LAS PRIMERAS IMPRECIONES SOBRE LA ARGENTINA
De um décimo primeiro andar da
Av. Rivadávia, observo a noite de uma cidade em movimento. Árvores desfolhadas
revelam o outono cuja brisa castiga os corpos desacostumados às baixas
temperaturas. Estamos em Buenos Aires, capital da Argentina, em plena ebulição político-econômica.
Da varanda me defronto com a imagem de Sócrates que parece refletir sobre as
contradições de um grande centro urbano que revela beleza e miséria ao mesmo
tempo. O primeiro contato com “los hermanos” revelou-me uma sapiência e astúcia
comuns aos brasileiros. É que o golpe praticado por taxistas sobre turistas
tornou-se corriqueiro. De forma magistral eles trocam a cédula entregue pelo
passageiro e reclamam o valor menor para a corrida. Incrédulo, você se pega em
dúvida sobre um suposto engano, pede desculpas e efetiva o pagamento com outra
nota de valor equivalente. Passados alguns segundos, após a partida do taxi,
relembra que não tinha notas menores. A indignação toma conta de seu ser,
porém, está isolado em uma cidade desconhecida, da qual não conhece ainda os
procedimentos e condutas. Bienvenido a Argentina!
No dia seguinte, caminho pela
Praça do Congresso e percebo que a noite todo gato é pardo. Toda cidade tem
mistérios e segredos só revelados a luz do dia. Assim, Buenos Aires, como
qualquer metrópole esconde certa desorganização provocada pelas desigualdades
sociais, fruto aparente da crise econômica atual. A população de rua logo me
chama a atenção, talvez até como forma de busca por referencial com minha
cidade de origem. Menos expostos, ou visíveis, como em Recife, homens adultos e
idosos se encolhem entre pilastras de antigos prédios históricos. Colchões,
roupas velhas e papelões compõem o mesmo cenário das famílias que habitam
abaixo de minha marquise. Pegamos um autobus e seguimos em direção ao colorido
bairro de La Boca. Casas forradas por telhas metálicas (de zinco) conferem
charme e harmonia a cortiços que se transformaram em pontos turísticos. Tudo
lembra a boemia. As cores, paredes grafitadas, bares, bonecos decorativos e
casas comerciais que relembram os antigos botecos. Vendedores ambulantes e
mendigos se espalham pelas periferias do bairro revitalizado. É o outro lado de
uma cidade que tenta se mostrar bela e sedutora.
Sigo os amigos de viagem e
rumamos para o Puerto del Madeiro, antiga zona portuária do outro lado da
cidade. Antigos armazéns foram transformados em belíssimos restaurantes e
espaços de convivência. No primeiro e segundo andar, varandas decoradas
salientam o cotidiano dos moradores locais. Vários navios e caravelas
históricas foram transformados em museus aquáticos e contam a história náutica
dos argentinos ilustres. A Ponte da Mulher interliga as orlas de forma
magistral. O antigo e o moderno se misturam para revelar uma arquitetura que
lembra as grandes cidades europeias. Atravessamos algumas quadras e chegamos a
Praça 25 de Mayo, onde se localiza a Casa Rosada e o Banco del las Naciones.
Uma fila enorme espera pacientemente a visita monitorada pela antiga moradia
dos Peróns. Na praça, frases de manifestos reclamam os mortos na guerra das
Ilhas Malvinas. Buenos Aires se mostra viva apesar do frio cortante que parece
nos congelar a cada instante.
Pela Rua Paraná, que nos leva
diretamente a Universidade onde atualmente realizo meu doutorado em psicologia,
começo minha incursão pelo mundo da prostituição. Cartões com números de
telefone e descrições de atividades e serviços são afixados em postes de
sinalização, semáforos, cabines de telefone público e lixeiros. São as mulheres
da “vida fácil” que aqui, se mostram menos visíveis e expostas que em Recife ou
nas grandes cidades brasileiras. É meu primeiro contato com o meu universo de
pesquisa. É o caminho que pretendo traçar até chegar aos boys de programa, alvo
de minhas futuras análises. Apesar do pouco tempo na cidade, percebo que a
invisibilidade é um fator intrínseco ao marcado homoerótico argentino.
Permaneço na varanda por mais
algum tempo e relembro o Túlio Carella, professor argentino, que no período de
1960 a 1962 esteve em Recife para ministrar aulas na UFPE, e passou a observar nossa
diversidade sexual. Através de um diário pessoal, posteriormente transformado em
livro, o estrangeiro revelou o mercado homoerótico já existente e estabelecido
na capital pernambucana em meados do século passado. Hoje faço o caminho
inverso. Venho a Buenos Aires revelar um mercado que não é só nacional ou
latino-americano, mas mundial. O mercado homoerótico. Para em análise
comparativa buscar entender os fatores e aspectos relacionais. É o universo da
subversão que me interessa e me instiga. É a pesquisa sobre as categorias “menos
limpa” da sociedade que se apresenta como desafio e motivação. Conhecer o outro
para, a partir daí, buscar conhecer a si mesmo. Brasil e Argentina numa
perspectiva menos futebolista e mais sociocultural. É a semelhança ou oposições
nas amplitudes das sexualidades.
O frio me invade o corpo e não
respeita agasalhos. Olho ao longe e observo uma cidade em movimento que ainda
não se revela. Tempo e paciência são fundamentais as buscas e descobertas. Esse
é a penas o primeiro contato!
Nenhum comentário:
Postar um comentário