terça-feira, 3 de agosto de 2010

HISTÓRIAS DO RECIFE - Capítulo XI - Nosso Patrimônio Histórico

Só Quem Preserva o Passado Norteia o Futuro

 
Viver em Recife se traduz em grande oportunidade de reencontro constante com nosso passado. Em cada esquina, em cada rua ou avenida, nossas origens se fazem presente e perpetuam-se ao longo dos anos. Nossas praças, museus, fortes e pontes nos contam das épocas de lutas, dos grandes movimentos em busca da liberdade e soberania, bem como de nossa produção cultural e artística. E se bem atentarmos para a riqueza dos tantos monumentos, casarios e estátuas que se espalham pelo centro da cidade, tomaremos em consideração mais que suficientes justificativas e motivos para nos orgulharmos de ser pernambucanos.

Possuímos um verdadeiro museu a céu aberto, onde cada monumento nos fornece dados sobre quem fomos e como vivemos em épocas remotas. A Rua da Aurora e Rua da Glória revelam-se como exemplos da arquitetura secular, que ao longo dos anos se mostram resistentes e integradas ao progresso e desenvolvimento urbano. Acho mesmo que temos essa característica de aliar a tradição com a modernidade. Atravessando a ponte Princesa Isabel, chegaremos a segunda ilha onde se encontra o maior acervo histórico de nossa cidade. O Palácio Campo das Princesas, construído em 1841, a mando do antigo Conde da Boa Vista, hoje abriga a sede administrativa do Estado. Porém, ainda em 1859 sofreu sua primeira reforma para hospedar a família real, recebendo inicialmente o nome de Campo das Princesas, em referencia aos jardins onde as filhas do rei brincavam. Assim, em conjunto com a Praça da República e o Teatro Santa Isabel registram a época da colonização portuguesa. Considero um dos maiores monumentos vivos de nossa cidade o Baobá centenário, trazida do continente africano.

Porém mais antigo, Palácio de Friburgo, localizado no lado oposto da mesma praça, serviu como palácio de despachos do conde Mauricio de Nassau, e era conhecido na época como Palácio das Torres. Foi demolido em 1770, e em seu lugar foi erguido o Erário Régio que também foi demolido, em 1840. Atualmente em seu lugar encontra-se o Palácio da Justiça. Sua arquitetura destaca-se pelo seu estilo renascentista, com cúpula de quarenta e cinco metros de altura, a mais alta do Brasil e vitrais de Heinrich Moser e pinturas de Murillo La Greca.

Seguindo em frente, atravessa-se nova ponte, a de Mauricio de Nassau, construída em 1643. Na época, em madeira, foi considerada a primeira ponte de grande porte do Brasil, e era conhecida como Ponte do Recife, possuído em suas cabeceiras dois arcos: Arco de Santo Antonio e Arco da Conceição. Chega-se então ao Bairro do Recife Antigo, localizado na terceira ilha que compõe a capital pernambucana. Novamente casarios antigos se espalham pelas ruas formando um bloco arquitetônico secular implantado junto, e em função, do antigo Porto do Recife.

Dessa forma, fica fácil perceber porque Pernambuco, e principalmente Recife, é feito de histórias. Porém acredito que em especial, nossos mercados públicos nos revelam detalhes e importantes informações acerca de nossas origens e, consequentemente, sobre o processo de construção de nossa identidade social. Estudar e conhecer a história de nossos monumentos transforma-se em excelente método didático para aprendizagem e reconhecimento sobre nossa força histórica e cultural. Aconselharia mesmo aos professores abandonarem, de vez em quando, suas salas de aulas e seus birôs de distanciamento acadêmico, para se embrenharem nas ruas da cidade, e assim melhor compartilharem conhecimentos com seus alunos.

Se tomarmos como referência o antigo Mercado Público de São José, descobriremos, por exemplo, que a Avenida Conde da Boa Vista assim se chama em homenagem ao Barão Francisco do Rego Barros, mas conhecido como o Conde da Boa Vista, que em 1839, governava a Província de Pernambuco e tinha como objetivo transformar a cidade de Recife numa espécie de Paris brasileira. Para tanto, trouxe da Europa vários engenheiros, matemáticos e construtores de pontes e edifícios públicos. Seu projeto de modernização e higienização transformou nossa província em uma das mais importantes do Império Português.

E entre os tantos especialistas europeus que aportaram em nossa cidade, encontrava-se o jovem recém formado engenheiro, Louis Léger Vauthier, que inspirado no Mercado de Grenelle de Paris, participou de processo de idealização e construção do nosso atual Mercado de São José. Mas é importante registrar que durante os seis anos que aqui viveu, desenvolveu também projetos de construção e reconstrução de edifícios públicos, a exemplo do Teatro de Santa Izabel, por solicitação do Barão, que foi deposto pela própria Coroa Portuguesa em 1846.

Mas foi somente em 07 de setembro de 1875, que o referido mercado foi inaugurado pelo então presidente da província João Pedro Carvalho de Morais, trazendo de volta o já cinquentão engenheiro. Louis Vauthier tornou-se então, também responsável pelo detalhamento e adequação do edifício ao clima tropical. Desta forma, o atual mercado é um retrato vivo da arquitetura típica do século XIX, com estrutura toda em ferro trazido da Inglaterra, Portugal e França, e desponta atualmente como único edifício desse estilo arquitetônico no Brasil, hoje tombado pelo Patrimônio Histórico. Porém, o espaço onde hoje se encontra instalada a Praça Dom Vital, localizada a frente do mercado, naquela época era conhecido como Ribeira de são José. Ante disso já fora denominado Ribeira dos Peixes, e anteriormente Terreno dos Coqueiros, que foi doado em 1655 aos padres capuchinhos pelos antigos proprietários Belchior Alves Camelo e sua esposa Joana Bezerra.

Caminhando pela Rua Gervásio Pires, chega-se ao Pátio de Santa Cruz e emenda-se com a rua de mesmo nome. O Mercado da Boa Vista, no Bairro da Boa Vista, é tão antigo quanto o de São José, porém não existem registros oficiais relativos à sua data de construção e inauguração. Mas sabe-se, por exemplo, que no local teria funcionado uma estrebaria e o antigo cemitério da antiga Capela de Santa Cruz. Outro dado importante a reconstituição de nossa história refere-se ao fato de que nas pilastras que suportam os grandes portões de ferro, ainda originais, encontra-se visível uma espécie de símbolo que confirma a venda dos escravos que eram trancafiados em seus boxes. Assim, para mim, torna-se incrível saber que bem próximo a minha residência, encontra-se instalado um prédio público onde outrora serviu como centro de leilão de escravos contrabandeados do continente africano. Hoje, serve a comercialização de grande variedade de produtos, bem como, a espaço de laser, com bares espalhados próximo aos boxes, onde aos domingos reúnem-se políticos, escritores, artistas e antigos boêmios moradores do bairro. Não por acaso, o antigo mercado foi escolhido e adotado como ponto de concentração a uma das maiores manifestações sociais que luta por garantias de direitos, denominada O Grito dos Escolhidos, e que sai em caminhada pelas ruas do centro em paralelo aos militares durante o desfile de sete de setembro.

A poucos metros do grande centro localiza-se o Bairro da Madalena, onde antigamente encontra-se um engenho de açúcar. Anteriormente as terras tinham sido doadas por Duarte Coelho ao seu cunhado Jerônimo de Albuquerque, que depois de morto deixou como herança aos filhos. Seu ultimo proprietário, o senhor de engenho Pedro Afonso Durol, mandou construir o Sobrado de São João Alfredo, que depois ficou conhecido como Passagem de D. Madalena, sua esposa. Assim, em 1925 foi implantado o Mercado do Bacurau, denominação em referencia ao horário noturno que atraia boêmios e feirantes que buscavam diversão. Até hoje, o atual Mercado da Madalena, situado na Rua Real da Torre mantém-se como espaço alternativo ao final das grandes farras dos recifenses.

Ainda próximo ao centro, localiza-se o Mercado de Santo Amaro, inaugurado em junho de 1933, na Avenida Cruz Cabugá, onde outrora se encontrava instalado um “correr de casas” pertencentes a Caetano Lopes. Uma das peculiaridades do mercado refere-se ao número do logradouro que é o mesmo do seu ano de fundação.

Outro que se destaca é o Mercado da Encruzilhada, seguindo a tendência arquitetônica dos anos cinquenta. Tornou-se símbolo de modernização por possuir pisos de granito artificiais misturados a cerâmica local, paredes revestidas por azulejos naturais, pavimento superior construído sobre lajes de concreto armado e área coberta de 3.850 metros quadrados, o que o fazia maior que o antigo Mercado de São José. Assim o moderno mercado substituiu o antigo prédio onde funcionava uma estação ferroviária que servia como espaço para comercialização de carnes, peixes e gêneros alimentícios. A frente das obras, nada mais nada menos que o Diretor de Obras da Prefeitura do Recife, o engenheiro Abdias de Carvalho.

Por fim, o Mercado de Água Fria, bairro onde passei meus carnavais de infância, tem sua data de construção em 1952, tendo sido inaugurado dois anos depois de iniciadas as obras, em substituição a antiga feira de rua onde também se comercializava frutas, verduras e gêneros alimentícios. Não existem registros referentes a antigos proprietários do local onde foi erguida a obra. Quarenta anos depois, já nos anos noventa, foi reestruturado o Pátio da Feira, que consiste no agrupamento de mais de cem boxes que se estendem pela Rua Velha de Água Fria. Hoje o mercado se consolida como centro de venda para artigos de Umbanda e Candomblé, miudezas e cerâmicas, além de servir como ponto da gastronomia popular como os demais.

Recife não é apenas uma cidade litorânea, mas uma metrópole histórica. E a exemplo de muitas cidades brasileiras, muitas vezes, relega seu passado. Acredito ser necessária uma reversão de valores, no sentido de conscientizar a população sobre a possibilidade de unir o velho ao novo, pois quem esquece seu passado não norteia seu futuro. É preciso ensinar a nossas crianças e jovens que um país se faz com homens e livros sim, mas que desenvolvimento também se faz com preservação histórica e cultural. E neste ponto, Recife torna-se um grande celeiro a novas inspirações.



Um comentário:

  1. Muito boa esta releitura,do Recife,que nós traz uma volta ao passado! adorei!!!!

    ResponderExcluir