quinta-feira, 14 de junho de 2012

OLHA A CHUVA... CHOVEU! OLHA O POVO... PASSOU!


RUA JOSÉ DE ALENCAR


Dizem que sonho de pobre é morar em frente ao mar. Em Recife essa façanha torna-se corriqueira e indiscriminada. É que nós, moradores do centro, temos a particularidade das estações, e com a chegada do inverno [ou seria inferno?] podemos ver o mar bater a nossa porta, ou melhor, recepção. A cidade assume ares turísticos e se transforma em uma verdadeira Veneza. Só não fica mais romântico porque não temos as belas gôndolas italianas. Mas o que são essas em comparação as tantas carroças repletas de papelões e crianças encharcadas que circulam pelas vias principais? Com a chegada das águas ficamos sitiados. Dividimo-nos em pequenas ilhas de concretos, que parecem emergir das profundezas oceânicas rumo aos céus. Ainda temos o privilégio de curtir de nossas janelas às belas paisagens da temporada. Podemos ver, por exemplo, a enxurrada de entulhos que descem rio abaixo para se amontoar as margens e aos pés das pontes. Tem sofás, colchões velhos, pedaços de madeira, bicho morto e mais uma infinidade de objetos desconhecidos. Garrafas Pet têm as pencas. Certo dia vi um fogão boiando. Parecia um pontinho azul perdido num mar de lamas. Às vezes o rio também fica verde, repleto daquelas plantas aquáticas bonitinhas que mais parecem esponjas. Elas formam um tapete bordado por pequenas florezinhas de cor lilás. Sem dúvida nenhuma, uma cena bucólica para ser apreciada de perto.

RUA SETE DE SETEMBRO


Quem é de Recife sabe que neste período de férias não precisamos gastar dinheiro com turismo. Temos diversão gratuita. Prá que ir ao Japão se os tsunamis nos são comuns? Não tem coisa mais linda do que ver as grandes ondas invadindo as ruas, arrastando tudo e a todos que encontra pela frente. O centro da cidade vira uma verdadeira festa. É gente correndo para todos os lados, cachorros e ratos nadando tranquilamente, congestionamentos quilométricos. Dizem que o problema está na educação do povo daqui. Ou melhor, na falta de educação dos recifenses que enchem as canaletas de lixo. Eu digo que a culpa é da gestão pública, ou melhor, da falta desta. Com as chuvas a água transborda e não tendo escoamento invade as calçadas. A água dá na canela como diz o matuto. Ano passado mesmo tinha uma piscina olímpica na Av. Conde da Boa Vista. Pena que não tinha sol. Se tivesse, confesso que teria colocado um calção de banho e aproveitado a oportunidade para pescar. Afinal de contas não é todo dia que se tem um marzão daqueles diante da janela. O consolo é que todos os anos as coisas se repetem. Sempre do mesmo jeito. Por isso, nesse ano não perco. Até já providenciei uma bóia porque não sei nadar em águas profundas. Se Deus quiser, e São João ajudar, poderei curtir uma praiazinha no aconchego do meu lar. E digo que dependerá da bondade divina porque sei que a prefeitura já fez a parte dela. Tanto que já tem gente morrendo por causa dos deslizamentos de barreiras. Tem barracos caindo de morro abaixo. Milhares de famílias desabrigadas. Tudo igual, sem tirar, nem por.

RUA DO HOSPÍCIO

E não pensem que é descuido público ou falta de previsão. Não! É que a chuva de hoje não estava na programação. Afinal, o inverno só começa oficialmente no dia 20 de junho. Durante essa noite e madrugada choveu o equivalente há dez dias, e talvez por isso, coincidentemente tenham ocorrido 10 mortes. Só em Recife foram 151 chamadas de emergência e 18 desmoronamentos. Considerando que a cidade tem 67% de sua área habitável em morros, calcula-se a estimativa de 450 mil pessoas morando em áreas de riscos. É muita gente para atender num período curto de quatro anos. Alguém discorda? Administrar uma cidade como Recife não é tarefa fácil. E neste sentido, vale destacar o eficiente trabalho da CODECIR – Coordenação de Defesa Civil do Recife que exauridamente solicita a essa gente que durante o inverno abandone suas casas e procure outro imóvel mais seguro. Segundo a coordenadora do órgão, Keila Ferreira, todo ano se faz varreduras e monitoramentos dessas áreas e os moradores são orientados a deixar suas casas ao menor sinal de perigo. O problema, na verdade, é que esse povo é teimoso. O recifense chega mesmo a ser tinhoso. Com tantas possibilidades de moradias, oferecidas pela gestão pública, vai logo invadir os morros? E o que custa sair de casa durante as chuvas? Pega os meninos, arruma as malas e vai visitar um parente. Tem coisa mais simples que isso? Tudo é só uma questão de boa vontade. Sem a participação do povo fica difícil gerir problemas. É preciso entender que “A Cidade é a Gente que Faz”. Além do mais, cada um elege o “santo” que merece.

RUA SETE DE SETEMBRO

Independente disso tudo, uma coisa é certa: em situações de precisão apelar só pro João, seja santo ou não, parece não ajudar muito. É preciso compreender que mesmo estando no período das festas “joãoninas”, santo de casa nem sempre faz milagre. Até porque, estamos novamente num momento festivo. São dois grandes eventos: a festa do forró e a festança eleitoreira. Como diz o ditado popular, cada macaco no seu galho. Assim, cada João se ocupa com o que melhor lhe convier - o santo com o forro e o nada santo com os votos. Com tanta coisa mais importante e urgente em tempo de indefinição eleitoral, por exemplo, quem vai pensar em simples desmoronamentos? Melhor manter um olho no padre e outro na missa, porque na contabilidade final 10 votos a menos nem chega a comprometer muita coisa, ou quase nada. Quem é de[voto] do João sabe que isso é coisa corriqueira. Em pouco tempo se esquece e tudo volta ao normal. E se sua casa cair por causa das fortes chuvas, aproveite para conhecer o centro do Recife. A hospedagem nem sempre será de luxo, mas quebrará o galho até a próxima estiagem. Com certeza sua família não será a única. Basta olhar as ruas que já se transformaram em verdadeiras áreas de camping. Com sorte você arranja uma marquise e fixa residência. E olha que o pessoal da prefeitura nem vai lhe importunar, porque há muito nem passam por aqui.

RUA DO HOSPÍCIO

VIVA [SÃO] JOÃO! OLHA A CHUVA... CHOVEU! OLHA O POVO... PASSOU!

Fontes: NETV - Rede Globo, 14 de junho de 2012;
Jornal Hoje - Rede Globo, 14 de junho de 2012. 

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