segunda-feira, 14 de maio de 2012

RECIFE SITIADA



UMA GESTÃO HIGIENISTA

Há mais ou menos um mês a Praça Maciel Pinheiro foi reaberta ao público sem grandes mudanças. Depredada e esquecida, por muito tempo serviu de refúgio a várias famílias e pessoas em situação de rua. Praticamente funcionava como uma espécie de abrigo a céu aberto onde, homens, mulheres, adolescentes e crianças passavam dias e noites. Colchões velhos cobertos por lençóis furados davam um colorido nada natural ao local. Crianças brincavam nas águas escuras do histórico chafariz, onde também se banhavam, e muitas vezes, mulheres lavavam restos de roupas. Uma cena dantesca para a maioria dos moradores e lojistas da região. Um exemplo vivo do despreparo e descompromisso público bem no centro da cidade. A praça em si parecia uma miniatura da “cracolândia” paulista, fazendo-se necessária intervenção urgente. Primeiro, a fim de garantir atendimento médico e social aos usuários que mais pareciam mortos vivos; e, segundo, visando restaurar o patrimônio público amplamente prejudicado pela poluição e sujeira que lhes causavam um aspecto escabroso.

Assim, a praça passou uns quinze dias, completa e misteriosamente isolada por tapumes de madeiras. Os operários demonstravam pressa e pareciam correr de um lado para outro com suas ferramentas. A população em situação de rua deslocou-se para as redondezas. E neste caso específico, as redondezas diziam respeito às sobras das calçadas onde foram armados os colchões e varais de sobras encardidamente coloridas. Terminados os serviços reparatórios, mas não restauradores, a praça foi reaberta. As esculturas foram aspiradas, voltando a revelar a brancura marmórea original. Os supostos jardins foram limpos, mas não arrumados. Até deram uma mão de tinta, ou verniz, na escultura da Clarice Lispector, que agora não possui mais abajur. Os bancos foram pintados e o chafariz foi desligado. Por isso os leões não cospem mais águas aveludadas. Por isso não existe mais lodo para as crianças se banharem. Por isso também, não existe mais espaço para se lavar velhos trapos que um dia foram considerados roupas. Não foi bem um trabalho de restauração, mas talvez uma ação de higienização, dessas promovidas de improviso e de forma incosequente como tanto se vê por aí a fora.


Talvez tenha sido a maneira mais prática e rápida que encontraram para limpar os restos e tralhas humanas que insistiam em parasitar sobre as históricas pedras claras. Acho que realmente estavam com muita pressa em resolver o velho problema, tantas vezes denunciado em jornais e blogs. A final de contas atender com prontidão as solicitações dos eleitores é obrigação de qualquer político sério. Principalmente quando se busca a reeleição. Porém, atender aos pedidos da população nunca foi coisa fácil. Como já diz o ditado popular, “não se consegue agradar a gregos e a troianos”. Ou bem uma coisa, ou bem outra. As duas, de uma só vez, impossível até ao mais esperto e astuto estrategista. Se existem divergências entre os interesses populares, opta-se sempre pela maioria. E assim se fez. E se a população em situação de rua, minoria, não saia por bem, teve mesmo que sair por mal. Mas ninguém pode negar que a gestão publica realizou intervenções no local. Não, isso não se pode negar. Eu mesmo vi profissionais da assistência social fazendo as famosas “abordagens de rua”. Tinha até veículo da prefeitura disponível, caso alguém desejasse ser removido, ou institucionalizado. Mas infelizmente população em situação de rua não é um segmento fácil de trabalhar. Não, não é mesmo. É preciso tempo, e logicamente, argumentações concretas e focadas nas necessidades e possibilidades individuais. E isso não se consegue da noite para o dia. O que se consegue nesse período de tempo, chama-se evacuação de área.


Como diz outro velho ditado, “não se pode cobrir um santo e descobrir outro”. Isso não é justiça social. Não é garantia de direitos. Higienização nunca foi à melhor solução. É preciso planejamento para efetivar as políticas públicas. E vale salientar que neste caso, a institucionalização compulsória não se aplica. Tem que se trabalhar na raiz do problema, porque simplesmente podar a copa, muitas vezes, só contribui para entortar ou atrofiar o caule. E nesse trocadilho todo, também não adianta justificar as falhas alegando que “pau que nasce torto, morre torto”. Apenas internar usuários de drogas em unidades de saúde para desintoxicação, sem garantir reinserção familiar e inserção no mundo do trabalho, é brincar de enxugar gelo. Sitiar uma praça pública para impedir a fixação de maltrapilhos desassistidos é transferir o problema. Até porque se a Praça Maciel Pinheiro está livre da população em situação de rua, a frente da Igreja da Imperatriz e o corredor comercial da Rua do Hospício, em frente ao Teatro do Parque, estão repletos. É que com a instalação de viaturas da polícia e alocação de guardas municipais, responsáveis pela proteção do patrimônio cultural e histórico, os antigos “moradores” foram obrigados a procurar novos abrigos em calçadas e becos, tão sujos e desprotegidos como outrora fora a praça.

Assim, perde todo mundo. A praça continua feia e sem atrativos dignos de uma sesta ou descanso ocasional por parte dos trabalhadores e transeuntes. A bela escultura, onde uma índia se banhava, ficou estática e sem vida depois que fecharam a água. Com certeza seu antigo aspecto e funcionalidade de bica eram mais respeitosos. Afinal de contas, “a praça é do povo, assim como o céu é do condor”. Resumindo a ópera, enquanto não se efetiva as políticas publicas de forma eficiente e eficaz, melhor deixar as praças e os céus aos “com-dor” e aos “sem-dor”, pois que se torna mais democrático. Já que nem esta, a democracia, tem garantido a efetivação da igualdade e a garantia de direitos que viabilizem a dignidade. E que esta, por fim, a dignidade, fique a cargo dos gestores públicos e políticos no desenvolvimento de suas atribuições. Talvez seja melhor, e mais rápido, realizar novo concurso público para aumentar o efetivo da polícia e garantir que todas as praças da cidade sejam sitiadas. Só não sei se dá para fazer isso tudo antes das eleições. Será que conseguem? Melhor, ver pra crer. A pena é ter que esperar para votar.


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