segunda-feira, 19 de março de 2012

A ESCANDALOSA INDECÊNCIA BRASILEIRA



QUEM SOMOS NÓS: CORRUPTOS OU CORRUPTÍVEIS?

Lembro que quando era criança encontrei um cavalinho verde de brinquedo. Era uma pequena peça, sem grande importância ou valor, mas que me fascinava. Dentro da concepção de que “achado não é roubado” levei o brinquedo comigo e brinquei durante todo o dia. À noite mostrei minha nova aquisição a meu pai, que logo indagou sobre sua origem. Contei que o tinha encontrado perto de casa e que agora me pertencia. Meu pai, sem pestanejar disse-me que voltasse ao local no dia seguinte e o coloca-se exatamente onde o tinha encontrado. Não houve espaços para negociação. Nossa educação era assim. Se não comprou, ou ainda, se não ganhou de alguém por algum mérito, não poderia ficar com algo que não lhe pertencia. Lógico que naquele momento me revoltei com a decisão, principalmente porque meus argumentos não foram considerados. Chorei a noite inteira e me arrependi de ter lhe contado sobre o fato. Se houvesse omitido não teria que devolver e poderia manter o cavalinho comigo. Mas também tínhamos aprendido que não devíamos esconder nada dos pais. Era uma regra que nos obrigava o respeito devido. Assim, voltei ao local e com muita dor e dúvidas coloquei o brinquedo sobre o montinho de matos. Esperei um bom tempo até que o desconhecido dono o encontrasse. Durante esse tempo imaginei mil e uma possibilidades de burlar a ordem, mas não conseguia encontrar uma que inviabilizasse o controle fiscalizador de meu pai. A noite teria que comprovar o cumprimento da determinação. Ainda fui advertido que se estivesse mentindo sofreia as consequencias punitivas.

Sem dúvida alguma nossa educação foi rígida. Meu desagravo foi tão grande que até hoje guardo na memória tal fato, que por muito tempo considerei como de extrema violência. Não pelo fato de ter que devolver o brinquedo, mas por ter sido taxado como irresponsável e inconsequente. Não havia cometido crime ou infração alguma. Apenas peguei o que encontrei perdido ou esquecido. Não entendi porque teria que devolver algo que não tinha dono, ou pelo menos não conhecia. Também achava que outro menino iria encontrar o cavalinho verde e o levaria para casa sem precisar devolver. Meu pai, em sua sábia filosofia de vida me explicou que não podia responder pela educação dos filhos alheios, mas que era sua responsabilidade nos educar como homens de bem. Também me fez ver que se eu estava feliz por tê-lo encontrado, provavelmente, alguém deveria estar muito triste por tê-lo perdido. E assim, encerramos o assunto. Hoje, sem sombras de dúvidas, agradeço pela educação recebida. Imagino o quanto foi difícil para meus pais cunhar em seus dez filhos os princípios morais e éticos que respaldam a honestidade, hombridade e caráter. Graças a eles, essas são características que aprendi a cultivar e exercitar durante toda a vida.

Tais lembranças do passado foram motivadas pela reportagem do “Fantástico”, sobre a corrupção brasileira, exibido pela Rede Globo no último domingo, 18. Não posso negar minha total indignação diante de tanta falta de respeito, justificada por uma “ética de mercado” que depõe contra os mais valorosos princípios morais de um povo. Empresas de fachada, negociatas escandalosas, licitações fraudulentas, pregões de cartas marcadas, falsificação de documentação pública e desvio de dinheiro. Era o retrato de um Brasil corrupto, controlado por uma rede de perigosos falsários. Pessoas sem escrúpulos, capazes de roubar o dinheiro público. Capazes de rir e debochar do povo. Pessoas que naturalizaram a roubalheira e criaram regras próprias para deturpar o mercado. Eram ladrões dando aula sobre suas estratégias fraudulentas. Criminosos se vangloriando de suas utópicas espertezas. Homens e mulheres maquiavélicos e sem caráter ou escrúpulos. Seres desprezíveis. Pessoas virulentas que adoecem o país e apodrecem a sociedade. São formadores de quadrilhas de ladrões que repassam suas experiências através de novas gerações de corruptos.

Que exemplos de vida esses homens e mulheres, hipocritamente risonhos, repassam a seus filhos? Como será forjado o caráter dos mesmos? Como dorme esses indignos? Será que descansam a cabeça e sonham com os milhões roubados? Será que por algum momento imaginam as consequencias de seus atos? Será que se sentem responsáveis pela morte de milhares de pessoas que não acessam serviços públicos de qualidade? Será que, em algum momento, temem pagar pelos crimes cometidos, ou se sentem confortáveis em suas seguranças possibilitadas pelo sistema de impunidades que se alastra pelo país? Não creio que sofram os remorsos de seus atos. Não creio que sofram a insônia pelo sofrimento alheio. Muito menos padeçam de culpa por crimes que classificam como banais. Pelo contrário, devem festejar cada nova artimanha e roubalheira. São pessoas que se desafiam a novas estratégias e aperfeiçoamento das ilicitudes. Pessoas que se esmeram na ilegalidade. Que se vangloriam pela astúcia da violação. Animais que brindam ao ato ou efeito de corromper, a decomposição e putrefação das relações sociais e políticas. Insolentemente pregam a devassidão, a depravação e a perversão humana. Impunemente subornam e peitam a legalidade. Cospem e desprezam a lei. Negam a civilidade e condena milhares de miseráveis a morte. São os corruptos de carteirinhas.

De quem a senhora louca e ares débeis estava realmente rindo? Do povo ou dela mesma? Quem é mais vítima nesta situação? Quem sofre as consequencias imediatas na ponta, ou ela mesma que se mostra presa fácil de um sistema corrupto e corruptor que seleciona pessoas de fraco caráter e comprometida educação de base? Qual o sentimento de realização profissional de uma senhora como aquela? Como se fortalece a auto-estima de uma pessoa que se sabe contraventora. Como dizem os sábios, “o risinho é o que mais incomoda”. É a mais pura imagem da impunidade. Apesar de combater a violência, confesso que meu desejo de justiça maior não é a cadeia, mas uma bofetada no meio da boca. Uma porrada que lhe quebrasse os dentes e a fizesse estremecer diante do espelho. Não que os outros não mercam o mesmo, mas ela é o sinônimo do deboche e do desrespeito. Sua vilania beira o esdrúxulo, o inverossímil. Seu descaramento é simplesmente inacreditável. Não acredito em ressocialização para pessoas com personalidades tão comprometidas.

A corrupção é um fenômeno social que se consolida pelo binarismo corruptor/corruptível. Neste sentido, quem tem mais culpa? Quem corrompe ou quem se deixa corromper? Quem padece mais da falta de caráter e de vergonha? Creio ainda, que a corrupção nada mais do que o reflexo de cultura da vantagem. De uma sociedade que aprendeu a regra do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, ou seja, a lei é um ótimo instrumento para ser aplicado aos outros. O corrupto rir da lei porque se acha acima dela. Se acha mais esperto e superior aos simples mortais. O espertalhão só existe e sobrevive porque existe o alesado e inocente. Mas no Brasil, parece que esperteza e inocência são ambas comprometidas. Todos buscam por vantagens e regalias. Algo só é muito ruim quando não me trás vantagens. Se trouxer, fica tudo resolvido. E assim, acredita-se esperto mediante os demais inocentes. O ciclo se repete em todas as categorias e classes sociais. Até que nos sentimos enganados em nossos ganhos e/ou lucros. É uma cultura de cobra engolindo cobra. E neste sentido, vale a máxima de sempre uma jibóia será engolida por uma anaconda. Quando nos acharmos muito espertos, é sempre bom pensar que alguém mais vivido e menos escrupuloso poderá sempre nos passar a perna. Enquanto não mudarmos a cultura respaldada na “Lei do Gerson – aquele que gosta de levar vantagem em tudo” nos manteremos no lamaçal da corrupção e da deslealdade.

O mais impressionante é certeza de que retrato da corrupção mostrado no “Fantástico” se efetiva no cotidiano brasileiro. Somos corruptos naturalizados. Nos vendemos a preço de banana. Nos acostumamos a negociar votos, vagas em estacionamentos, comprar atendimento em serviços públicos, comprar vagas de empregos, passar calotes em amigos, enganar e ludibriar leis de trânsito. Nos acostumamos aos favorecimentos e favores alheios. Mesmos daqueles que elegemos para nos representar legalmente. Naturalizamos e incorporamos a idéia de que quem tem dinheiro tem o poder, e quem tem o poder, pode tudo. Idolatramos, de certo modo, a vilanice. Não almejamos destituir o vilão, mas ocupar seu lugar para fazer tudo exatamente igual. Nossa revolta canaliza-se a uma espécie de vingança e de revanche. Tendemos ao mais fácil. Não nos arriscamos às mudanças e tememos represálias ao tentá-lo. Somos corruptíveis a ponto de desestimular os mais corajosos e afoitos. Juramos apoio, porém preferimos o anonimato e a reserva. Nos acostumamos a eleger os bois de piranha. Até encorajamos alguns, mas mantemos um pé sempre atrás para a necessidade de abandonar o barco na primeira ameaça. Somo a cultura do “salve-se quem puder e fodam-se todos”, porque o que eu quero mesmo é me dar bem. Desenvolvemos assim uma tendência de caráter ao desvio e ensinamos ás próximas gerações a covardia e a tirania por tabela. Educamos nossos filhos para a esperteza. E esperto é quem ganha fácil, sem grandes esforços. A moral se torna relativa, onde tudo é situacional. Formamos pessoas de caráter flexível e fluido demais. Capazes de se adequar a qualquer situação, desde que gratificante e rendosa. A sociedade brasileira tornou-se uma grande fábrica de hipocrisia e mentiras.

Questionamos posturas transgressoras e desonestas, mas no fundo questionamos se não faríamos o mesmo em situações semelhantes. Assim, como dizia meus pais, “a oportunidade faz o ladrão”. Nos tornamos ladrões de nós mesmos ao não entendermos que quando estimulamos, ou simplesmente nos tornamos alheios, a corrupção nos tornamos os próprios alvos dos roubos. Assinamos um atestado de idiotas quando não entendemos que a “sofrível senhora de sorriso débil” e toda aquela quadrilha de larápios do dinheiro público riram e riem de nós mesmos. Quando não entendemos que é o nosso próprio dinheiro que escoa pela vala da corrupção. Quando não compreendemos que o dinheiro público se traduz em horas e horas da nossa força de trabalho. Quando não calculamos que uma pequena propina de 10% sobre uma licitação pública de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) significa 160 salários mínimos, no valor atual de R$ 625,00. Salário mínimo pelo qual a maioria dos brasileiros vende 240 horas mensais trabalhadas. Ou seja, o que um ladrão como esses, que rouba os cofres públicos, leva em uma simples negociata o que corresponde a mais de 13 anos de trabalho duro e honesto de um cidadão comum. E como o corrupto não “passa recibo”, torna-se difícil calcular em valores preciso os prejuízos causados pela corrupção consolidada. Porém estudos e pesquisa estimam que mundialmente a corrupção usurpe dos cofres públicos mundiais mais de um R$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão de reais). Só no Brasil, a falcatrua ultrapassa R$ 85.000.000.000,00 (oitenta e cinco bilhões de reais); valor que corresponderia à construção de mais de 900 mil casas populares. É preciso entender que no cenário mundial, o Brasil aparece como 73º lugar no ranking da transparência sobre o uso do dinheiro público. É preciso entender que somos os responsáveis diretos por esse tipo de impunidade. Até por que, esta, só se consolida e fortalece com nossa omissão e falta de compromisso político.

O que vimos no último domingo apresenta-se como uma chamada à população, mais que isso, uma convocação ao combate das quadrilhas organizadas que controlam e manipulam o poder público, que se mantém com o dinheiro de nossos impostos. Criminosos que criam as leis de um mercado fraudulento que se respalda na “troca de favores”. Assaltantes de colarinhos e decotes que postulam a lei do “eu protejo o meu contratante e meu contratante me protege”. Profissionais do crime organizado que deturpam e mancham a “ética de mercado” e através de ameaças diretas ditam as cartas, seduzem gestores públicos corruptíveis e amedronta os de caráter consolidado. O jornalismo responsável cumpre assim com seu papel. Algumas providências do Governo Federal, em nome da presidenta Dilma Rousseff, sinalizam averiguação em todas as contas de hospitais universitários onde as empresas apontadas atuam. Ministros e defensores públicos solicitam que o dinheiro de transações fraudulentas envolvendo as tais empresas sejam devolvidos aos cofres públicos. Parlamentares se alvoroçam numa possível CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, da Saúde. E você? Vai levantar da cadeira e exigir explicações sobre aplicação da sua força de trabalho, ou vai simplesmente, mais uma vez, lamentar e eleger heróis que lutem pelo bem comum? Se sua opção for à primeira, comece agora. Nem que seja contando de sua insatisfação para alguém do lado. Vamos criar e ordenar um grito de insatisfação! Mas, se preferir optar pela segunda, melhor ter cuidado, pois os heróis são personagens de ficção e só habitam as telas de cinema. Já a corrupção no Brasil é real. É sobre o teu Real que estamos falando.

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