quarta-feira, 11 de julho de 2012

BRASIL: UM PAÍS SEM VERGONHA!



Ontem, mais uma vez, a exploração do trabalho infantil foi tema de reportagem. O “Profissão Reporte”, programa exibido pela TV Globo, mostrou, ainda que de forma superficial, a realidade de crianças e adolescentes brasileiras que se inserem, ou são forçosamente inseridas, no mundo do trabalho. Neste sentido, destaca-se o despreparo dos órgãos competentes, bem como de toda a sociedade, no enfrentamento ao fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil, classificado como modalidade de violência, e consequentemente, violação de direitos. Porém, para se entender melhor o problema em seus vários aspectos e implicações é preciso se apoderar da temática. Assim, proponho uma reflexão acerca das implicações – físicas, psicológicas, emocionais, sociais e cognitivas, correlacionadas a uma prática extremamente brutal, mas que no Brasil se consolida como fator “naturalizado”, embasada por uma cultura prá lá de tupiniquim.

Há muito que a proteção à infância e a adolescência figura como um dos principais interesses internacional, e grande desafio para o Brasil. De forma mais ampla, podemos dizer que nas distintas realidades socioculturais, diversas situações de violações de direitos das crianças e adolescentes têm sido constantemente identificadas no mundo. Tal fato nos serve para revelar a magnitude e complexidade implicadas no enfrentamento desta modalidade de violência revelando-nos o quanto os tratados internacionais são fundamentais e importantes instrumentos para a efetivação das garantias de direitos. Neste contexto, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, através das Resoluções nº 136 e 148, ratificadas pelo Brasil nos anos de 2000 e 2001 respectivamente, chamou a atenção mundial para as situações de trabalho as quais crianças e adolescentes estão inseridas, mostrando como essas modalidades de violações de direitos as vulnerabiliza e as expõe às situações de risco pessoal e social. Foi assim que se definiu como compromisso dos países membros o desenvolvimento efetivo de medidas que possam somar esforços no intuito de eliminar todas as formas de trabalho infantil no mundo.

Foi também através dos tratados internacionais que o Brasil assumiu o desafio de erradicar as piores formas de trabalho infantil até o ano de 2015, e de todas as formas de exploração do trabalho infantil até o ano de 2020. Como estratégia de enfrentamento, pôs-se em execução, pelo Governo Federal, no ano de 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que tem como premissa básica o enfrentamento a tal fenômeno social. Apesar dos resultados positivos, verifica-se a necessidade urgente de maiores investimentos financeiros, humanos e tecnológicos, no sentido de garantir melhores condições de desenvolvimento saudável as nossas crianças. A velha discussão sobre o fato de crianças poderem ou não trabalhar só encontra respaldo porque ainda vivemos em uma sociedade marcada pelas grandes e nocivas diferenças sociais. Sofremos os resquícios de uma cultura coronelista, onde a mão de obra infantil era regra. Na mesma reflexão de que filho de escravo, escravo era, estabelecemos a regra de filho de pobre permanece pobre. Assim, se nega condições básicas de desenvolvimento, tais como alimentação, educação de base, saúde, assistência e acessos ao exercício da cidadania. Compromete-se a qualidade de vida e gera-se crianças e adolescentes atrofiados e sem grandes perspectivas.

É preciso entender que a exploração do trabalho infanto-juvenil é resultado do modelo político-econômico vigente, e que este, tem colocado um enorme contingente da população brasileira em situação de extrema vulnerabilidade e riscos. Neste cenário, destacam-se a necessidade, o oportunismo e a incompreensão como fatores que justificam a inserção precoce de crianças e adolescentes no mundo do trabalho. A situação de pobreza, muitas vezes, torna-se fator determinante para que os pais utilizem os filhos como mão de obra em atividades domésticas, ou os “ofereça” no mercado de trabalho para aumentar a renda familiar. Aqui, talvez valham as seguintes reflexões: porque os filhos da burguesia não trabalham? Porque será que os centros de ressocialização, e todos os demais equipamentos, programa e projetos de inserção e/ou reinserção social, estão superlotados de crianças, adolescentes e jovens que habitam as periferias e comunidades instaladas as margens dos grandes centros urbanos? Pobreza e miséria são questões de escolhas ou falta de possibilidades e perspectivas?

Sabe-se que no século XX, os anos 90 representaram um marco no enfrentamento às condições de trabalho infantil, tanto pela força de mobilização da sociedade civil, quanto pela implementação de políticas públicas setoriais, sobretudo, a da assistência social. Foi neste, e a partir deste contexto que se deu a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Brasil, 1990), até hoje mal entendido e interpretado. Antes de criticar é preciso se apoderar de informações e conhecimentos fundantes para não se cair na velha armadilha da crítica vazia e não construtiva. Assim, vale lembrar que até 1993 o Brasil contabilizava um contingente de 9,7 milhões de crianças e adolescentes desenvolvendo algum tipo de atividade econômica. Apesar do pioneirismo nas políticas protetivas, foi somente nos meados desta década que o país assumiu oficialmente a existência de crianças trabalhadoras com idade entre 05 a 09 anos, em diversos estados. Estudos do IBGE (OIT, 2001) mostram que em 1995, por exemplo, existia uma média de 581.300 destas crianças cumprindo uma jornada média semanal de até 16 horas, em sua maioria envolvida nas atividades de agricultura junto aos pais e familiares, especialmente na Região Nordeste. Os dados ainda revelam que o número e proporção de crianças trabalhadoras elevavam-se substancialmente na faixa dos 10 aos 14 anos de idade, registrando um contingente de 3,3 milhões no mesmo ano.

Outro fator relevante para a compreensão e enfrentamento ao fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil refere-se aos recortes de gênero e territorialidade. Estatísticas oficiais salientam que do quantitativo geral de crianças brasileiras em atividades econômicas, as do sexo masculino são maioria e se encontram nas áreas rurais (IBGE, 2001). Contudo, se faz necessário considerar que o trabalho infantil feminino doméstico é uma das formas de trabalho mais difundidas e menos pesquisadas no país, devido à restrita visibilidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no ano de 1998, mostraram que quase 400 mil meninas na faixa de 10 a 16 anos trabalhavam como empregadas domésticas, e que, na regra geral, não possuíam carteira assinada e a remuneração, em média, não chegava a um salário mínimo. Quem não conhece, ou nunca conheceu alguma família que trouxe uma menina do interior para trabalhar em sua casa? Não era praxe “ajudar” os menos afortunados, possibilitando melhores condições de vida em troca de pequenos favores e/ou serviços? Quanto e/ou o que essas meninas ganhavam por suas forças de trabalho? Comida? Roupa nova? Acesso a escola? E quanto ganhava as tais famílias benévolas? Será que afastar uma criança de sua terra natal e família de origem, ainda que no intuito de ajudar, submetendo-as a pequenos serviços e afazeres domésticos diários, poderia ser classificado como trabalho escravo?

Sejam no trabalho doméstico, em atividades laborais que envolvem o plantio e colheita da cana de açúcar, ou ainda atividades que envolvam os riscos inerentes as ruas, sabe-se que a exploração do trabalho infanto-juvenil tem contribuído diretamente para as exposições de crianças e adolescentes, de ambos os sexos, a outras modalidades de violência, com ênfase para as situações de abuso e exploração sexual. Neste contexto, o fenômeno da exploração sexual tem se revelado complexo e há muito figura no cenário mundial como ponto de pauta de extrema relevância. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2007) demonstram que no ranking mundial, o Brasil tem se configurado como um dos países com os mais elevados índices desta modalidade de violação de direitos, com destaque para as situações de prostituição-juvenil, constatada em todas as capitais do território nacional.

Assim, combater e enfrentar o fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil não é uma obrigação apenas de governo, mas das sociedades. Não é uma simples questão de oportunizar igualdades de desenvolvimento, mas de garantir direitos. é uma vergonha ver na mídia, e principalmente na práticas do dia a dia, as condições desumanas a que estão submetidas nossas crianças. E se você, especificamente, ainda tem alguma dúvida quanto a importância do trabalho para o desenvolvimento moral, físico e intelectual de crianças e adolescentes, faça um teste. Leve seu próprio filho a uma “colônia de férias laboral” e submeta-o a pelo menos oito horas por dia, durante uma semana, quebrando pedras ou lavando pára-brisas em um cruzamento qualquer. Depois observe as mãos dele, olhe bem no fundo dos olhos e procure felicidade. Se encontrar, rasgue o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Mas, se ao contrário, só perceber decepção, tristeza, cansaço, desilusão, fraqueza e desanimo de vida, saia do discurso burguês alienante e comece a se inteira da temática de forma crítica e consciente, porque a mudança cultural do país precisa começar em você.

Brasil: um país sem pobreza! E não, um país sem vergonha!





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