Projeto de Mobilidade Urbana Buenos Aires/AR. |
RECIFE: A CIDADE QUE
NÃO MUDA!
Sabe-se que todo processo de
mudança gera certa resistência. Sair da área de conforto nunca foi, e nunca
será tarefa fácil para ninguém. Afinal de contas o costume nos leva a acomodação,
o que nos deixa confortáveis. Assim, fazemos sempre as mesmas coisas, dos
mesmos modos, e nos sentimos seguros. A mudança, por sua vez, nos impõe o
repensar e o refazer, o que, muitas vezes, nos obriga a abandonar velhas
verdades pré-concebidas. E reconstruir conceitos torna-se, na maioria das
vezes, tão assustador quanto o futuro. Assim é o Recife, uma cidade temerosa que
não muda. A falta de mudanças talvez seja a maior prova de alienação. Não no
sentido da inconsciência, do alheamento ou da negação ao mundo que nos rodeia.
Falo da alienação relativa a algo que nos foi tirado, que nos foi negado de
forma proposital, objetivando a indiferença e o vazio. Falo da nossa
incapacidade de refletir sobre os fatos de forma original e genuína, capacidade
essa, intrínseca ao humano. E neste sentido, penso que com o tempo nos tornamos
alienados da reflexão.
Projeto de Mobilidade Urbana Av. Caxangá - Recife |
Chegamos a agosto e a cidade
continua a mesma! E neste ponto é preciso pensar: será que seis meses é tempo
suficiente para as grandes transformações necessárias? Logicamente que não.
Mas, sem sombra de dúvidas, é mais que suficiente para se vislumbrar o início
de um processo que se efetiva em um contínuo. O processo de transformação é
lento porque envolve várias questões, principalmente culturais. Envolve também
as questões subjetivas tais como as inseguranças relativas ao porque mudar, o
para que mudar, e principalmente, o como mudar. A mudança é um resultado
coletivo, nunca individual, até para que não se torne tendencioso, atendendo as
expectativas de um, ou de poucos. A mudança somente se torna positiva, e
consequentemente bem vinda, quando beneficia a todos, ou pelos menos a maioria.
Buenos Aires - Obra concluída em 06 meses. |
Em janeiro deste ano estive em
Buenos Aires, capital federal da Argentina. Pude então registrar o início das
obras de implantação de um corredor exclusivo para ônibus bem no coração da
cidade, na Avenida 09 de Julho. As obras objetivam favorecer a mobilidade
urbana, descongestionando e melhor organizando o tráfego, que nem de longe
lembra a desorganização do nosso, bem como possibilitar o acesso a um
transporte de qualidade, com maior agilidade e conforto aos usuários. O projeto
não é inovador, muito menos revolucionário, uma vez que a maioria dos centros
urbanos dos países classificados como desenvolvidos já partiram na frente. Nós
também o estamos implantando, ou pelos menos temos a pretensão de fazê-lo.
Av. Caxangá - Recife |
Penso que a grande questão está
no compromisso e no respeito que temos com o que é público. Ou melhor, com a
fonte financiadora, mais precisamente com os recursos financeiros, que
logicamente, saem dos nossos bolsos. Também está no respeito à população,
principalmente aos que saem as ruas e vão às urnas reivindicar por mudanças
concretas. E olhe que concreto pode ser tudo, menos nossas expectativas e
possibilidades potenciais de mudanças. Quando em julho, mês passado, retornei a
cidade portenha, as obras do corredor exclusivo para ônibus já haviam sido
concluídas, e antes de retornar da viagem já havia sido inaugurada. Foram
exatamente seis meses! Agora, alguém lembra quando foram iniciadas as obras da
Avenida Caxangá? Alguém tem previsão do término? Será que já faz mais de seis
meses? E os recursos financeiros aplicados são os mesmos, ou teremos que fazer
maiores investimentos, como de praxe? Será que além da cultura e do clima, a
noção de tempo também é diferente para os argentinos e recifenses? O grau de
alienação é o mesmo? Quando serão iniciadas as obras na Avenida Agamenon
Magalhães?
Av. Caxangá. |
Estamos em agosto e a cidade não
muda. Recife continua intocada. A Avenida Conde da Boa Vista se transformou em
um grande mercado público. E saliento que não tenho nada contra o mercado
livre, pois este é parte de nossas origens mascates. Não estou falando em
abolir ou extinguir o comércio nas ruas, mas em transformá-lo em fonte de renda
e orgulho. Este tipo de comércio é tradição, agora a desorganização, a falta de
infraestrutura e higiene adequada á questão de gestão pública. E disto, sem
dúvida alguma, estamos alienados. Apesar do “pouco tempo” que representam seis
meses alguém consegue perceber mudanças da gestão atual para a gestão anterior?
Pois se elas existem, ou existiram, penso que passam ou passaram bem longe do
centro urbano. Talvez a grande questão seja pensar se Recife é uma cidade única,
ou um conjunto de cidadelas.
Então, para não incorrer em
riscos de equívocos, ou ainda em interpretações precipitadas, ou ainda
infundadas e injustas, digo que na cidadela que compõe o micro espaço relativo
ao centro do Recife, tudo continua igual. Alguém consegue andar pelas calçadas
livres de quedas, escorregões, tropeções, esbarrões, agitação, solavancos, irritação
e estresse? Isso sem falar da sujeita acumulada, do mau cheiro, da
desorganização e da quantidade de água acumulada. E as instalações elétricas
repletas de gambiarras, ganchos, gatos, jacarés, nós e noprós, que envergonham
e escondem nossa arquitetura? E a quantidade de crianças e adolescentes,
jovens, adultos e idosos que permanecem hospedados indignamente em nossas
marquises, convivendo com cachorros, gatos e ratos? Alguma mudança? Os
acidentes no transito diminuíram? Na semana passada uma viatura da polícia
avançou o sinal e atropelou uma motoqueira bem embaixo de minha janela. Aliás,
acidentes com motos já se tornaram programa obrigatório para quem tem janela
voltada para a avenida. Estou até pensando em cancelar as assinaturas dos
jornais. Para que ler, se posso ver ao vivo e em tempo real as tragédias
cotidianas? Na minha rua a micro-cracolândia, com grande potencial de expansão,
continua instalada. Crianças e adolescentes continuam sendo prostituídas em
cada esquina. Ontem ocorreu um novo assalto, gerando corre-corre pelas ruas. Eu
ainda continuo com medo de andar nas ruas durante as noites e madrugadas. Você
não? Eu continuo pagando altos impostos em nome da segurança e da qualidade de
vida prometida! E você?
Chegamos a “agosto” e o Recife
não mudou! Só nos resta saber se foi “a gosto” de Deus ou dos homens. Talvez
seja hora de revisar o velho ditado popular onde se evidencia que: quem diz
fazer mais e melhor, normalmente não faz. Até porque quem faz de verdade,
efetiva a ação sem alardear. Por isso acredito que alardear saber fazer o que
nunca se fez, torna-se apenas retórica de politiqueiro. E desses, sinceramente,
eu já estou cheio! E você?
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