sexta-feira, 8 de abril de 2011

MASSACRE NA ESCOLA CARIOCA - Cenas de Ficção ou Realidade Social?


REFLEXOS DA BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA.

O que aconteceu? “Um psicopata matou doze crianças em uma escola do Rio de Janeiro”. Dizia uma voz angustiada ao telefone. Foi assim que recebi a notícia bombástica sobre o massacre na escola carioca. “Está em todos os jornais e televisão. Estão transmitindo ao vivo. Muita criança morta e tem sangue por todos os lados. O assassino deu um tiro na cabeça e tem miolos espalhados pelas paredes e corredor. É um verdadeiro filme de terror que está acontecendo lá”, continuava a voz rouca, num relato entrecortado por soluços e lágrimas que pareciam misturadas a certa euforia e excitação. Era algo novo. Nunca visto e nunca presenciado com tanta minúcia de detalhes. E em tom frenético a voz relatava o passo a passo do que se via na TV. O que dizer em uma hora dessas? E principalmente como explicar que aquelas cenas tão cinematográficas agora faziam parte de nossa realidade?

Na verdade não precisei acompanhar as notícias veiculadas na imprensa. Os relatos chegavam de todos os lados, em uma velocidade alucinante. Foi o assunto do dia. Será o tema da semana que se prolongará em intermináveis documentários jornalísticos. Estava há mais de 150 quilômetros de Recife, em uma ação de treinamento quando recebi a informação pelo celular. Na era da tecnologia avançada a informação se mostra tão rápida quanto as ações que compõem os fatos. Tudo é imediato. Todas as emoções se mostram imediatistas. Como imediatas se tornam nossa comoção e necessidade de respostas. Todos buscam explicações e por isso as informações se tornam precipitadas e controversas. É como se ao encontrarmos uma hipótese, qualquer que seja, pudéssemos diminuir a dor e a perplexidade diante da brutalidade que nos choca. É preciso explicações que nos convençam sobre a anormalidade do fato. Porque somos humanos, logo racionais, o que implica na desnaturalização do ocorrido. Tanto que a pergunta que mais se ouvia era: “como uma pessoa normal pode fazer uma coisa dessas?” Para logo em seguida complementarem suas próprias indagações duvidosas: “Isso é uma coisa de monstro.”

Na verdade não é o que se espera de um cidadão pacato e comum, como tantos que convivem e habitam os mesmos espaços que costumamos frequentar. E talvez seja esse o principal motivo para tão grande angustia e incômodo. Fomos pegos de surpresa? Talvez sim. Mas não poderíamos acreditar na tola utopia de que fatos como esses não chegariam até nossa sociedade, nossas cidades, nossas vidas. Na verdade os requintes de violência comuns a esses tipos de crime não nos são estranhos, ou mesmo desconhecidos. Será que já nos esquecemos do “Caso Nardoni”, onde os pais jogaram uma criança da janela de um apartamento? E do “Caso Bruno”, onde o corpo da vítima provavelmente foi devorado pelos cães famintos? Quanto tempo faz que a jovem Suzane Von Richthofen efetivou o assassinato de seus pais durante uma noite sombria? E em quantos pontos o “Caso Eloá” aumentou o ibope das emissoras de televisão?

Será que junto com a velocidade da informação também não nos acostumamos a assistir e acompanhar tais crimes como filmes de cinema e novelas de TV? Não é fato concreto que levamos a violência para dentro de nossas casas e assim perdemos a capacidade de diferenciar ficção e realidade? Será que não é fato também, que este caso em específico, se mostra semelhante aos tantos casos que assistimos junto aos nossos filhos, mas que talvez não tenhamos julgado tão importantes ou graves por que se deram em outros países? Será que não existia, de certa forma, um prenuncio de algo que poderia nos atingir? Será que esse alucinado e doentio acesso a informações tão bem detalhadas não inspiram e motivam a réplica ou imitação?

De qualquer forma, acho que nos acostumamos a fechar a porta apenas depois de roubados. Essa tem sido nossa política. Ou melhor, este nos é um bom exemplo da ausência de políticas eficientes e eficazes no enfrentamento a violência. Nossas escolas, públicas e privadas, estão repletas de casos de violência cotidianamente sofrida e promovida por estudantes, professores e agentes de educação. Hoje o país se esforça para combater o Bulling. E isso claro, é louvável. Mas se bem me lembro, quando criança e ainda quando jovem também fui vítima de bulling. E na época não existia tal classificação para essa modalidade de violência, e muito menos estratégias de enfrentamento e combate. Quanto tempo se esperou para se começar a enfrentar a homofobia nas escolas? E a para combater a discriminação e o preconceito étnico/racial? Assim, o que tenho me perguntado nos últimos dias, é até que ponto estávamos realmente inocentes e desavisados.

Parece que mais uma vez a vida imitou a arte. Não foi assim que o estudante de medicina Mateus da Costa Meira disparou tiros de submetralhadora sobre a platéia que assistia ao filme “O Clube da Luta”, exibido em uma sala do Morumbi Shopping, em São Paulo? Não é fato também que em todos esses casos a perplexidade coletiva parece ter se tornar passageira? E que passageira também parece se torna nossa memória por deletar tais experiências com a mesma velocidade com que a imprensa muda de foco e reportagens? Não é verdade que banalizamos a violência ao nos acostumar apenas a chorar e nos comover diante da tela? Mais uma cena forte. Apenas mais uma novela com trama macabra. Ficção e realidade que se misturam e causam emoções. Mas no caso da ficção, talvez seja interessante refletir porque os vilãos nos têm marcado muito mais do que os bons mocinhos. Talvez porque a violência gere mais ibope do que o mal fadado romantismo. Talvez até pudéssemos pensar se não existe, ou se ainda não temos alimentado ferozmente uma verdadeira indústria da violência.

O problema é que nestes casos a preocupação maior parece se concentrar não nas estratégias de prevenção e enfrentamento, mas única e exclusivamente, em traçar o perfil do assassino. É preciso encontrar respostas a uma sociedade revoltada. É preciso delegar culpas a alguém. Até porque tais situações expõem nossas fragilidades e coloca em cheque a eficácia do Estado. Por isso forma-se um batalhão de profissionais e especialistas que apressados concentram esforços em justificativas de deleguem a culpa ao acaso e ao imprevisto. Busca-se por laudos técnicos e pareceres especializados sobre as psicopatologias humanas. E mais uma vez recorre-se a medicina para justificar o que é social e político. O vilão precisa ser eliminado, não apenas metaforicamente, mas de forma concreta e imediata. Afastado o risco, busca-se por motivos que expliquem comportamentos doentios. E neste contexto, a classificação de psicopata parece a melhor solução. Existe mesmo, de certo modo, uma verdadeira fascinação coletiva acerca da psicopatia. Sobre esses misteriosos seres que invadem nossos inconscientes despertando o medo, a curiosidade e até a admiração.

Voltando a televisão veremos que na verdade aprendemos a torcer pelas milhares de “Lauras”, “Ivones” e “Floras” da vida. Também na vida real é assim. Perigosos assassinos e bandidos são transformados em falsos heróis instantâneos. E em quanto será que temos contribuído para isso? É neste sentido que penso no quanto a psicopatia, também conhecida como sociopatia, tem sido associada aos assassinos que matam em série. Mas neste sentido talvez seja viável pensar que nem todo assassino é psicopata. E que o oposto também se mostra verdadeiro, pois que nem todo psicopata chega a cometer assassinatos ou se revelam fisicamente violentos e perigosos. No entanto, revela-se uma tendência a percebê-los enquanto bode expiatório, ou bola da vez. Voltamos à caça as bruxas. Talvez porque assim se consiga amenizar nossas próprias culpas e responsabilidades. Talvez porque assim se explique nossa ineficiência diante do inesperado e do imprevisto. Talvez porque amenize nossa dor. Talvez porque nos faça acreditar que o ocorrido foi apenas fruto do incontrolável. Lavamos as mãos diante do sofrimento alheio. Comentamos o fato até a exaustão para facilitar o esquecimento. E assim ficamos até que o caso ou fato se repita. Até que mais uma situação escancare nossa incapacidade de lidar com nossas falhas e faltas. E o quanto agimos como os verdadeiros psicopatas, agindo com a mais clássica ausência de culpas.

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