Na terra do carnaval não se nega a
força e o poder das máscaras, seja pelo fascínio ou medo que provocam. O adereço
popular, farta e livremente utilizados pelos foliões, caracteriza e
particulariza uma das maiores festas do planeta dando-lhe colorido e beleza
especiais. A multiplicidade de feições e expressões, bem como a diversidade de
tamanhos, formatos e estilos revelam uma característica nossa, a
disponibilidade para a felicidade. Além
disso, as máscaras possibilitam a divulgação e consolidação de nossa identidade
enquanto brincantes. Neste sentido, assumem a função de símbolos da irreverência
e da criatividade de um povo, funcionando muitas vezes como instrumento de
crítica, e logicamente, instrumento de afirmação ideológica.
Esta semana as máscaras tornaram-se
alvo da repressão por parte de um governo que se diz democrático. A proibição
do uso de máscaras durante manifestações ou atos públicos contraria uma lógica
de nossa cultura. Assim, a determinação impetrada pelo governo de Pernambuco reacende
a necessidade de novas reflexões sobre o direito de livre expressão e
liberdade, garantidas na Constituição Federal. O argumento utilizado para
fundamentar o dispositivo legal é a omissão da identidade do indivíduo que se
utiliza da máscara para agir de forma segura e camuflada contra o patrimônio
público e a segurança da sociedade, o que dificulta sua identificação e,
consequentemente sua penalização. Mas a omissão da identidade nas ações contra
o povo e a sociedade não é característica única dos vândalos infiltrados nas manifestações
populares. Os políticos se utilizam do mesmo recurso para aprovar leis e
projetos que não beneficiam a coletividade através de votações secretas e
fechadas que se dão tanto nas câmaras como no senado. Dois pesos e duas medidas
não são garantias de igualdade de direitos, e muito menos símbolo ou sinônimo de
democracia.
Se o ato de retirar a máscara
evidencia a identidade individual, o ato de colocar as máscaras reafirma e
fortalece a identidade coletiva. E neste sentido, para ação dos sistemas
opressores, que não se utilizam do diálogo como forma de negociação e resolução
de conflitos, a proibição do uso da máscara se apresenta como medida eficaz e
instrumento imediato de controle e opressão. É preciso entender que o
vandalismo é também resultado da violência praticada pela polícia, ainda que
esta se apresente de maneira camuflada ou mascarada de boas intenções. Até por
que como diz a voz do povo, de boas intensões até o inferno está cheio. Logo, torna-se
evidente que não se combate violência com mais violência. A repressão da vontade
popular sempre foi a principal arma da ditadura, e esta o povo derrubou há exatamente
29 anos. O governo precisa está a favor do povo, das vontades e anseios da
população, pois que esta é, e sempre será, a principal responsável por sua existência
e manutenção. É preciso salientar que não existe governo sem povo, mas nem
sempre o contrário se torna verdadeiro. E povo sem governo amedronta, assusta,
acua e ameaça a todos. Talvez essa seja a grande questão e ponto para as
reflexões necessárias. Os tempos são outros e é preciso que os instrumentos de
negociação também se tornem outros para não se repetir os mesmos erros do
passado.
Penso que a discussão estende a
reflexão para além do ato de usar máscaras. A grande questão está na conjugação
prática do verbo. Mascarar é sinônimo de camuflar, dissimular, disfarçar ou
omitir. A aplicação do verbo se estabelece no ato ou ação de esconder intenções,
dados ou fatos, coisas comuns aos governos ditatoriais. Se nosso regime
politico fosse de fato, e verdadeiramente, democrático, os que protestam contra
o sistema não precisariam se utilizar do artifício das máscaras. Sair-se-ia a
rua de cara limpa! A preservação da identidade neste caso se estabelece como
estratégia de preservação e defesa da própria integridade, individual e também
coletiva. Torna-se uma estratégia de luta contra o poder opressor. E neste caso
se legitima e se fundamenta. Omitir a identidade é diferente de utilizar
máscaras, pois que nestes movimentos populares atuais tal adereço tem a mesma
feição. A máscara em questão, utilizada principalmente pelos “Black Bloc”, é única,
e por isso personifica e generaliza a ideologia grupal. Claro que as
generalizações são sempre perigosas. Nem todo mascarado é um vândalo. Assim como
o vandalismo não respalda todos os movimentos populares que hoje atormentam os
políticos. O que se pode generalizar neste caso é a indignação popular que se
estabelece diante dos escândalos de corrupção, desmandos, chantagens,
negociatas e ineficiência da justiça. O desgoverno popular que invade as ruas
das principais cidades do país tem raízes emocionais. E o risco se estabelece
exatamente nesse contexto. Quando a
emoção vence a racionalização as consequências podem ser incalculáveis e as ações
imprevisíveis.
Se o objetivo é a transparência nas
relações entre governo e sociedade, é preciso que o primeiro inicie o dever de
casa, retirando suas próprias máscaras. Toda massa tem, e sempre terá o poder
da mudança, fazendo ou não uso das máscaras. Nossa história mostra que em um
movimento anterior a identidade era marcada basicamente por duas faixas de
tinta no rosto. Os “Cara Pintadas” também eram jovens e invadiram as ruas
revelando a identidade coletiva, provocando mudanças. A diferença do movimento
atual consiste na ausência de partidos e políticos oportunistas, que mascarados
se aproveitavam para se autopromover. Se esses tipos de estratégias se esgotaram,
tornando-se inadmissíveis e intoleráveis nas reivindicações atuais, só revela a
evolução da consciência política do povo. E isso, sim, traz a mudanças! Se os
representantes atuais não atendem as expectativas do povo, precisam ser trocados
e substituídos. Essa é a lógica que governa as relações sociais. A grande
surpresa dos políticos é a constatação inevitável da ameaça à manutenção de
seus falsos poderes, aos quais tentam se agarrar com unhas e dentes, até porque
não sabem fazer outra coisa além de politicagem.
Proibir a uso de máscaras nas
manifestações é abrir espaço para o fortalecimento do movimento, que logo
encontrará outro referencial simbólico. Toda ação gera reação. Toda repressão
gera ainda mais revolta, tornando-se um desafio a ser vencido. Assim, muitas
vezes mudam-se as armas, mas não o argumento ou ideologia das batalhas. O certo
é que a mudança sempre vem. Às vezes é só uma questão de tempo. E neste caso, a
questão de tempo é uma urgência e prioridade dos políticos, e não
necessariamente do povo que está nas ruas. A grande arma nessa batalha não é a
máscara, mas as urnas. E estas tem data marcada. Assim, nas eleições de 2014,
talvez as verdadeiras máscaras caiam de vez para que o povo volte às ruas com a
cara limpa. VAMOS ESPERAR PARA VER?
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