A FAMÍLIA E A ACADEMIA DA CIDADE
Ninguém pode negar que o ”Recife
tem encantos mil”, muito menos, que tem também mil problemas que exigem
soluções urgentes. Imagens inusitadas têm transformado nossas praças públicas
em espaços vivos, literalmente falando. É que hoje, esses se configuram como
espaços de proteção as pessoas em situação de rua. E que ninguém duvide que nossas praças são, em verdade, retratos vivos do
descaso e despreparo social e político com que se governa a cidade. É quase impossível
imaginar que uma família - formada por esposa, marido e um bebê, possa está
residindo, há mais de dois meses, em uma escadaria dos equipamentos de
ginástica de uma das ”academias da cidade”. E saliento que o problema não está
na ocupação indevida, mas na impropriedade da situação. Juro que se o fato não
fosse em Recife, não acreditaria.
A família vive nas ruas há dois
anos. Chegaram ao centro da cidade após o incêndio que destruiu sua casa,
localizada no Coque, bairro periférico do centro metropolitano. Temendo os
riscos inerentes as agitações dos grandes centros urbanos e na tentativa de
proteger o bebê se fixaram na Academia da Cidade, localizada em Boa Viagem,
bairro nobre da cidade. Para Rafael da Silva, 21 anos, pai da criança “o lugar,
por ser coberto e fechado, mantém nosso filho protegido da chuva e do vento
frio da noite”. Sobrevivendo de esmolas e do dinheiro conseguido com alguns
bicos consegue comprar feijão, arroz e biscoito. Um fogão foi improvisado a partir
de dois tijolos, enquanto que o mar torna-se único recurso para o banho diário.
Sol, chuva, ventania, poeira, areia e mato. Solidão, desamparo, falta de
assistência e desrespeito público. Realidades de vidas marcadas pela
desigualdade social. Vitimas do descaso público.
Apesar das condições impróprias e
indignas, o casal alega preferir as ruas que as casas de acolhimento. Os motivos
são óbvios e merecem consideração. “Não queremos ir para o abrigo, podemos ser
separados do nosso filho”, diz Patrícia Silva, 31 anos, mãe da criança. O medo
neste sentido é generalizado. Milhares de pessoas se mantêm nas ruas, também
como forma de preservação da família, e logicamente, do próprio protagonismo e
cidadania. Se o serviço público não consegue atender as necessidades básicas
dos usuários, respeitando inclusive o direito de autonomia, não serve ao que se
destina. É preciso rever modelos e estratégias. Reestruturar e/ou implementar
novas políticas públicas que considerem e abarquem as necessidades e
especificidades individuais e familiares. O que se vê é um casal na luta pela
manutenção de seus vínculos afetivos. Pessoas não podem ser entendidas, vistas,
e muito menos, tratadas como gado. É preciso efetivar as ações da assistência social
de forma eficaz. De nada adianta retirar a população da situação de rua sem
oferecer as condições de sustentabilidade que garantam o fortalecimento de seus
vínculos. As ações precisam ser articuladas com as demais políticas setoriais.
Inserir nos cursos de capacitação e qualificação profissional só adianta se for
garantida sua inserção no mercado de trabalho. E não é oferecendo cursos “para
pobres”, como muito se tem visto na prática, que se muda a realidade de pessoas
já marcadas e estigmatizadas como marginais – predestinadas às margens da
sociedade.
O principal é entender que a
situação dessa família não é única, e muito menos, inédita. Basta olhar nossas
praças e ruas. Não é a mesma situação da família que residia [ou reside] na
Praça Cinco Pontas, também noticiada em jornais? Em baixo do meu prédio também
tem centenas delas. Uma especialmente chama a atenção por ter um bebê que dorme
ao lado de um cachorro, sobre o mesmo papelão velho. O cenário não diverge
muito. Colchoes, restos de roupas, tralhas, carroças cheias de restos e bichos.
São 900 pessoas desassistidas espalhadas pelas ruas do Grande Recife, segundo
dados do levantamento realizado em 2012, pela prefeitura. E tem quem acredite
que esse número era maior em anos anteriores. O que não duvido. Dizem que em
2010 a população em situação de rua contabilizava 1.500 pessoas. Isso significa
uma redução de quase 50% em dois anos. Se não fosse em Recife, até acreditaria.
Por isso insisto na necessidade de se questionar a eficiência da contagem. Como
já falei em posts anteriores, só na Av. Conde da Boa Vista são dezenas de
famílias. E as Ruas da Aurora, Imperatriz, Sete de Setembro, Hospício, Gervásio
Pires, Manoel Borba, Soledade, Riachuelo, e tantas outras? E a Av. Mário Melo e
a Agamenon Magalhães? E as praças Maciel Pinheiro [arredores], Joaquim Nabuco,
Oswaldo Cruz, Parnamirim, etc. Ou essas ruas, avenidas e praças não são Grande
Recife? A contagem é diurna ou noturna? Será que isso faz alguma diferença? De qualquer
forma, temos ainda seis meses pela frente. É acreditar que sempre depois da
tempestade chega a bonança. Vamos torcer! Vamos votar!
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