domingo, 19 de agosto de 2012

OS PADRES ABUSADORES SEXUAIS DE MENINOS EM PERNAMBUCO



OS PADRES:
SANTOS OU PECADORES, DOENTES OU CRIMINOSOS?

O que é um padre? Um homem santo, livre dos pecados terrenos; ou, um homem comum, que como qualquer outro, vivencia a força dos desejos? Que lugar ocupa um padre no imaginário de uma sociedade que se fundamenta nos princípios cristãos? Que responsabilidades lhe cabem no exercício de suas atribuições? Quem pode julgar um padre?

Esta semana os jornais divulgaram mais um caso de abuso e exploração sexual contra meninos cometidos por um padre. O fato ocorrido na cidade de Cabrobó, sertão pernambucano, reabre a discussão sobre a necessidade e urgência de se implementar políticas públicas voltadas a garantia dos direitos e a proteção de crianças e adolescentes do sexo masculino, em situações de vulnerabilidade e riscos sociais, vítimas do complexo fenômeno da exploração sexual.  Depois de quatro anos de investigações o padre Evandro Bezerra, que assumia suas funções religiosas no pequeno município, foi preso sob a acusação de cometer atos de violência sexual contra meninos que frequentavam sua igreja. “Segundo denuncias do Ministério Público – MPPE, o padre costuma atrair meninos e adolescentes carentes para a casa paroquial, onde praticava todo tipo de abuso contra eles. As vítimas denunciaram o caso ao Conselho Tutelar, que gerou uma investigação policial. Depois de ouvir as vítimas e o padre, a Polícia Civil indiciou o religioso por abuso sexual”, destaca a reportagem do Diário de Pernambuco, assinada pelos jornalistas Raphael Guerra e Wagner Oliveira [Diário de Pernambuco, 16.08.2012]. A comunidade local se diz perplexa diante do fato. O padre se diz inocente diante das acusações. E os meninos, o que podem dizer sobre suas dores?

O que sente uma criança violada em sua intimidade? E quando essa violação é praticada por pessoas de referência, como um pai, um padrasto, avô, tio..., uma mãe? Que sentidos assumirão as relações de poder e, quais os significados de família serão construídos a partir de então? A violação sexual cometida por um padre não se torna mais ou menos nefasta, mas traz outras implicações, que coloca inclusive em cheque o papel da igreja, e consequentemente, da religião. Neste sentido, não se pode negar o papel desta para a manutenção da ordem social. Os princípios doutrinários de qualquer segmento religioso servem, até certo ponto, de base para a consolidação dos valores morais e também sociais de uma determinada cultura, ou grupo de pessoas. Ou não foi a religião que nos ensinou o sagrado dos corpos? Não foi também a religião, junto ao Estado, que instituiu a administração da sexualidade humana, gerando e impondo à sociedade uma concepção do sexo com fins exclusivamente procriativos? Não foi, ainda, ela quem construiu as concepções de divino e pecado? Então como fica a sociedade diante da negação de princípios e dogmas tão sólidos por parte de seus representantes máximos na terra? O que sentirá uma criança violada sexualmente por um padre, um pastor, pai de santo, baba orixá, guia espiritual, curandeiro..., ou qualquer outro que o valha?

Se a heteronormatividade estabelece como máxima o sexo entre homens e mulheres, como fica a representação simbólica de masculinidade para um menino violentado sexualmente por um homem adulto?  A violação não é só corporal, mas moral e psicológica, atingindo o que se tem de “mais sagrado”, a identidade. Na nossa cultura, ser homem ou mulher ainda se mostra fundamental à constituição e à sobrevivência dos sujeitos. Infelizmente a norma não nos revela flexibilidade, ou abre espaços aos novos modelos do que é ser homem ou ser mulher. Assim, uma criança do sexo masculino violada por um homem adulto poderá se deparar com a desconstrução simbólica de um modelo social que lhe servirá para a consolidação de um desenvolvimento psicossexual maduro e saudável. O ato de violência não atinge apenas a dimensão corpórea, mas também a subjetividade, afetando diretamente a autoestima. Neste sentido, culturalmente, ser penetrado ou possuído por outro homem, principalmente adulto, o destitui da condição de macho. O menino será atingido em sua essência, tornando-se inclusive, muitas vezes, motivo de vergonha social. Quem repara os danos? A quem cabe tal reparação? A igreja, ao Estado, a sociedade? Que penalidade mostra-se justa diante do irreparável? Não que o abuso e a exploração sexual contra meninos sejam mais graves do que os cometidos contra meninas, em hipótese alguma. O que questionamos é o porquê da crueldade em mantê-los numa falsa invisibilidade se os prejuízos são tão nefastos para ambos?

O envolvimento de religiosos nos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes reabre a velha discussão sobre a pedofilia. Seria esta a principal justificativa para a ação, nada santa, dos representantes de Deus? Então porque será que a patologização do ato criminoso torna-se recorrente e senso comum nestes casos? Será que a pedofilia é uma doença contagiosa que acomete especificamente os celibatários? E quanto aos representantes religiosos não celibatários? Será que a pedofilia se desenvolve como uma doença viral que impregna as sólidas paredes de mosteiros e templos religiosos e acomete exclusivamente os frágeis homens da fé? Ou mostrar-se doente perante a sociedade atônita, e muitas vezes incrédula, parecerá menos grave do que assumir-se enquanto criminoso? Um padre “doente” poderá ser julgado e/ou crucificado do mesmo modo que um criminoso qualquer, ou estaremos pecando?  Afinal de contas, estes não são homens de bem? Não se fizeram [ou os fizemos?] representantes do divino, e por isso superiores a nós? Não são estes mesmos homens que elegemos como doutrinadores da moral e dos bons costumes? Não os mantemos, inclusive financeiramente, para atuarem e contribuírem para a prática de uma cultura de paz e consolidação de uma sociedade mais justa?  

Diante de tantas evidencias contra, principalmente a “Santa Igreja”, como fica a imagem das Instituições religiosas e de seus “seres sagrados” que pregam o castigo como recurso para fortalecimento da fé entre os fiéis? Quem nos guiará ao paraíso agora? Neste sentido, me questiono sobre o que é um padre? Homem santo, representante de um Deus imaculado e benevolente? Um ser humano comum, propenso inclusive a ceder às tentações da carne? Um homem em eterno conflito entre os próprios desejos sexuais e os dogmas que lhes outorgam o lugar de representantes sagrados? Representantes religiosos devem ser julgados pelas leis dos homens ou de Deus? Deverá ser perdoado por suas fraquezas ou condenado a pagar por seus erros? Acho que a prisão de um padre mexe com o imaginário popular sobre o “santificado” por colocar em dúvida inclusive sua existência. Terá um homem as qualidades, capacidades e competências necessárias à representação do divino? Afinal de contas, o que é o homem? Penso que se conseguirmos conceituá-lo encontrar-se a resposta para a pergunta chave – o que é um padre?

Um representante religioso que se utiliza de sua influência e importância sobre a sociedade para seduzir e aliciar crianças e adolescentes não se torna diferente dos tantos e tantos homens comuns. Pedofilia é uma doença que se caracteriza pelo deslocamento do objeto de desejo, que na vida adulta deverá estar direcionado para outro adulto, seja do mesmo sexo ou do sexo oposto. É preciso entender que pedofilia é diferente de homossexualidade, pois que nem todos os pedófilos os são, haja vista o grande número de meninas que se tornam vitimas de pedófilos masculinos. Também é diferente de abuso e exploração sexual, pois que os pedófilos só sentem atração e desejo sexual por crianças. Um homem ou uma mulher, adultos, que se relacione e sinta atração, desejo e prazer sexual com outros adultos, sejam estes homens ou mulheres, e comete violência sexual contra crianças e/ou adolescentes do sexo masculino ou feminino, não poderá ser classificado como pedófilo e sim como criminoso/a. Neste aspecto vale salientar que nem todos os representantes religiosos são pedófilos, que digam os profissionais do sexo que, em muitas situações, atendem e acalentam seus espíritos e aliviam seus desejos carnais.

Afastar um padre abusador de sua diocese ou paróquia, prática comum adotada pela Igreja Católica, não ameniza a responsabilidade da instituição que ainda não se desculpou perante a sociedade pelos tantos casos divulgados e comprovados nestes séculos de dominação religiosa. Exercer a doutrina religiosa não pode inocentar ninguém pelos crimes cometidos. Afinal de contas, o paraíso é uma criação humana que permanece distante. Que se faça a justiça dos homens, em nome e em defesa de todas as crianças e adolescentes vítimas de violência. E que assim seja sempre e para sempre! “Amém”!

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