,
o fabuloso hot-dog deixava a mostra uma pequena ponta da salsicha que o
recheava. A situação era esdrúxula demais! O público parecia salivar. Havia um
silencio incômodo. Havia um problema gerando certo suspense no ar. Todos
esperavam e ansiavam pelo grande desfecho. Mas o garoto, como todo experiente
ator, sabe o momento exato de coroar a plateia com uma interpretação impecável.
Lentamente aproximou a boca do sanduiche fazendo com que involuntariamente
todos o acompanhassem no ato. Uma pausa de efeito provocou frustrações. Mas
ele, dono da situação, de forma quase despretensiosa, arqueou as sobrancelhas
como se avaliando o público. Certificado das atenções aproximou mais uma vez a
boca do cachorro quente e maliciosamente lambeu a ponta da salsicha. Pela ponta
da língua uma pequena porção de molho foi absorvida e degustada com vontade. Sua
língua umedecida explorou cada milímetro dos lábios. Mais um gemido foi ouvido,
revelando sua mais plena expressão de prazer: HHumm!!! Era o gozo total!
Daquele momento em diante, a
mistura do erotismo com a sacanagem e putaria já despertara as libidos alheias.
Aquilo não era mais um Hot-Dooog com letras maiúsculas. Era sim, um grande falo
a ser devorado por uma boca ávida por sexo. Era uma cena clássica de filmes
pornográficos despertando as tesões. O garoto agora assumia ares de uma
“Lolita” andrógena. De uma experiente putona manipulando o rígido mastro de seu
cliente. Alguém ao fundo chegou mesmo a aplaudir a cena, enquanto outro acenava
sua aprovação com gritinhos histéricos: “Absurda! Absurda!”. Se houvessem cortinas,
com certeza aquele seria “el gran final”. Mas o protagonista sabia conduzir o
espetáculo e por isso prendeu a atenção do público, que parecia crescer a cada
nova investida sobre a saborosa especiaria da gastronomia popular. As estocadas
no fálico Hot-Dog se sucediam uma após outra, de formas diferentes e sedutoras.
Ninguém comia tão sacanamente um simples pão com salsicha com tamanha destreza.
O garoto era extremamente sacana, sem duvida alguma. Sua fome não era de
comida, mas de sedução. Ele queria e sabia despertar desejos, mexer com o
imaginário reprimido e repressor, romper com o senso comum dos hipócritas.
Queria, e soube roubar a cena. Se fazer notar.
Depois de ingerir a ultima
porção, pegou o refrigerante e estalou o gatilho acompanhando sonoramente o
barulhinho comum provocado pelo escapamento do gás: “Shiiiiii!” Com as pinças
cirúrgicas em ação mais uma vez, levou o canudinho à boca, não sem antes fazer
insinuações maliciosas. Era como se estivesse fotografando para uma revista
famosa. Cada gole era um flash! Ao final da seção de fotos, suavemente recolheu
o guardanapo, e dobrando-o em forma triangular levou a boca. O papel tocava
suavemente os lábios que pareciam beijá-lo. De bolso da calça sacou o gloss, e
com ele, suavemente umedeceu a boca. Depois, elevou os braços acima da cabeça.
Era novamente a gazela, que agora se espreguiçava de forma lenta e manhosa.
Levantou-se do banco, ajustou a calça-camisa-de-força e esticou a blusa que
parecia lhe formar uma segunda pele. Olhou-se da cabeça aos pés e vez menção de
sair. Deu dois passos a frente, mas parou abruptamente. Observou ao redor e
novamente constatou a manutenção das atenções. Novo giro de trezentos e
sessenta graus lhe vez voltar ao banco-palco. Sorrateiramente pegou a embalagem
plástica do cachorro quente e lhe deu sucessivos nós. Jogou a lata do
refrigerante no lixeiro, ao mesmo tempo em que simulou nova sonoplastia: “Plaft!”
Era sua marca! Encarou o público e disse com um sorriso zombeteiro: “Cesta!”
Deu novos passos e mais uma vez paralisou o corpo, e também os olhares. A
plateia parecia esperar por algo mais. Ansiavam por uma saída apoteótica. O
garoto, no entanto, sem olhar para trás, arremessou o saquinho amarrado como um
buquê de noiva. O objeto sobrevoou sua cabeça e foi parar aos pés do público,
causando gritinhos de sustos. Alguém lhe gritou: “Bicha péssima!” Só então o
garoto se voltou para trás e exclamou com ar de grande diva: “Cesta!
Sexta-feira, querida!”
Aproximou-se de um taxi e quase
debruçado sobre o capuz perguntou: “Me leva até o MKaBaço? Please?” O motorista
tentou, mas não conseguiu segurar o riso e com a cabeça fez sinal positivo. O
garoto em passinhos rápidos entrou no automóvel, sentou-se juntando as pernas e
travou a porta. Da gola da blusa retirou um grande óculos escuro de armação
branca e ajustou no rosto. O motorista ligou o motor e começou a fazer a
manobra. Era o grandioso momento! Com os dedos magros, a diva abaixou os
óculos, olhou a praça e mandou beijos ao público. Magistralmente levantou o
vidro enquanto seu rosto sumia lentamente atrás do fumê. O carro saiu acompanhado por aplausos e
fim! Ou mais apropriado as grandes divas: “The End!”.
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