terça-feira, 19 de junho de 2012

AS ROTINAS E BALADAS DO RECIFE

FESTA DA ODÁRA NO CATAMARÃ


CARA E BOCAS, FLASHS E FOTOS

Recife apesar de ser metrópole, se comporta e se apresenta muitas vezes como pequena província. Principalmente quando o assunto é balada noturna. Para quem é boêmio e gosta da noite como eu, as opções tornam-se restritas quando o brega não se mostra como atração. Pode-se dizer que vivemos em uma cidade cíclica. Se fugir do carnaval é quase impossível, desconsiderar o São João também não é tarefa nada fácil. Fora destes ciclos festivos, que inclui o natal para fechar o calendário anual, a monotonia tende a tomar conta da capitá. Com o fechamento da antiga Casa de Bamba, localizada no bairro da Torre, não tem sobrado muitos espaços para se curtir boa música. Contudo, nos últimos meses uma onda de festas que podemos chamar de alternativas tem possibilitado bons momentos e diversão garantida. Sempre aos sábados, acontecem em espaços diversos, dentro e fora do Recife. São quatro festas, uma por semana, todos os meses. Cada uma com público e estilos diferentes, pelo menos na concepção. É que quem é notívago sabe que o público cativo, na verdade nunca se recicla e tudo termina parecendo um grande clube de velhos sócios. Mas, neste caso, a variedade de opções contribui para certa renovação de rostos, o que parece empregar um ar de novidade cotidiana. Assim, quem deseja ou busca sair da rotina não deve perder as edições da Putz, da Maledita, do Brega Naite, e principalmente, da Odara.

A última versão da Putz aconteceu no Bar do Grego, localizado em um antigo prédio rosado onde funciona um “puteiro”, localizado no Cais da Alfândega, Recife Antigo. Como sempre um grupo de jovens se aglomera na frente do espaço, onde aproveitam para desfilar as roupas de marcas [o que é diferente de grife] e fazer caras e bocas. O estilo poderia ser redefinido como fashion-repaginado, onde no melhor estilo, nada parece fazer sentido. Acho mesmo que a “onda” é não combinar nada com nada, e assim chamar a atenção. O exagero torna-se Cult e referencia. Na verdade penso que as pessoas não se arrumam para ir à festa, mas ao contrário, se fantasiam, e assim, tentam empregar e expressar um tom de modernidade no melhor modelo “sou cabeça”. Tanto quanto nas boates o clima sugere artificialidade. Logicamente as câmeras digitais não param de pipocar em flashes que registram as velhas e montadas fotos de felicidades previamente ensaiadas. Como diz um grande amigo, “não basta estar, mas é preciso alardear que se esteve”. Não é para isso que servem as redes sociais? Apesar da superfetação, no melhor sentido de excesso, a festa acontece de maneira agradável e amistosa, aberta a diversidade. Meninos e meninas parecem se misturar em orientações. Em alguns momentos torna-se quase impossível a identificação pelo sexo, e assim é melhor recorrer ao recorte de gênero para diferenciar o que parece ser feminino do que parece ser masculino. Mesmo assim, é aconselhável não apostar muito em sua capacidade de percepção, pois que as aparências tendem a enganar bastante. O som é eletrônico, e este é o principal atrativo da festa. Destaque para o regaste de velhos sucessos remixados.

A Maledita também faz referencia as boates, só que em espaço aberto. Acontece sempre no Vapor 48, localizado ao lado do Catamarã, por trás do viaduto cinco pontas, bairro de São José. O espaço é ventilado e acolhedor, além de contar com uma visão privilegiada da Baia do Pina. O público em si, não varia muito. Jovens, em sua maioria jovens gays, que dançam ao som da pick-up comandada por DJs experientes. Camisas de malhas, coladas ao corpo, para destacar silhuetas dão o tom da festa para a maioria dos presentes. A coisa parece mais arrumada e por isso mesmo revela uma massa pasteurizada no ultimo grito da moda. Por falar nisso, quando será que o xadrez vai sair de circulação? Torna-se impressionante a variação de cores em estampas repetidas. Neste caso, não sei bem se o problema é a tendência ou a liquidação. Outro dia vi um grupo de cinco rapazes que se encontravam na frente do espaço. Eles chegaram um a um, hora afetados, hora mais calmos e discretos. Os dois primeiros usavam camisas claras com estampas em xadrez em tons escuros. Ambos tinham as mangas compridas arregaçadas até a metade dos braços. O terceiro conseguiu inovar em uma camisa branca, de mangas compridas, com estampa em xadrez de tom marrom claro. O quarto, que era baixinho e louro-reflexos, vestia uma camisa azul escuro, com mangas compridas, arregaçadas, com estampa em xadrez branco e azul claro. Quando pensei que quadrilha junina estava pronta com seus pares, um quinto rapaz se aproximou apressado. Este, mais alto, vestia uma camisa vermelha, com mangas compridas, arregaçadas, estampada em xadrez azul marinho e preto. Será que o clube do bolina mudou de configuração e conseguiu finalmente se repaginar? Independente dos modismos de crediários, o melhor momento da festa acontece do lado de fora. Vale à pena contemplar a ebulição que se transforma em “fechação”, que por si só já paga o ingresso. Na mesa de som uma fotografia de Cher, cantora rainha dos gays americanos se harmoniza com jarras de água em formato de abacaxi. Jarros de flores dão um toque especial. Ninguém consegue entender se aquilo é uma desarrumação organizada ou um pejí. O importante mesmo é não perder as coreografias exaustivamente ensaiadas que ganham espaço nas musicas de Adele e Beyonce.

Na semana passada fui pela primeira vez a Brega Naite, que aconteceu no antigo Clube Atlântico de Olinda. O espaço fica ao lado das ruínas do Cine Olinda, que até hoje, apesar das verbas capitadas sucessivamente, nunca foi restaurado [segundo informam ou fofocam os moradores da cidade histórica]. Nesta o tema é o brega rasgado, com direito a show de Michele Melo, e seus convidados, Kelvin Duran e João do Morro. Vale salientar que dessa vez o xadrez era o mote, o que deu um clima especial a quadrilha junina improvisada. Como sempre digo, o brega canta e conta histórias de vida da periferia. Não precisa rima ou romantismo, assim como aos interpretes não precisa talento. O estilo realmente está em alta, tanto que independente do estilo [ou proposta] da festa, não pode faltar a “melô das empreguetes”. Nesse rastro, festa que se presa, nos dias atuais, tem que tocar Gaby Amarantes, com seu famoso “Ex-My Love”. Isso sem esquecer o “Kuduro” da novela das nove. Os clássicos de Conde e Reginaldo Rossi se misturam as novas versões esvaziadas das tantas e quantas bandas com cantores/as de vozes estridentes e figurinos cafonas. Vale a proposta e a diversão comandada de forma profissional pelo pessoal do som. Na verdade a coisa funciona como uma versão do I Love Cafuçú, e como nas outras versões, tudo é motivo para novas [velhas] fotos de facebook.

Por fim, a Odára [ou desce] mostra-se como a mais alternativa de todas as festas. Acontece sempre no ultimo sábado de cada mês, no Catamarã, ao lado do Vapor 48 [claro]. O espaço e bem maior e as instalações bem mais confortáveis. O serviço de bar é rápido e tem banheiros químicos, o que facilita a vida dos cervejeiros de carteirinha. As músicas são antigas e se transforma em uma verdadeira salada. Toca de tudo. De Rita Lee, Jorge Bem Jor a empreguetes. O público também é maior e mais variado, misturando todas as tribos e gerações. Apesar disso a livre expressão afetiva encontra espaço e os mais variados tipos de casais se formam em encontros, reencontros e desencontros. Sem sombra de dúvidas um espaço onde impera o respeito pelas diferenças. A vista é belíssima e o local ventilado. Como em todos os espaços, as classes sociais assumem e demarcam seus lugares e hierarquias. Assim, enquanto os burgueses dançam no clube, a periferia baila sobre o viaduto. Todos sob o mesmo ritmo. Como em todas as outras, as vias de acesso se tornam passarelas, com direitos a flashes e fotos. Vale a pena conferir e se divertir.


NORMANDO VIANA, EPITACIO NUNES, ROGÉRIO RIBEIRO E DANILO CARIAS
NA FESTA DA MELEDITA NO VAPOR 48

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