... MAS INFELIZMENTE NÃO ASSUSTAM MAIS VOCÊ!
Nesta semana a Revista IstoÉ
publicou a reportagem “Histórias que Assustam a ONU”, de Nathalia Ziemkiewicz,
revelando que no Brasil, 40% da população carcerária é de presos provisórios. Considerando
que no ano de 2012 nossa população carcerária atingiu o expressivo contingente
de 249.577 presos, isso significa que mais de 96.201 pessoas ainda aguardam
julgamento. Ou seja, é quase um milhão de cidadãos que permanecem atrás das
grades mesmo sem ter recebido julgamento justo ou declarados culpados por seus
supostos crimes. Vale salientar que em 1990 a população carcerária brasileira
era de 90.000 presos, o que revela que em um curto período de 22 anos
conseguimos aumentar tal quantitativo seis vezes mais. Os mais alienados de
carteirinha podem até pensar em eficiência do sistema, afinal de contas isso
significaria menos delinquentes nas ruas. Prende-se mais, isto é fato. Porém,
regenera-se pouco, e disso ninguém duvida. É sempre bom lembrar que o sistema
prisional representa nada mais, nada menos, que a cultura de um povo. Em um
país onde as desigualdades sociais atingem patamares inimagináveis, não seria
de estranhar que a justiça cometesse tantos equívocos, adotando dois pesos e
duas medidas. Bom seria recordar também que o sistema judiciário tem como
objetivos a recuperação e reintegração social dessas pessoas e não
exclusivamente a punição. Para o diretor da ONG Conectas, Marcos Fuchs, “não à
toa, a taxa de reincidência gira em torno de 80%. Depois da barbárie na cadeia,
o preso sai e desconta sua raiva na sociedade”. Em consonância, defensor
público do Estado de São Paulo, Bruno Shimizu destaca que no Brasil, o que se
vê na prática “é uma tortura institucionalizada: falta água para o banho e
descarga, acesso a medicamentos e itens de higiene, os presos fazem rodízio
porque nem no chão há espaço para dormir” (IstoÉ nº 2265, 2013).
O recente relatório da ONU
destaca que o Brasil encontra-se na quarta colocação do ranking mundial em
relação ao número de presos. Revela também o uso excessivo e arbitrário da
privação de liberdade. São as chamadas detenções ilegais. Assim, o que se vê na
verdade é o exercício de uma lei que “Puni Antes de Averiguar”, desconsiderando,
inclusive, os direitos constitucionais. Sabe-se que por lei a prisão temporária
não pode ultrapassar 120 dias, prazo máximo para que um processo possa ser
julgado. Contudo, um acusado de furto comum leva até seis meses, em média, para
ser escutado por um juiz pela primeira vez. Se prisão fosse a melhor saída
teríamos eliminado a violência nacional. Porém, a verdade é que de 1990 a 2010,
ou seja, em duas décadas, os homicídios no país aumentaram em 63%, segundo
informações do próprio Ministério da Saúde. Segundo o perito Roberto Garretón,
em um país onde a maioria dos presos é pobre, é extremamente preocupante que
não haja assistência jurídica suficiente disponível para aqueles que precisam. Neste
âmbito, o Estado torna-se o principal violador de direitos, negando o direito à
defesa.
Neste sentido, a reportagem trás
a triste experiência vivida pelo ajudante de pedreiro Heberson Oliveira, que em
2003 foi acusado erroneamente de estuprar uma criança de nove anos. Embora a
descrição física do suspeito não correspondesse a sua, o mesmo aguardou por
mais de três anos até conseguir provar sua inocência. Durante o período na
cadeia “o rapaz sem antecedentes criminais assistiu a rebeliões, entrou em
depressão, foi abusado sexualmente e contraiu o vírus HIV”. Diante do equívoco
o juiz da cidade de Manaus se limitou a pedir desculpas em nome do Estado,
concedendo-lhe a liberdade. Sete anos após o ocorrido Heberson Oliveira não
consegue emprego e vive em situação de rua consumindo drogas. Alega que nunca
recorreu contra o Estado porque perdeu a esperança na justiça: “Eu morri quando
me fizeram pagar pelo que não fiz. Todos os dias, tento esquecer o que vivi. Toda
vez que me tratam como bicho penso que não sabem o que vivi”.
Como diz o velho ditado popular,
“raspadura é doce, mas não é mole não”. Só quem sabe o que é injustiça é quem
sente na pele. Como afirma a ONU, o sistema judiciário brasileiro está doente e
desperta graves preocupações. E isto é reflexo direto de uma população também
doente que se mantém alienadamente inerte diante dos descasos e arbitrariedades
dos “homens da lei”. Reflexo de um sistema político respaldado nas
desigualdades sociais, onde filho de pobre é classificado como “menor”,
enquanto que os da classe burguesa são corretamente identificados como “crianças
e adolescentes”; onde pobre e negro apanha primeiro da polícia, para só depois
se reconhecido como cidadão de bem, e onde precisam garantir o direito a
educação de “qualidade” através de cotas; onde delegado só é preso depois de
atirar na cabeça de uma adolescente com quem mantinha uma relação amorosa; onde
mensaleiros e políticos bandidos permanecem impunes; onde um sujeito como
Antônio Andrade comete crime eleitoral e continua como Ministro da Fazenda;
onde um pastor homofóbico e racista como Marcos Feliciano assume a Comissão de
Direitos Humanos; onde shows são superfaturados para enriquecer prefeitos e
assessores imorais; e onde principalmente, a população manipulada sai às ruas
pedindo a redução da maioridade penal como solução para o fenômeno da
violência.
Para um país que tem um sistema
prisional que se apresenta como fábrica de marginais, passar a deter adolescentes
é com certeza uma excelente alternativa para aprimorar o requinte de violência
para os crimes que virão à frente. Quem sabe assim não atingimos o primeiro
lugar em número de presos? Violência se combate com luta pela igualdade de
direitos. Com exercício pleno da igualdade de justiça. E neste sentido, é bom
lembrar que a justiça só é cega quando a população fecha os olhos as
arbitrariedades e desmandos, quando não pune ou exige punição aos criminosos
esclarecidos e bem informados. Mas se isso dá muito trabalho, inclusive por
implicar em abrir mão de regalias e oportunismos, se limitem a gradear portas e
janelas garantindo suas próprias privações de liberdade. Só não se esqueçam de
rezar, mas rezar muito, para que um dia não tornem vítimas dos erros dos
operadores do direito, porque assim terão que pagar pelos próprios equívocos e
omissões.
Boas reflexões para quem não mais
se assusta com o que assombra os organismos nacionais e internacionais que
lutam pela igualdade e garantia de direitos!
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