quinta-feira, 21 de abril de 2011

EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE MENINOS EM PERNAMBUCO








PROJETO HISTÓRIA DE MENINOS

A muito me atenho em revelar as nuances e especificidades da violência urbana que tem se instaurado e instalado na cidade do Recife. Com certeza minha prática enquanto pesquisador e técnico da assistência social em muito tem contribuído e influenciado para a concentração de esforços na busca por respostas relativas a um fenômeno que tem se mostrado crescente, e que vem se diversificando no requinte das agressões perpetradas contra as mulheres, sejam elas idosas, adultas, jovens, adolescentes ou crianças. Desta forma, partimos do ponto de que para se analisar a violência é preciso entendê-la enquanto fenômeno social por demais complexo por conjugar aspectos sociais, culturais, econômicos, históricos, políticos, jurídicos e éticos de nossa sociedade. Neste aspecto, salienta-se a violência sexual como fruto de relações de dominação e produto de relações sociais construídas de forma desigual.

Em um sentido mais amplo, dentro de uma sociedade estruturada a partir das desigualdades como a nossa, torna-se impossível pensar a violência sexual desconsiderando as relações de gênero. Durante minha vivencia e experiência na assistência social, seja na coordenação de projetos de inserção social, seja na coordenação técnica de equipamentos que integram o sistema de garantia de direitos, tenho observado que essa modalidade de violência encontra-se respaldada, muitas vezes, em preceitos construídos socialmente ao longo dos tempos objetivando a consolidação e afirmação do poder do masculino sobre o feminino. Tanto que culturalmente no Brasil a violência em si tem se traduzido nessa hierarquização do poder, onde as mulheres foram reduzidas a condição de objetos de serventia e posse dos homens. De forma concreta a violência sexual tem se tornado uma extensão previsível, quase que naturalizada, da subjugação do feminino pelo masculino, fato já bastante revelado em estudos acadêmicos e científicos.

Porém a violência sexual, como todo fenômeno, apresenta-se em várias formas e revela nuances que nos chama a atenção para além do lugar comum. É neste aspecto que considero importante e relevante analisar o lugar do masculino não só enquanto executor, mas também enquanto alvo e/ou vitima da violência sexual. Assim tenho proposto a ampliação das discussões para se [re]pensar e se refletir sobre o homens “coisificados”, tanto quanto as mulheres, quando vitimas de abusos e exploração sexual. Durante o período que compreendeu minha pesquisa de mestrado, onde busquei analisar as performances de gênero dos homens que se prostituem nas ruas do Recife, pude constatar nas ruas da cidade a consolidação de um novo fenômeno social comum aos grandes centros urbanos - a inserção cada vez mais frequente de meninos no universo do sexo pago.

Tal constatação, confirmada nos estudos e pesquisas do também psicólogo Normando Viana (2010) nos levou a ver que, antes vista como atividade restrita e exclusiva do feminino, a prostituição vem se mostrando muitas vezes como meio viável para o acesso a espaços e possibilidades também por parte de homens jovens. Observa-se então a reconfiguração de uma das atividades mais antigas do mundo, agora subcategorizada em modalidades específicas que compreendem a prostituição feminina, exercida por mulheres e travestis; e, a prostituição masculina, exercida por homens héteros e homossexuais. Mas não é da prostituição enquanto atividade comercial exercida de forma consciente que pretendemos nos ater neste momento, mas sobre a prostituição enquanto modalidade da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, que se caracteriza enquanto crime e violação dos direitos humanos fundamentais.

Apesar de não desconsiderarmos o aspecto socioeconômico enquanto motivador a inserção de crianças e adolescentes no universo da prostituição propomos a reflexão sobre outros aspectos relacionados que parecem contribuir para a submersão “quase que voluntária das mesmas” no mercado do sexo. Sugerimos uma análise não só sobre as formas de inserção forçosa que se dará através das redes de exploração, mas, principalmente sobre os fatores e aspectos envolvidos no processo de sedução que parecem fazê-las integrar-se a um universo de falsas promessas de soluções imediatas a problemas que se dão para além das esferas econômicas e da subsistência, e que envolvem questões mais subjetivas relacionadas a descoberta e vivencia da sexualidade.

Especificamente entre os boys de programa, autonomeação comum aos homens que se prostituem tanto em espaços públicos quanto em espaços privados na cidade do Recife, evidencia-se a inserção e atuação de crianças e adolescentes do sexo masculino dividindo espaços e clientes entre os boys adultos. Os mesmos, em sua maioria, residem em comunidades localizadas nos subúrbios da cidade, não concluíram o ensino fundamental, não vislumbram grandes oportunidades profissionais e encontram-se imersos num processo de exclusão estigmatizada e estigmatizante, o que evidencia a influência de fatores socioeconômicos como uma das principais justificativas, porém não única, para suas inserções no mercado do sexo ainda durante a infância ou pré-adolescência, por volta dos nove a dezesseis anos de idade (SOUZA NET0, 2009; VIANA, 2010).

Também nas ruas do centro da cidade torna-se fácil a constatação de que meninos interagem e circulam com a desenvoltura de gente grande próximos aos espaços privados de prostituição. Tal fato tem revelado a consolidação de verdadeiras redes de exploração sexual comercial de meninos, bem como a estruturação de um forte mercado sexual homoerótico que vem se estabelecendo em vários territórios de prostituição. Neste mercado, salienta-se que o comercio formal, que inclui entre os estabelecimentos estruturados para o exercício da atividade sexual comercial masculina, as saunas, cinemas pornôs, pensões e boates; abre-se espaço também para uma grande variedade de comerciantes informais que instalam suas barracas de comidas e bebidas em pontos estratégicos e que servem, muitas vezes, como pontos de encontro e concentração dos meninos (VIANA, 2010).

Outro aspecto que tem nos chamado atenção relaciona-se a invisibilidade da exploração sexual de meninos em estudos acadêmicos e dados estatísticos oficiais. Fazendo-se uma breve verificação nos documentos e publicações científicas relativos ao tema constata-se que os mesmos, quando mencionados, aparecem quase como simples figurantes inseridos num fenômeno protagonizado por meninas e adolescentes do sexo feminino. Mesmo entendendo que estatisticamente as meninas representam o maior percentual de casos de abusos e exploração sexual, torna-se necessário e urgente o registro e contabilização dos casos envolvendo os meninos a fim de se implementar políticas públicas voltadas ao enfrentamento do fenômeno de forma mais ampla e inclusiva.

Partindo deste princípio, bem como, considerando que atualmente a exploração sexual de meninos também é observada nos grandes centros urbanos de municípios localizados fora da Região Metropolitana, resolvemos discuti-la a partir das experiências dos meninos objetivando redesenhar o panorama da exploração sexual de crianças e adolescentes em nosso estado. A partir de nossa inquietação, partimos para ações mais concretas, o que nos motivou a buscar patrocínio para a efetivação do projeto Histórias de Meninos – panorama da exploração sexual de meninos no estado de Pernambuco, que visa instrumentalizar e capacitar técnico e metodologicamente os gestores e técnicos da Política Nacional da Assistência Social dos 185 municípios, possibilitando a identificação e registro dos casos que servirão como material de análise e contribuirão de forma significativa para posterior ampliação da construção de conhecimento.

Registre-se que o projeto é uma iniciativa da Superegus Produções e Consultoria, especializada no desenvolvimento e execução de projetos sociais, educação e cultura, com patrocínio da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – CHESF; e que nosso ponto de partida deu-se no dia vinte e três de março, com o lançamento oficial na Região de Desenvolvimento da Mata Norte, composta por dezenove municípios. Destacamos ainda, que tal empreitada só tornou-se possível através da parceria com o Laboratório de Estudos da Sexualidade Humana – Lab-ESHU, no qual integramos o grupo de pesquisadores; com o Centro de Apoio Social e Arte Educação – CASA, organização não governamental que atua na perspectiva da inserção social através do exercício e vivência da arte e cultura; e, do apoio do Governo do Estado de Pernambuco, através da Gerencia de Proteção Social Especial – GPSE/SEDSDH.

Com a pretensão de dividir e trocar experiências, e antecipando parte de nossas ações registrando a partir de agora algumas de nossas reflexões pessoais sobre esse novo desafio que se apresenta como marco para nossas carreiras acadêmicas. Esperamos contribuir de forma efetiva para ampliar a discussão, bem como consolidar um movimento acadêmico, científico e social que tem como principal objetivo retirar da invisibilidade a temática da exploração sexual comercial de meninos.

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