terça-feira, 12 de outubro de 2010

ELEIÇÕES 2010 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE DA MULHER



















Casa da Rosas - Av. Paulista/São Paulo, 2008.

ABORTO: Direito ao Corpo ou Direito a Vida?

Essa semana o aborto tornou-se o tema central em conversas e debates fervorosos, não só entre os políticos em campanha, mas principalmente entre os vários segmentos da sociedade. Acho que este é um dos princípios que devem nortear os regimes democráticos, e por isso considero salutar a introdução do tema nas agendas políticas e sociais país a fora. Porém entendo que por se tratar de um problema de saúde pública, o mesmo deve ser encarado com mais seriedade e menor concepção eleitoreira. E neste sentido, digo que é uma pena que nossa cultura ainda permita que determinados candidatos se utilizem de certas mazelas nacionais para fazerem politicagem.

Confesso que não gosto de fazer campanhas partidárias, mas fica difícil não se indignar diante de um candidato que cinicamente se esconde na pele de bom cordeirinho. E é lógico que numa disputa pela presidência, muitas vezes se verá determinado candidato lançar mão de estratégias que possibilitem suavizar posicionamentos pessoais e ideológicos, uma vez que é preciso agradar a gregos e troianos. E num debate político, com tempo limitado para repostas, réplicas e trépicas dificilmente alguém conseguiria resumir suas concepções relativas a temas considerados tabus. Entre estes, figuram a legalidade do aborto, direitos GLBTTI, liberação de pesquisas envolvendo células troncos, direitos reprodutivos e mais uma imensidade de assuntos que terminam margeando tais embates televisionados.

Mas a coerência em determinados posicionamentos são fundamentais e por isso não se pode se deixar levar pela leviandade com promessas absurdas e utópicas que beiram a irresponsabilidade e consequentemente tornam-se por demais desrespeitosas. Assim, mesmo entendendo a dificuldade relativa ao tema, me proponho a refletir sobre dados precisos e claros acerca da legalização do aborto enquanto alternativa para resolução de um problema real e que atinge diretamente milhões de brasileiros, principalmente os das camadas populares, que não dispõem de grandes esclarecimentos e meios que garantam atendimento de saúde adequado e de qualidade. É este segmento da população que precisa ser respeitado e pelo qual a problemática precisa ser vista e analisada sob a ótica da racionalidade. Diferente de posicionamentos demagogos forjados em falsas ideologias religiosas, o candidato José Serra deveria se portar de forma mais racional e ética, principalmente considerando sua experiência em saúde pública.

Ainda se considerando a hipocrisia social brasileira, é preciso entender que a discussão não deva se concentrar entre a criminização ou não do aborto, mas sim, entre atender ou deixar morrer as mulheres vitimas de uma prática legalmente clandestina. É como querer tapar o sol com a peneira, ou num popular mais rasgado, é o velho jogo do faz de conta. Assim se impõe a lei do silêncio e se empurra milhares de mulheres diariamente às práticas marginais ou marginalizantes. Nessa brincadeira falso-moralista do “faz de conta que você não me diz, que eu faço de conta que não sei”, quem perde é o próprio Estado e consequentemente a sociedade como um todo. Afinal, com a ilegalidade estimula-se o charlatanismo das clínicas clandestinas de aborto, que terminam levando suas milhares de vitimas ao próprio Serviço Único de Saúde – SUS.

Então é preciso que se diga que também a falsa moral católica brasileira em muito tem contribuído para os entraves relativos aos avanços necessários a discussão da saúde da mulher no país. E neste aspecto não é difícil imaginar porque os números mostram as mulheres pobres como às grandes vilãs executoras dos abortos nacionais. Nessa lógica, mulher rica não aborta, mas no máximo faz intervenções clínica ao apresentar complicações na gestação, fato que a obriga a interrompê-la. Assim, essa mulher burguesa mantém-se imaculada socialmente diante de uma cultura tradicionalista e conservadora por que não precisa recorrer aos hospitais ou postos de saúde públicos. Afora isso, quem já viu realmente alguém ser preso por ter feito o aborto? A não ser quando médicos ou profissionais inescrupulosos da saúde escorregam em procedimentos e provocam a morte de pacientes, e por isso, viram manchetes nacionais que comovem a sociedade.

Então penso, sobre a quem realmente de direito cabe discutir o aborto? A religião, ao governo, a medicina, a justiça ou ao povo? Neste aspecto, acredito que a medicina cabe avaliar e considerar as implicações relativas à saúde da mulher, incluindo-se o proporcionar das melhores práticas e intervenções no que se refere ao atendimento especializado. E isto é papel do Estado. À justiça cabem as implicações legais, principalmente e talvez sobre as formas como atuam e têm atuado determinados profissionais descompromissados com a ética e o respeito a vida. Que também é responsabilidade do Estado. Ao mesmo tempo, entendo caber aos governos as responsabilidades de atender aos interesses do povo, não cabendo ao mesmo impor as leis, mas sim, discutir a legalidade e aplicabilidade de algumas práticas, considerando os desejos da sociedade. E por fim, especificamente às mulheres caberá a decisão de escolher entre a continuidade ou interrupção de uma gestação.

Dentro dessa concepção, se o Estado nada mais é do que a representação de um povo caberá a este julgar seus valores morais, religiosos, éticos e ideológicos. É preciso escutar a voz do povo, a voz que vem das ruas para que se entenda os anseios de quem exige mudanças. E política pública séria se faz com a participação popular e não com objetivos eleitoreiros. Dessa forma, é preciso estimular a discussão entre os jovens, estudantes, donas de casa e pais de família que buscam por condições dignas de vida e sobrevivência. Se faz necessário motivar o povo a se tornar participe nos processos de decisão, definindo suas próprias condutas, regras e normas sociais.

Relembro então, que em determinada ocasião de conversa entre amigos, o tema aborto surgiu em meio ao turbilhão de informações e dados discutidos em um desses debates (ou melhor, embate) políticos entre os presidenciáveis. E independente de todas as implicações morais, religiosas, ideológicas e políticas envolvidas na temática do aborto, foi levantada uma nova perspectiva sobre o entrave relativo à sua proibição ou legalização. Resolvemos então refletir sobre o assunto separando o conceito moral implicado e nossas concepções pessoais. Em outras palavras, o que se colocou sobre a mesa foi o fato de que discutir sobre legalização do aborto é diferente de discutir sobre os julgamentos de valores acerca de sua prática. Ou seja, não nos interessava naquele momento discutir se o fazer aborto era certo ou errado, mas sim, se era preciso ou não legalizar sua prática.

Desta forma, têm-se duas discussões distintas. A primeira diz questão à legalização ou não de uma prática real, mas que se mantém na clandestinidade por ser considerada crime. A segunda, por sua vez, refere-se ao entendimento individual que possamos ter, ou construir, sobre a concepção/interrupção da vida. Mesmo sabendo que em ambas, estarão inclusos os julgamentos de valores morais e religiosos que são pessoais, percorremos o viés da necessidade pautada num problema social e de saúde. Estudos mostram que o aborto é uma prática já institucionalizada no Brasil, e isto é fato. O cerne da questão é até quando iremos permitir a clandestinidade que leva a milhares de mortes, ou mulheres sequeladas. Neste sentido, por exemplo, confesso não ser a favor do aborto, mas a favor de sua legalização. E isso, porque entendo que não posso enquanto cidadão querer ou desejar, e muito menos impor, que a sociedade adote minhas convicções enquanto verdade absoluta. Ou seja, acredito que não podemos partir do princípio de que somos os detentores da verdade do outro.

A legalidade em se, a meu ver não implicará em aumento desenfreado de sua prática, mas pelo contrário dará a possibilidade de dignidade da decisão. Entendo que as pessoas precisam ser livres em suas escolhas e decisões pessoais. E que logicamente cabe a mulher o direito ao corpo. Corpo este que não é meu, ou teu, mas do outro autônomo e sujeito de direito. Dentro dessa lógica apresentado os resultados de duas pesquisas relativas ao tema, desenvolvidas na última década. E repito que aos politicos, antes de se colocarem de forma inconsequente e muitas vezes levianas, que é preciso escutar o povo para melhor definir posicionamentos e implementações de políticas públicas eficazes e eficientes.


Gravidez e Aborto em Debate

Em pesquisa sobre gravidez e aborto, realizada pela Fundação Perseu Abramo (2010), no período de 2001 a 2005, envolvendo 2.502 mulheres com idade acima de 15 anos, de 187 municípios com mais de 500 mil habitantes, de 24 estados brasileiros, constatou-se que dois terços (66%) da população entrevistada declarou ter realizado aborto sem orientação médica. Deste total, porém, 70% alegaram ter realizado consulta ginecológica posteriormente, enquanto que 28% das mulheres não contaram com acompanhamento médico durante e depois de sua realização. O estudo revelou ainda que a decisão a favor do aborto não se mostra restrita as mulheres, uma vez que entre os parceiros que tiveram conhecimento da gravidez, 46% mostraram-se favoráveis, enquanto que 21% não se posicionaram de forma clara quanto ao fato de ser contra ou a favor da prática.

No que se refere ao fato de a quem cabe decidir sobre o aborto, 29% das participantes afirmaram que esta é uma decisão única e exclusiva das mulheres, independente da vontade dos parceiros, e 48% afirmaram que a mulher deve ter o direito de decidir sobre a continuidade ou não de uma gravidez. Ainda neste sentido, 61% revelam concordar que o aborto deve ser uma decisão da mulher ou do casal, mas não da lei. Quanto ao conhecimento relativo à legislação brasileira relativa ao tema, 53% das mulheres que fizeram aborto induzido alegaram saber que sua prática não é permitida, ao passo que 36% afirmaram entender que autorização legal dependerá do caso (gravidez por estupro ou gravidez que envolve risco de vida da mãe).

Das mulheres que praticaram o aborto, 61% afirmaram ter tomado a decisão sozinha, e 18% revelaram ter sido uma decisão compartilhada com o companheiro. Nessa perspectiva, 84% afirmaram ter comunicado a gravidez aos companheiros. Das que não compartilharam o fato (16%), 4% consideraram que o fato deles saberem não influiria na decisão e 3% alegaram não ter contado por acreditar que os mesmos não as apoiariam.

Os dados evidenciam também que cerca de três milhões de mulheres no Brasil provocaram o aborto durante a gestação, das quais 28% afirmaram ter realizado o procedimento em clínicas e 21% pela ingestão de remédios industrializados (sendo o Citotec o remédio mais utilizado). Entre os motivos para a prática, as dificuldades financeiras apareceram como principal argumento para 34% das mulheres que provocaram o aborto; o fato de ter que assumir a gravidez sozinha foi apontado por 21%; o medo de rejeição da família, 14%; e o medo da rejeição do companheiro, 13%.

Quando questionadas sobre o que pensam da legalização do aborto, 59% afirmaram que a lei deveria permanecer como estava ao passo que 22% alegaram que o aborto deveria ser proibido em todos os casos e situações. Porém, 16% das mulheres ouvidas consideraram que o aborto deveria deixar de ser considerado crime.

Estudo mais recente, a Pesquisa Nacional de Aborto (APN, 2010) realizada este ano, pela Universidade de Brasília, que envolveu 2.002 mulheres alfabetizadas com idade entre 18 e 30 anos, evidencia que no Brasil o aborto é tão comum que mais de uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já o praticou (22%). Outro dado relevante se refere ao fato do aborto ser realizado nas idades que compõem o centro do período reprodutivo das mulheres – 18 a 29 anos, sendo ainda mais comum entre as com menor nível de escolaridade. O estudo desmistifica a relação aborto e falta de religião, revelando que em sua maioria, estes foram realizados por mulheres católicas, seguidas por protestantes e evangélicas, com bem menor percentual entre as mulheres de outros segmentos religiosos ou sem religião.

Os dados chamam ainda atenção para o fato de que contrariamente ao que se pensava o aborto não é induzido apenas por adolescentes ou mulheres mais velhas, porém a grande incidência concentra-se na juventude, responsável por 60% dos abortos provocados no Brasil. Quanto aos riscos relativos à ilegalidade do aborto, os pesquisadores chamam a atenção para os níveis de internamento pós-aborto que tem se mostrado elevados. Desta forma, constata-se que a metade das mulheres que fez aborto este ano recorreu ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas.

É neste sentido, considerando dados científicos concretos que exprimem a opinião da sociedade, que se considera indiscutíveis a urgência e necessidade de se colocar o aborto como problema de saúde pública no Brasil. Só assim imagino que os debates consigam deixar de ser politiqueiros para se tornarem políticos em essência e fundamento.

Fontes:

http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/pesquisas-de-opiniao-publica/pesquisas-realizadas/gravidez-e-aborto


Garanhus/PE, 2003.


Um comentário:

  1. PARABÉNS MEU AMIGO,VOCÊ MOSTRA EM SUAS PALAVRAS TUDO AQUILO QUE TODAS AS PESSOAS DEVERIAM ENCHEGAR E NÃO CONSEGUE PORQUE SÓ ENCHERGAM A SE MESMOS. SAUDADES DE TE MESTRE. ANA PAULA

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