A VIRGINDADE MASCULINA A
VENDA
Quanto vale um homem? Não no
sentido literal, em relação direta ao valor moral, muito menos analítico sobre
caráter ou personalidade de um indivíduo. Neste momento não nos importa
refletir sobre condutas, comportamentos, história de vida ou ideologias
políticas. A questão é: quanto vale um homem, ou pelo menos a masculinidade que
este simboliza? O desafio foi lançado esta semana através de um paulistano,
mais conhecido como “Homem-Picanha”, que abriu o leilão para sua virgindade. A
notícia rapidamente se espalhou pelos principais jornais e invadiu a internet,
provocando reações diversas do público, que se dividiu entre a surpresa,
credibilidade, espanto ou admiração.
Na pagina de um jornal barato, e
não menos sensacionalista encontrei a reportagem: “Homem Vende a Virgindade”.
Segundo a notícia, o rapaz de 33 anos colocou no final do mês de maio, um vídeo
na internet que já contabilizou 102 mil acessos. O que ele propõe não é a venda
de sua primeira experiência sexual, como fez a jovem Catarina no ano passado.
Neste caso especifico, leiloa-se o desvirginamento anal de um homem. Parece
então, que o que está em jogo não é o corpo-carne propriamente, mas o
corpo-simbólico. A inquietação do público não parece respaldada pela
comercialização da pratica anal masculina, mas talvez justificada por sua
representação. O foco da questão não gira em torno do ânus, pois que este se
torna apenas um representativo da masculinidade ofertada. Talvez ainda, o
espanto geral se justifique apenas pela visibilidade dada em torno de uma prática
extremamente comum dentro de um mercado que a sociedade prefere manter na
invisibilidade.
Não é mais novidade o fato do
mercado do sexo movimentar anualmente, ao redor do mundo, cifras equivalentes a
32 milhões de dólares. A novidade talvez consista no descortinar da dinâmica
e/ou segmentos desse mercado, caracterizado não apenas pela prostituição, mas
também pela exploração sexual, pelo tráfico de seres humanos para fins de
prostituição, turismo sexual e pornografia. A publicitação de um mercado sexual
parece assim provocar reflexões mais profundas, relativas ao que é e ao que não
é possível, ou passível de comercialização. Vender a força de trabalho em troca
de ganho monetário é a mola mestra do sistema capitalista. Comercializar as
práticas sexuais é tão antigo quanto a história da humanidade. O sexo comercial
entre homens, em si, não provoca mais tanto estranhamento, porém traz
implicações para o campo das subjetividades. Afinal de contas, o que é um
homem? Assim, o Homem-Picanha, mesmo sem pretensões conscientes, reabre as
discussões sobre a importância da manutenção de uma norma hegemônica, ainda que
fossilizada, não mais suficiente, para se pensar o ser macho. Será que a
pretensa curiosidade exposta pelo rapaz acerca de uma penetração que se daria
em um ambiente selvagem reacende no imaginário masculino o medo do desejo
fálico? Sofreriam todos os homens do complexo do
homem-picanha?
Para o senso comum, o rapaz em
questão ao se colocar na posição de sujeito penetrado (simbolicamente agente
passivo durante a interação sexual com outro homem) abdica do lugar de macho.
Se a oferta o mantivesse na posição de penetrador (simbolicamente ativo durante
o ato), mesmo contrariando a heteronormatividade, talvez causasse menos
incômodo. Tudo isso nos leva de volta às antigas e exaustivas discussões sobre
as relações e papeis de gênero que definem e respaldam os lugares do masculino
e do feminino perante a sociedade. A quebra dos modelos e padrões sociais, que
nada mais são do que construções sociais, introjetados e assimilados pela massa
humana através dos séculos causa desconforto por levar-nos a novas reflexões
sobre uma temática aparentemente tão complexa e proibida. Pensar, ou melhor,
repensar a sexualidade ainda nos parece um desafio imenso, e até impossível
para a maioria. Mas, partindo do pressuposto de que as sexualidades são
construções, nada nos impede dos atos de desconstrução e reconstrução. Esses
exercícios viabilizam apenas novas possibilidades. E estas tenderão sempre a
acomodação com o passar dos tempos, tornando-se socialmente tão normais ou
naturais quanto as regras e modelos vigentes.
O Homem-Picanha em nada se difere
dos tantos outros Homens-Carnes que povoam as ruas, os becos, saunas, casas de
massagem, boates ou sites da internet, diária e cotidianamente, comercializando
fantasias sexuais. O que se diferencia é o alcance da estratégia utilizada na
comercialização. A internet possibilita a ampliação e propagação imediata da
informação, o que viabiliza a interação e a participação popular. Indireta ou
indiretamente as pessoas fazem seus lances, nem sempre monetários, mas sempre
carregados de valores. A internet transforma-se então na grande tribuna, onde
todos especulam, argumentam e se posicionam diante da temática, oferecendo
material concreto para análises mais amplas sobre a sexualidade brasileira. E
nisso ela parece cumprir com seu papel, assim como o Homem-Picanha serve ao
objetivo da reflexão sobre a fluidez e flexibilidade das sexualidades
masculinas.
Independentemente se a carne é
“Fryboi” ou não, como questiona um internauta, o importante é entender que o
corpo sempre será a fonte da força de trabalho humano, e como tal, instrumento passível
de troca e venda no mercado capitalista. As marcas ou rótulos servem apenas
para respaldar as classificações e categorizações sociais, que sempre respaldam
estigmatizações e preconceitos. O fundamental não é pensar sobre o que se vende
ou o que se compra, mas sobre quais e em que condições as comercializações se
estabelecem. Quando se tem autonomia e poder de decisão sobre o uso e usufruto
do próprio corpo, como no caso em questão, não se comete erros ou pecados. A
ilegalidade e transgressão se estabelecem através da exploração da força de
trabalho e na subjugação involuntária e não autorizada do outro,
independentemente das partes dos corpos envolvidas.
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