terça-feira, 16 de abril de 2013

HISTÓRIAS QUE ASSUSTAM A ONU...


... MAS INFELIZMENTE NÃO ASSUSTAM MAIS VOCÊ!

Nesta semana a Revista IstoÉ publicou a reportagem “Histórias que Assustam a ONU”, de Nathalia Ziemkiewicz, revelando que no Brasil, 40% da população carcerária é de presos provisórios. Considerando que no ano de 2012 nossa população carcerária atingiu o expressivo contingente de 249.577 presos, isso significa que mais de 96.201 pessoas ainda aguardam julgamento. Ou seja, é quase um milhão de cidadãos que permanecem atrás das grades mesmo sem ter recebido julgamento justo ou declarados culpados por seus supostos crimes. Vale salientar que em 1990 a população carcerária brasileira era de 90.000 presos, o que revela que em um curto período de 22 anos conseguimos aumentar tal quantitativo seis vezes mais. Os mais alienados de carteirinha podem até pensar em eficiência do sistema, afinal de contas isso significaria menos delinquentes nas ruas. Prende-se mais, isto é fato. Porém, regenera-se pouco, e disso ninguém duvida. É sempre bom lembrar que o sistema prisional representa nada mais, nada menos, que a cultura de um povo. Em um país onde as desigualdades sociais atingem patamares inimagináveis, não seria de estranhar que a justiça cometesse tantos equívocos, adotando dois pesos e duas medidas. Bom seria recordar também que o sistema judiciário tem como objetivos a recuperação e reintegração social dessas pessoas e não exclusivamente a punição. Para o diretor da ONG Conectas, Marcos Fuchs, “não à toa, a taxa de reincidência gira em torno de 80%. Depois da barbárie na cadeia, o preso sai e desconta sua raiva na sociedade”. Em consonância, defensor público do Estado de São Paulo, Bruno Shimizu destaca que no Brasil, o que se vê na prática “é uma tortura institucionalizada: falta água para o banho e descarga, acesso a medicamentos e itens de higiene, os presos fazem rodízio porque nem no chão há espaço para dormir” (IstoÉ nº 2265, 2013).

O recente relatório da ONU destaca que o Brasil encontra-se na quarta colocação do ranking mundial em relação ao número de presos. Revela também o uso excessivo e arbitrário da privação de liberdade. São as chamadas detenções ilegais. Assim, o que se vê na verdade é o exercício de uma lei que “Puni Antes de Averiguar”, desconsiderando, inclusive, os direitos constitucionais. Sabe-se que por lei a prisão temporária não pode ultrapassar 120 dias, prazo máximo para que um processo possa ser julgado. Contudo, um acusado de furto comum leva até seis meses, em média, para ser escutado por um juiz pela primeira vez. Se prisão fosse a melhor saída teríamos eliminado a violência nacional. Porém, a verdade é que de 1990 a 2010, ou seja, em duas décadas, os homicídios no país aumentaram em 63%, segundo informações do próprio Ministério da Saúde. Segundo o perito Roberto Garretón, em um país onde a maioria dos presos é pobre, é extremamente preocupante que não haja assistência jurídica suficiente disponível para aqueles que precisam. Neste âmbito, o Estado torna-se o principal violador de direitos, negando o direito à defesa.

Neste sentido, a reportagem trás a triste experiência vivida pelo ajudante de pedreiro Heberson Oliveira, que em 2003 foi acusado erroneamente de estuprar uma criança de nove anos. Embora a descrição física do suspeito não correspondesse a sua, o mesmo aguardou por mais de três anos até conseguir provar sua inocência. Durante o período na cadeia “o rapaz sem antecedentes criminais assistiu a rebeliões, entrou em depressão, foi abusado sexualmente e contraiu o vírus HIV”. Diante do equívoco o juiz da cidade de Manaus se limitou a pedir desculpas em nome do Estado, concedendo-lhe a liberdade. Sete anos após o ocorrido Heberson Oliveira não consegue emprego e vive em situação de rua consumindo drogas. Alega que nunca recorreu contra o Estado porque perdeu a esperança na justiça: “Eu morri quando me fizeram pagar pelo que não fiz. Todos os dias, tento esquecer o que vivi. Toda vez que me tratam como bicho penso que não sabem o que vivi”.

Como diz o velho ditado popular, “raspadura é doce, mas não é mole não”. Só quem sabe o que é injustiça é quem sente na pele. Como afirma a ONU, o sistema judiciário brasileiro está doente e desperta graves preocupações. E isto é reflexo direto de uma população também doente que se mantém alienadamente inerte diante dos descasos e arbitrariedades dos “homens da lei”. Reflexo de um sistema político respaldado nas desigualdades sociais, onde filho de pobre é classificado como “menor”, enquanto que os da classe burguesa são corretamente identificados como “crianças e adolescentes”; onde pobre e negro apanha primeiro da polícia, para só depois se reconhecido como cidadão de bem, e onde precisam garantir o direito a educação de “qualidade” através de cotas; onde delegado só é preso depois de atirar na cabeça de uma adolescente com quem mantinha uma relação amorosa; onde mensaleiros e políticos bandidos permanecem impunes; onde um sujeito como Antônio Andrade comete crime eleitoral e continua como Ministro da Fazenda; onde um pastor homofóbico e racista como Marcos Feliciano assume a Comissão de Direitos Humanos; onde shows são superfaturados para enriquecer prefeitos e assessores imorais; e onde principalmente, a população manipulada sai às ruas pedindo a redução da maioridade penal como solução para o fenômeno da violência.

Para um país que tem um sistema prisional que se apresenta como fábrica de marginais, passar a deter adolescentes é com certeza uma excelente alternativa para aprimorar o requinte de violência para os crimes que virão à frente. Quem sabe assim não atingimos o primeiro lugar em número de presos? Violência se combate com luta pela igualdade de direitos. Com exercício pleno da igualdade de justiça. E neste sentido, é bom lembrar que a justiça só é cega quando a população fecha os olhos as arbitrariedades e desmandos, quando não pune ou exige punição aos criminosos esclarecidos e bem informados. Mas se isso dá muito trabalho, inclusive por implicar em abrir mão de regalias e oportunismos, se limitem a gradear portas e janelas garantindo suas próprias privações de liberdade. Só não se esqueçam de rezar, mas rezar muito, para que um dia não tornem vítimas dos erros dos operadores do direito, porque assim terão que pagar pelos próprios equívocos e omissões.

Boas reflexões para quem não mais se assusta com o que assombra os organismos nacionais e internacionais que lutam pela igualdade e garantia de direitos!

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