segunda-feira, 12 de março de 2012

RECIFE: OS [DES]ENCANTOS DE SEUS 475 ANOS



 
LEVANTE PARA ACORDAR A LUA! LEVANTE PARA SACUDIR AS RUAS!

Recife amanheceu mais velha! Não mais bela ou menos suja, simplesmente velha. Uma senhora de 475 anos esquecida entre poças e entulhos. Também amanheceu molhada. Suada de esgotos e engodos. E de céus cinzentos caíram fios de lágrimas que encharcaram suas ruas, mas que não lavaram sua alma. Talvez por isso, envergonhada, a chuva se escondeu apressada em galerias entupidas e estúpidas. Ontem até a lua revelava reservas. Seria presságio? Agouro? Misteriosa, parecia inibida entre nuvens enfadonhas. Sufocada num manto negro e espesso que encobria vergonhas. Mas não eram suas, mas tua as vergonhas. Não te aprontasses para a festa. Por isso não se fez prateada e temerosa espiava de lado sem se atrever a mostrar-se inteira. A lua fez-se meia por capricho ou reprovação do que se via, ou se veria em teus atos.

Hoje, nem mesmo o sol quis reinar soberano sobre tuas curvas incertas. Manteve-se longe, talvez em sinal de protesto. Revelou-se entediado e entediou em seu rastro. Abafou o vento que vagou preguiçoso entre tuas paredes de frios e feios concretos. Não te vestisses adequadamente. Tentaram te parabenizar, mas em troca transpirasses carbono e oferecesses maus cheiros. Foste ingrata recusando a festa dos poucos apaixonados e dos muitos oportunistas. Mal humorada, fizestes silêncio enquanto o Capibaribe corria manso e sem brilho. Seu leito pareceu adormecido ou inebriado em teus desalentos. Acaso aborrecido contigo, ou com suas sujeiras. Sol, chuva, brisa e luar castigados pela velha senhora que chorou silenciosa e os faz cúmplices.

Hoje estás mais velha e te mostras cansada. Recolhida em si mesma. Talvez no mesmo arruinado e pacato marasmo de sempre. Digna dos relegados. Símbolo dos desvalidos. Sufocada não se faz mais bela, mas ao contrário revela-se porca. Alheia nem notasses passistas que dançaram na Sete de Setembro em tua homenagem. Também não reverenciasse o Galo, muito menos o samba que veio de longe. Estavas vazia de si e dos seus. Que esperaste da noite? Complacência? Piedade ou devoção? Tinha tudo que te acostumasses a oferecer. Tinha pão e tinha circo. Tinha um seleto grupo feliz e protegido. Tinha “morta-fome” esquecidos. Estava tudo lá, como sempre. Acaso te sentisse aviltada? Pois te digo que não és menos culpada que teus próprios filhos, por te mostrares domada. Te entregasse ao falso romance de quem hoje te vira as costas. Oh, que culpa tem tua gente se te fizestes ingrata? Te desses ao tirano de forma subserviente e agora reclamas a submissão de teu povo? Que podem os que têm sede? Que pensam os que passam fome? Não vês que teus filhos clamam que levantes? Porque silenciasses quando o povo ensaiou uma vaia ao teu falso pretendente? Porque não aproveitasses o momento para ecoar tuas próprias insatisfações? Esperamos tanto por ti e mais uma vez calasses a dor do orgulho ferido que nos atormenta o peito.

Hoje estás mais velhas em idéias e ideais. Perdesses o rumo e nosso prumo. Estás pesada. Inchada de desencantos que não mais encanta aos teus. Doente e alienada agonizas futuros. Aprendesses a mendigar piedade e relegasses os muitos que sobrevivem as tuas sobras. A estes não tens o que oferecer além de migalhas adormecidas, pois que não te fazes mais digna da soberania que um dia proclamamos em teu nome. És apenas uma senil senhora que contabiliza os dias. Sem sol, sem lua, sem o vento vigoroso que te deu ares de guerreira. Oh, porque te fizestes tão frágil e ingrata diante dos teus? Escuta novamente o clamor das ruas. Acorda Recife, acorda! Vamos, levanta! Vamos ao levante, pois que um novo tempo se anuncia. Nove meses são bastante para gerar novos frutos. Por isso, faz das urnas teu ventre vindouro e pródigo. Levante para acordar a lua. Levante para sacudir as ruas. Para se mostrar viva e tenaz, porque só quem te ama de verdade sabe o penar de te ver assim. Levante Recife! Levante para lustrar o sol, ainda que precisemos fazer brilhar outras estrelas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário