terça-feira, 30 de abril de 2013

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL EM PAUTA.


A Inversão de Valores dos Brasileiros.

A redução da maioridade penal entrou definitivamente em pauta. A Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para propor mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado em 1990, mais conhecido como ECA. A discussão em si, não é nova e sempre volta à tona quando a imprensa noticia o envolvimento de adolescentes em crimes hediondos. A população, comovida, sai às ruas exigindo providências. O governo, pressionado, se apressa em apresentar medidas de repressão. Contudo, esquecem sociedade e Estado, que o fenômeno da violência tem raízes mais profundas. A violência no Brasil é histórica. É uma construção social resultante da desigualdade social, da injustiça e da corrupção que impera no país há séculos. Assim, a reforma proposta não foge aos velhos ditames.

O problema está no Estatuto ou em sua efetivação? A responsabilidade pelo galopante aumento da violência Infanto-juvenil cabe aos “menores” ou ao Estado corrupto que tenta impetrar uma prática higienista? Que tal começarmos a refletir pela prática da sociedade brasileira? O ECA preconiza que indivíduos abaixo de 18 anos devem ser entendidos e reconhecidos como crianças e adolescentes - sujeitos em desenvolvimento, tanto físico como emocional. No entanto, vinte e três anos depois, as crianças e os/as adolescentes continuam sendo tratadas e identificadas como “Menor”. Pior ainda, termo menor foi transformado de certa forma, em identidade de um segmento específico desta população. Tem servido cotidianamente para referenciar apenas filhos de pobres, negros, que temoriza uma burguesia elitista. E o sentido empregado não é o de menor idade, mas sim, o de menos valia. Menos humano. E, logicamente, menos cidadania e direitos. O estigma menor tornou-se quase uma extensão de delinquência. Assim, negro pobre para o censo comum é sinônimo de menor infrator. Ou seja, crianças e adolescentes de alta periculosidade.

Mas quando a imprensa, ou órgãos do governo, registram a participação de adolescentes da classe média e média alta em crimes hediondos se recorre ao Estatuto para a classificação adequada e juridicamente legal. São adolescentes ou jovens em conflito com a lei, nunca “menores infratores”. Isso salienta em poucas palavras o quanto o recorte de classe social perpassa e influencia a justiça brasileira. Tenta-se dessa forma tapar o sol com a peneira. Ou seja, encobrir um erro com outro ainda maior. A impunidade não é exclusiva dos “menores delinquentes”, mas resultado de uma sociedade culturalmente atrofiada. Não é a menor idade penal que precisa ser revista, mas nossos próprios valores pessoais e sociais, que num processo de inversão perigosa privilegia o favorecimento, o apadrinhado e o corporativismo burguês.

Porque não se propõe, por exemplo, penas mais duras para os políticos corruptos? Porque não se penaliza devidamente os políticos, gestores, marqueteiros e toda a corja de delinquentes envolvidos no Escândalo do Mensalão? Porque para eles é garantido um “Acórdão” pelo qual se propõe a revisão das penas já estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal? Como pode dois políticos condenados, José Genoíno e João Paulo Cunha [ambos do PT] integrarem a Comissão de Constituição e Justiça? Se a sociedade se sentiu incomodada e ofendida com as declarações do deputado Marcos Feliciano, na Comissão de Direitos Humanos, porque continua inerte diante de tais estratégias, que visam somente deliberar em causa própria? O que vai acontecer com os políticos [Senadores: Wilde Morais, do DEM/GO e Edison Lobão Filho, do PMDB/MA; e os Deputados Inocêncio Oliveira, do PR/PE; Augusto Coutinho, do DEM/PE e Edmar Arruda, do PR] envolvidos no novo escândalo nacional, acusados de desviar verbas e de se enriquecer ilicitamente com as verbas públicas do Programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida [IstoÉ nº 2267, 2013)? Porque o parlamentar Demóstenes Torres, cassado pelo envolvimento com o Carlinhos Cachoeira, poderá ser agraciado pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP com uma aposentadoria vitalícia no valor de R$ 24 mil reais? Quais as explicações do atual Ministro da Agricultura, Antônio Andrade, do PMDB, sobre a acusação de uso dinheiro ilegal na eleição municipal de 2012, quando respondia pelo diretório do partido em Minas Gerais? E quanto aos envolvidos no desvio da verba publica, calculada em R$ 9 bilhões anuais, destinada ao Combate a Seca [Istoé nº 2266, 2013]? Isso sem falar dos casos envolvendo magistrados, promotores, delegados, policiais e funcionários públicos com o tráfico de drogas.

A quem realmente interessa a redução da maioridade penal? Ao Estado, as famílias, a sociedade? Os defensores das reformas recorrem a dados estatísticos para salientar o estratosférico aumento da violência. Mas isso não é novidade para ninguém, muito menos para os corruptos. Nos últimos dez anos, por exemplo, o número de jovens infratores aumentou em 138%, destaca a jornalista Suzana Borin, em reportagem de capa na qual afirma que “está na hora do Brasil enfrentar de vez essa questão”. Alega que os adolescentes já votam para presidente da republica, podem até mudar de sexo, mas são tratados como crianças quando cometem crimes bárbaros (IstoÉ 2267, 2013). Mas, a que questão ela se refere? O que é um crime bárbaro? Atirar na cabeça de alguém indefeso? Atear fogo em alguém durante um assalto? Não desconsidero a gravidade dos fatos e muito menos prego a impunidade para os envolvidos. O que questiono é a classificação de dois pesos e duas medidas, adota. Será que negar acesso à educação, alimentação e saúde de qualidade não são crimes bárbaros? Desviar dinheiro público, que sai dos nossos bolsos, não é também hediondo? Ocupar cargos públicos por apadrinhamento não é tão letal a sociedade? Se utilizar do tráfico de influencia para enriquecimento ilícito não merece cadeia? Manter milhões de pessoas morrendo de sede e de fome não é caso de justiça?

Enquanto sociedade, o que queremos realmente com a redução da maioridade penal? Responsabilizar crianças e adolescentes pela nossa hipocrisia? Estabelecer um bode expiatório, que responderá por nossa ineficiência e irresponsabilidade enquanto seres [des]politizados? Relegar a morte milhões de sujeitos já condenados pela corrupção e insensatez institucionalizada no país? Ou estabelecer definitivamente um sistema político autoritário e irresponsável, mediocremente disfarçado de democrático? Não faz um mês que a ONU, em relatório oficial, diagnosticou nossa justiça como doente, nos classificando como o quarto país com maior contingente de presos. Não é de agora que se sabe que nosso sistema penitenciário não [res]socializa ninguém, muito menos humaniza ou garante as condições mínimas de dignidade a quem falhou perante a sociedade. Assim como não é novidade o fato de nossos presídios estarem superlotados e terem se transformado em espaços de torturas, corrupções e desrespeito aos direitos humanos. E é para esse mesmo sistema que mandaremos crianças e adolescentes? Alguém já visitou um Cotel, um Aníbal Bruno da vida? Como diz um grande amigo, no Brasil se trata criança e adolescente pobre como bicho e espera-se que pela obra do divino espírito santo se transformem em gente.

Como sabiamente disse ontem o José Wilker, no Programa do Jô Soares, “merdas cagadas não voltam ao cu”. A reforma necessária e urgente não é no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas na mentalidade nacional, na nossa cultura de exclusão. Os “menores infratores” não são mais perigosos do que os donos do poder. Afinal de contas, os crimes são os mesmos e apresentam requintes de crueldades e de violência similares. Matar cidadãos a mingua, sucatear os hospitais públicos, desviar verbas da merenda escolar, trocar governabilidade por conchavos políticos é tão hediondo e nefasto quanto à violência Infanto-juvenil. Corrupção e violência andam juntas. São fenômenos que precisam ser enfrentados. Porém, de nada adianta aumentar o grau de punição se a sociedade não está pronta para assumir e refletir sobre seus erros, e a partir da aí, buscar novas soluções. Ninguém nasce homem, assim como ninguém nasce cidadão pronto, pleno em seus direitos e deveres. Somos resultados de uma cultura. E se suas criações estão impuras, imperfeitas, talvez seja a hora de propor uma mudança mais ampla, na base dessa própria cultura. Tratamento paliativo não cura doenças. É preciso especialização no assunto. É preciso contextualização dos fatos. Mas que isso, é fundamental o respeito e o compromisso com a gestão pública. Garantir direitos não é favor, é obrigação. Não é “oportunidade” com sentido de esmola, mas sim, efetivação de possibilidades para o desenvolvimento saudável.

Não se condena o outro quando somos também culpados pelo crime. Não é da redução da maioridade penal que a sociedade brasileira precisa, mas de vergonha na cara. De decência. De consciência política e de respeito pelo suor de nosso trabalho. Ainda plagiando o Wilker, é bom lembrar que o que o governo nos “oferece” é muito pouco em relação ao que nos toma mensalmente.

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