OS PADRES:
SANTOS OU PECADORES, DOENTES OU CRIMINOSOS?
O que é um padre? Um homem santo,
livre dos pecados terrenos; ou, um homem comum, que como qualquer outro, vivencia
a força dos desejos? Que lugar ocupa um padre no imaginário de uma sociedade
que se fundamenta nos princípios cristãos? Que responsabilidades lhe cabem no
exercício de suas atribuições? Quem pode julgar um padre?
Esta semana os jornais divulgaram
mais um caso de abuso e exploração sexual contra meninos cometidos por um
padre. O fato ocorrido na cidade de Cabrobó, sertão pernambucano, reabre a
discussão sobre a necessidade e urgência de se implementar políticas públicas
voltadas a garantia dos direitos e a proteção de crianças e adolescentes do
sexo masculino, em situações de vulnerabilidade e riscos sociais, vítimas do
complexo fenômeno da exploração sexual. Depois de quatro anos de investigações o padre
Evandro Bezerra, que assumia suas funções religiosas no pequeno município, foi
preso sob a acusação de cometer atos de violência sexual contra meninos que
frequentavam sua igreja. “Segundo denuncias do Ministério Público – MPPE, o
padre costuma atrair meninos e adolescentes carentes para a casa paroquial,
onde praticava todo tipo de abuso contra eles. As vítimas denunciaram o caso ao
Conselho Tutelar, que gerou uma investigação policial. Depois de ouvir as
vítimas e o padre, a Polícia Civil indiciou o religioso por abuso sexual”,
destaca a reportagem do Diário de Pernambuco, assinada pelos jornalistas
Raphael Guerra e Wagner Oliveira [Diário de Pernambuco, 16.08.2012]. A comunidade
local se diz perplexa diante do fato. O padre se diz inocente diante das
acusações. E os meninos, o que podem dizer sobre suas dores?
O que sente uma criança violada
em sua intimidade? E quando essa violação é praticada por pessoas de
referência, como um pai, um padrasto, avô, tio..., uma mãe? Que sentidos assumirão
as relações de poder e, quais os significados de família serão construídos a
partir de então? A violação sexual cometida por um padre não se torna mais ou
menos nefasta, mas traz outras implicações, que coloca inclusive em cheque o
papel da igreja, e consequentemente, da religião. Neste sentido, não se pode
negar o papel desta para a manutenção da ordem social. Os princípios
doutrinários de qualquer segmento religioso servem, até certo ponto, de base
para a consolidação dos valores morais e também sociais de uma determinada
cultura, ou grupo de pessoas. Ou não foi a religião que nos ensinou o sagrado
dos corpos? Não foi também a religião, junto ao Estado, que instituiu a
administração da sexualidade humana, gerando e impondo à sociedade uma
concepção do sexo com fins exclusivamente procriativos? Não foi, ainda, ela
quem construiu as concepções de divino e pecado? Então como fica a sociedade
diante da negação de princípios e dogmas tão sólidos por parte de seus
representantes máximos na terra? O que sentirá uma criança violada sexualmente
por um padre, um pastor, pai de santo, baba orixá, guia espiritual, curandeiro...,
ou qualquer outro que o valha?
Se a heteronormatividade
estabelece como máxima o sexo entre homens e mulheres, como fica a
representação simbólica de masculinidade para um menino violentado sexualmente
por um homem adulto? A violação não é só
corporal, mas moral e psicológica, atingindo o que se tem de “mais sagrado”, a
identidade. Na nossa cultura, ser homem ou mulher ainda se mostra fundamental à
constituição e à sobrevivência dos sujeitos. Infelizmente a norma não nos revela
flexibilidade, ou abre espaços aos novos modelos do que é ser homem ou ser
mulher. Assim, uma criança do sexo masculino violada por um homem adulto poderá
se deparar com a desconstrução simbólica de um modelo social que lhe servirá
para a consolidação de um desenvolvimento psicossexual maduro e saudável. O ato
de violência não atinge apenas a dimensão corpórea, mas também a subjetividade,
afetando diretamente a autoestima. Neste sentido, culturalmente, ser penetrado
ou possuído por outro homem, principalmente adulto, o destitui da condição de
macho. O menino será atingido em sua essência, tornando-se inclusive, muitas
vezes, motivo de vergonha social. Quem repara os danos? A quem cabe tal
reparação? A igreja, ao Estado, a sociedade? Que penalidade mostra-se justa
diante do irreparável? Não que o abuso e a exploração sexual contra meninos
sejam mais graves do que os cometidos contra meninas, em hipótese alguma. O que
questionamos é o porquê da crueldade em mantê-los numa falsa invisibilidade se
os prejuízos são tão nefastos para ambos?
O envolvimento de religiosos nos
casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes reabre a
velha discussão sobre a pedofilia. Seria esta a principal justificativa para a
ação, nada santa, dos representantes de Deus? Então porque será que a
patologização do ato criminoso torna-se recorrente e senso comum nestes casos? Será
que a pedofilia é uma doença contagiosa que acomete especificamente os
celibatários? E quanto aos representantes religiosos não celibatários? Será que
a pedofilia se desenvolve como uma doença viral que impregna as sólidas paredes
de mosteiros e templos religiosos e acomete exclusivamente os frágeis homens da
fé? Ou mostrar-se doente perante a sociedade atônita, e muitas vezes incrédula,
parecerá menos grave do que assumir-se enquanto criminoso? Um padre “doente” poderá
ser julgado e/ou crucificado do mesmo modo que um criminoso qualquer, ou
estaremos pecando? Afinal de contas,
estes não são homens de bem? Não se fizeram [ou os fizemos?] representantes do
divino, e por isso superiores a nós? Não são estes mesmos homens que elegemos
como doutrinadores da moral e dos bons costumes? Não os mantemos, inclusive
financeiramente, para atuarem e contribuírem para a prática de uma cultura de
paz e consolidação de uma sociedade mais justa?
Diante de tantas evidencias
contra, principalmente a “Santa Igreja”, como fica a imagem das Instituições
religiosas e de seus “seres sagrados” que pregam o castigo como recurso para
fortalecimento da fé entre os fiéis? Quem nos guiará ao paraíso agora? Neste
sentido, me questiono sobre o que é um padre? Homem santo, representante de um
Deus imaculado e benevolente? Um ser humano comum, propenso inclusive a ceder às
tentações da carne? Um homem em eterno conflito entre os próprios desejos
sexuais e os dogmas que lhes outorgam o lugar de representantes sagrados? Representantes
religiosos devem ser julgados pelas leis dos homens ou de Deus? Deverá ser
perdoado por suas fraquezas ou condenado a pagar por seus erros? Acho que a prisão
de um padre mexe com o imaginário popular sobre o “santificado” por colocar em
dúvida inclusive sua existência. Terá um homem as qualidades, capacidades e competências
necessárias à representação do divino? Afinal de contas, o que é o homem? Penso
que se conseguirmos conceituá-lo encontrar-se a resposta para a pergunta chave
– o que é um padre?
Um representante religioso que se
utiliza de sua influência e importância sobre a sociedade para seduzir e
aliciar crianças e adolescentes não se torna diferente dos tantos e tantos
homens comuns. Pedofilia é uma doença que se caracteriza pelo deslocamento do
objeto de desejo, que na vida adulta deverá estar direcionado para outro
adulto, seja do mesmo sexo ou do sexo oposto. É preciso entender que pedofilia
é diferente de homossexualidade, pois que nem todos os pedófilos os são, haja
vista o grande número de meninas que se tornam vitimas de pedófilos masculinos.
Também é diferente de abuso e exploração sexual, pois que os pedófilos só
sentem atração e desejo sexual por crianças. Um homem ou uma mulher, adultos,
que se relacione e sinta atração, desejo e prazer sexual com outros adultos,
sejam estes homens ou mulheres, e comete violência sexual contra crianças e/ou
adolescentes do sexo masculino ou feminino, não poderá ser classificado como
pedófilo e sim como criminoso/a. Neste aspecto vale salientar que nem todos os
representantes religiosos são pedófilos, que digam os profissionais do sexo
que, em muitas situações, atendem e acalentam seus espíritos e aliviam seus
desejos carnais.
Afastar um padre abusador de sua
diocese ou paróquia, prática comum adotada pela Igreja Católica, não ameniza a
responsabilidade da instituição que ainda não se desculpou perante a sociedade
pelos tantos casos divulgados e comprovados nestes séculos de dominação
religiosa. Exercer a doutrina religiosa não pode inocentar ninguém pelos crimes
cometidos. Afinal de contas, o paraíso é uma criação humana que permanece
distante. Que se faça a justiça dos homens, em nome e em defesa de todas as
crianças e adolescentes vítimas de violência. E que assim seja sempre e para
sempre! “Amém”!
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