terça-feira, 17 de julho de 2012

BIENVENIDO, MUCHACHO!

LAS PRIMERAS IMPRECIONES SOBRE LA ARGENTINA
De um décimo primeiro andar da Av. Rivadávia, observo a noite de uma cidade em movimento. Árvores desfolhadas revelam o outono cuja brisa castiga os corpos desacostumados às baixas temperaturas. Estamos em Buenos Aires, capital da Argentina, em plena ebulição político-econômica. Da varanda me defronto com a imagem de Sócrates que parece refletir sobre as contradições de um grande centro urbano que revela beleza e miséria ao mesmo tempo. O primeiro contato com “los hermanos” revelou-me uma sapiência e astúcia comuns aos brasileiros. É que o golpe praticado por taxistas sobre turistas tornou-se corriqueiro. De forma magistral eles trocam a cédula entregue pelo passageiro e reclamam o valor menor para a corrida. Incrédulo, você se pega em dúvida sobre um suposto engano, pede desculpas e efetiva o pagamento com outra nota de valor equivalente. Passados alguns segundos, após a partida do taxi, relembra que não tinha notas menores. A indignação toma conta de seu ser, porém, está isolado em uma cidade desconhecida, da qual não conhece ainda os procedimentos e condutas. Bienvenido a Argentina!
No dia seguinte, caminho pela Praça do Congresso e percebo que a noite todo gato é pardo. Toda cidade tem mistérios e segredos só revelados a luz do dia. Assim, Buenos Aires, como qualquer metrópole esconde certa desorganização provocada pelas desigualdades sociais, fruto aparente da crise econômica atual. A população de rua logo me chama a atenção, talvez até como forma de busca por referencial com minha cidade de origem. Menos expostos, ou visíveis, como em Recife, homens adultos e idosos se encolhem entre pilastras de antigos prédios históricos. Colchões, roupas velhas e papelões compõem o mesmo cenário das famílias que habitam abaixo de minha marquise. Pegamos um autobus e seguimos em direção ao colorido bairro de La Boca. Casas forradas por telhas metálicas (de zinco) conferem charme e harmonia a cortiços que se transformaram em pontos turísticos. Tudo lembra a boemia. As cores, paredes grafitadas, bares, bonecos decorativos e casas comerciais que relembram os antigos botecos. Vendedores ambulantes e mendigos se espalham pelas periferias do bairro revitalizado. É o outro lado de uma cidade que tenta se mostrar bela e sedutora.
Sigo os amigos de viagem e rumamos para o Puerto del Madeiro, antiga zona portuária do outro lado da cidade. Antigos armazéns foram transformados em belíssimos restaurantes e espaços de convivência. No primeiro e segundo andar, varandas decoradas salientam o cotidiano dos moradores locais. Vários navios e caravelas históricas foram transformados em museus aquáticos e contam a história náutica dos argentinos ilustres. A Ponte da Mulher interliga as orlas de forma magistral. O antigo e o moderno se misturam para revelar uma arquitetura que lembra as grandes cidades europeias. Atravessamos algumas quadras e chegamos a Praça 25 de Mayo, onde se localiza a Casa Rosada e o Banco del las Naciones. Uma fila enorme espera pacientemente a visita monitorada pela antiga moradia dos Peróns. Na praça, frases de manifestos reclamam os mortos na guerra das Ilhas Malvinas. Buenos Aires se mostra viva apesar do frio cortante que parece nos congelar a cada instante.
Pela Rua Paraná, que nos leva diretamente a Universidade onde atualmente realizo meu doutorado em psicologia, começo minha incursão pelo mundo da prostituição. Cartões com números de telefone e descrições de atividades e serviços são afixados em postes de sinalização, semáforos, cabines de telefone público e lixeiros. São as mulheres da “vida fácil” que aqui, se mostram menos visíveis e expostas que em Recife ou nas grandes cidades brasileiras. É meu primeiro contato com o meu universo de pesquisa. É o caminho que pretendo traçar até chegar aos boys de programa, alvo de minhas futuras análises. Apesar do pouco tempo na cidade, percebo que a invisibilidade é um fator intrínseco ao marcado homoerótico argentino.
Permaneço na varanda por mais algum tempo e relembro o Túlio Carella, professor argentino, que no período de 1960 a 1962 esteve em Recife para ministrar aulas na UFPE, e passou a observar nossa diversidade sexual. Através de um diário pessoal, posteriormente transformado em livro, o estrangeiro revelou o mercado homoerótico já existente e estabelecido na capital pernambucana em meados do século passado. Hoje faço o caminho inverso. Venho a Buenos Aires revelar um mercado que não é só nacional ou latino-americano, mas mundial. O mercado homoerótico. Para em análise comparativa buscar entender os fatores e aspectos relacionais. É o universo da subversão que me interessa e me instiga. É a pesquisa sobre as categorias “menos limpa” da sociedade que se apresenta como desafio e motivação. Conhecer o outro para, a partir daí, buscar conhecer a si mesmo. Brasil e Argentina numa perspectiva menos futebolista e mais sociocultural. É a semelhança ou oposições nas amplitudes das sexualidades.
O frio me invade o corpo e não respeita agasalhos. Olho ao longe e observo uma cidade em movimento que ainda não se revela. Tempo e paciência são fundamentais as buscas e descobertas. Esse é a penas o primeiro contato!

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