terça-feira, 9 de outubro de 2012

MULHERES A VENDA PELA INTERNET

Fonte: Michel Alecrin (IstoÉ, 26.09.2012)


O RETORNO DA MULHER OBJETO?

Quanto vale a virgindade de uma mulher? R$ 67,2 mil; R$ 140 mil; R$ 2,6 milhões; R$ 3 milhões; ou, R$ 6,8 milhões? Quem dá mais? E quanto vale a orientação sexual de uma filha? R$ 132 milhões? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Está aberto o leilão de corpos!

Façam suas apostas. Até o próximo dia 15 de outubro, os interessados podem fazer seus lances para comprar a virgindade de uma jovem brasileira, de 20 anos de idade, estudante de educação física. “Catarina”, como se identifica, está na internet e já recebeu lance de R$ 140 mil. Segundo ela, tudo não passa de uma aventura, “um negócio”. Para concorrer ao título de desbravador da inocência perdida ou pérfida, basta ter bons antecedentes criminais e uma boa soma em dinheiro. “Em um negócio não se escolhe o comprador”, explica a moça. Contudo, quem comprar sua primeira experiência deve estar consciente que, como em qualquer prática sexual comercial, o que está à venda não é um corpo propriamente, mas apenas fantasias. Assim, tudo se resumirá a sexo, e quem arrematá-la não poderá lhe beijar a boca ou se envolver emocionalmente. Não haverá posses, pois que virgindade não se leva para casa ou se coloca a exposição no centro da sala.

A notícia tem provocado uma verdadeira celeuma em redes sociais e meios de comunicação, trazendo a tona velhos questionamentos. De um lado, os defensores da honra moral e dos bons costumes lhe apedrejam o título de prostituta; do outro, feministas se alvoroçam em destacar o caráter de violência inerente ao ato, exatamente no momento em que as mulheres conseguiram o status de independência. Opiniões a parte, “Catarina”, indiferente as críticas, parece reverter às convenções e postulados teóricos ao se posicionar diante do mundo como mercadoria. Torna-se um novo símbolo de mulher objeto. E entenda-se novo, não relativo à sua idade cronológica, ou inviolabilidade da mercadoria, no caso, a virgindade; mas por não ser esta a primeira vez que mulheres recorrem ao corpo para acessar vantagens. Basta refletir sobre os nossos velhos modelos de casamento, legal e religiosamente eternos, configurados como contratos sociais, onde a mulher sempre foi posse do marido provedor.

Mas é bom saber que antes da iniciativa nacional, Natalie Dylan, estudante americana, de 22 anos, tornou-se recordista mundial ao receber um lance de R$ 6,8 milhões. Deixou par traz garotas mais jovens, tais como Graciela Yataco, peruana, 18 anos, que recebeu oferta de R$ 3 milhões; Raffaela Fico, modelo italiana, 20 anos, que recebeu o lance de R$ 2,6 milhões; Rosie Reid, jovem inglesa de 18 anos, leiloada por R$ 67,2 mil. Será que nossa brasileirinha irá bater o Record? Em época de copa do mundo e olimpíadas nada parece mais justo ou sensato. Quanto valerá os corpos dos brasileiros durante os dois grandes eventos? O mercado está ávido por carne, inclusive humana. Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas! Até porque nas ruas do Brasil o invisível nem sempre será o que não se ver, mas apenas o que se deseja manter marginal.

Do outro lado do mundo, digamos assim, um pai bilionário oferece R$ 132 milhões para o homem que seduzir e casar com sua filha Gigi. A oferta estratosférica, maior do que vários prêmios da Mega Sena brasileira vêm de Hong Kong. O motivo? A moça é lésbica e formalizou sua união com outra mulher na França, já que em sua cidade natal ainda não é possível. Em Hong Kong a homossexualidade só deixou de ser considerado crime em 1991. “O que ela precisa é de um homem de verdade”, destaca o empresário preocupado com as repercussões do caso sobre seus negócios. Apesar dos transtornos, Gigi não se mostra interessada nas ofertas e considera a decisão do pai uma grande brincadeira. Assim, desmente a confusão salientando que não está a venda.

São duas mulheres, duas culturas e o mesmo contexto. Mulheres objetificadas e expostas a venda nas redes de exploração sexual através da internet. Se por trás da moça oriental existe um pai conservador; por trás da brasileira parece existir uma família inconsequente e oportunista. É que “Catarina” tem como objetivo participar de um documentário australiano que retratará as “mudanças emocionais que ocorrem na mulher após a primeira relação sexual”. Uma espécie de Reality Show, gravado na Indonésia. A brasileira foi apenas uma entre as tantas candidatas ao posto de pop-star instantânea e, conta com o total apoio da família. Selecionada, a virgem que só deu o primeiro beijo aos 17 anos, já assinou contrato, pelo qual recebeu R$ 42 mil. Sua noite de núpcias ocorrerá dez dias após o encerramento do leilão, ou seja, dia 25 de outubro deste ano, em local ainda não definido. Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas! Quanto você pagará para assistir ao vivo?

A idéia de que o corpo da mulher pode ser comprado e consumido parece ser tão antiga quanto à existência humana. Também não se pode negar a autonomia das próprias mulheres em dispor do próprio corpo, sejam quais forem os motivos ou objetivos. Contudo, o que se coloca em pauta, é mais uma vez, a representação do feminino enquanto objeto, enquanto ser subjugado, num emaranhado de relações de poder que se estabelecem nas, e pelas culturas. O mercado capitalista estabeleceu, e estabelece valoração financeira para tudo, inclusive para os corpos. Em qualquer atividade profissional estaremos vendendo nossa força de trabalho que resulta do corpo. O fato não se torna diferente ao passo em que a força humana esteja vinculada as práticas sexuais comerciais. Como bem destaca a consciente [?] “Catarina”, tudo não passa de um negócio. A grande questão encontra-se no fato de se avaliar sobre quem realmente ganha, ou pelo menos, ganha mais, com a negociação. Afinal, todos parecerem lucrar: a própria moça, a família, a produtora do reality show, o canal de televisão, e também, os telespectadores.

Mas devemos refletir que neste contexto, o ganhador, ou comprador do grande prêmio será apenas instrumento de toda uma sociedade que se respalda no consumo desenfreado, ensandecido e inconsequente. Os telespectadores, diretores, produtores e agenciadores (incluindo a família) também consumirão o corpo da “Catarina”. Mas será que ela própria também se consumirá? O que será da jovem catarinense após ser desvirginada em cadeia mundial, ao vivo, sob os olhares capitalistamente desejosos, obscenos e pervertidos do público? Quantos pontos no ibope atingirão os canais de transmissão? Quanto pagará cada patrocinador para vincular suas marcas no horário de exibição? Quanto ganhará os verdadeiros produtores do tal documentário, que pode ter todos os objetivos, menos caráter científico? Quanto, e principalmente, o que ganhará a sociedade? Façam suas apostas! Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três!

A insensatez do ato em si não se mostra diferente da que respalda a exploração sexual mundo afora. Quantas crianças e adolescentes são desvirginadas a olhos nus, cotidianamente em nossas cidades? Coisas diferentes? Quanto se paga pelo corpo de uma menina ou menino em Recife, por exemplo? R$ 10,00; R$ 5,00; R$ 2,00: um prato de comida? Um cachorro-quente? Um tênis? Uma roupa nova? Uma noite de sono? Continuem suas postas! O que se consome no mercado do sexo, onde de forma transgressora, crianças e adolescentes de ambos os sexos, são traficadas, aliciadas ou comercializadas livremente, não é a virgindade, mas o sentido ou representação de pureza, de inocência, de inviolabilidade, de intocável, de sagrado, de iniciação, de “lacre”. É a condição ou estado físico que é transformado em mercadoria. O corpo é subjugado e dinheiro torna-se apenas o mediador ao caráter de violação humana. O que importa é infringir a norma, e por isso se paga muito ou pouco, pois que o monetário torna-se instrumento de autorizo. Só existe mercado por que existe consumo. Só se constroem mercadorias porque existem as demandas. E estas, somos nós, sociedade, que estabelecemos, incluindo a definição de seus valores ou valorações. Quanto vale o corpo de uma criança? Quanto custa a inocência dos inocentes? Quanto à sociedade está a fim de pagar, e arcar, pelas consequencias de seus atos? Quanto, realmente, “Catarina” ganhará com tal exposição?

Façam suas apostas! Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Corram para frente da televisão, pois vai começar o show. Caso prefiram algo mais picante e apimentado direcionem seus olhares às ruas de suas cidades, pois que milhares de “Catarinas” estarão à venda enquanto durar o programa televisivo. E nestes casos, especificamente, os “programas” durarão o tempo da sua inércia, da sua indiferença, da sua inversão de valores, da sua violação. Mas depois, se puder, reflita sobre quais produtos você está criando demanda. Sobre quais corpos está colocando a venda. O mercado está aí para lhe servir. Afinal de contas, o mercado e o capitalismo dos corpos nada são do que criações humanas que satisfazem e se alimentam dos nossos próprios desejos. E você, é humano? Então, boa programação. Quem sabe o próximo corpo a venda não será o seu, o do seu filho[a], do seu sobrinho[a], do seu vizinho[a]...?

Dou-lhe uma; dou-lhe duas; dou-lhe três! Façam suas apostas!

Um comentário:

  1. A venda do corpo feminino trata mais do caso de mulher que simplesmente por dinheiro venderá seu corpo, porque nesse mundo em que vivemos só sobrevive aquele que tem dinheiro, pois quem não tem passa fome...

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