sábado, 15 de outubro de 2011

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

O QUE É POLITICAMENTE CORRETO?
Muito tem se falado sobre comportamento politicamente correto. Neste sentido, a polêmica atual tem como base a nova campanha de lingeries da Hope, estrelada pela nada menos mega modelo Gisele Bündchen. Na referida peça publicitária, a estrela ensina como as mulheres devem dar péssimas notícias aos seus maridos. Ela surge então em dois momentos. No primeiro, vestida, anuncia que bateu com o carro, estourou o cartão de crédito e que sua mãe virá morar com o casal. Num segundo momento, retorna usando sofisticadas peças íntimas de cor vermelha. A situação geradora de conflitos é a mesma, as informações são as mesmas e a mulher é a mesma. O que muda então? O apelo à sensualidade e erotização como armas de sedução e barganha. E o que causa incômodo, a ponto de consumidores, movimentos feministas e secretarias de governo tentar impedir sua veiculação? A manutenção da idéia preconceituosa de que a mulher é o sexo frágil e que precisa usar o corpo para negociar com o parceiro, cultuado como o todo poderoso e dono do mundo – o homem. Neste sentido, o corpo torna-se então objeto capaz de reduzir ou minimizar a violência masculina. Mas, de que violência se está realmente falando? Da violência física resultante da possível cólera desenfreada do marido diante das catástrofes comunicadas pela esposa; ou da violência moral a que a personagem precisa se submeter para não ser agredida? Porque não apelar para o diálogo ao invés de precisar tirar a roupa? Poder-se-ia entender ou deduzir que neste caso específico, o corpo da mulher em questão torna-se moeda de troca, uma espécie de reparação ou compensação aos danos materiais provocados? Ou tudo não passa apenas de uma brincadeira, pautada numa cultura héteronormativa e sexista?
Na minha concepção, não acredito que proibir uma campanha se mostre menos agressivo do que o subtexto machista impresso no comercial. Afinal de contas vivemos em um regime democrático, pelo qual lutamos tanto, o que nos possibilita a livre expressão.  Porém, entendo e compactuo com o movimento que alerta para a necessidade de se chamar a atenção da população em geral, principais consumidores dos produtos vendidos, sobre as estratégias de marketing utilizadas pela empresas de propaganda e produtoras. A bem pouco tempo atrás a Juliana Paes aparecia dentro de uma garrafa de cerveja, que despertava no imaginário masculino que se poderia degustá-la inteira. Indiretamente, considerando que cerveja se consome pela boca, pelo qual se dá o ato de comer, entende-se que cerveja e mulher tornam-se comestíveis e que estão à disposição de todos. A fora isso se veicula a idéia errônea da mulher enquanto objeto de consumo. Mulher e cerveja no Brasil, de certa forma, viraram quase que sinônimo. A imagem de uma mulher nua, com os braços arqueados sobre os cabelos tornou-se rótulo e marca da “Devassa”. Entre linhas sugere-se que ambas, apesar de boas e prazerosas, podem provocar estragos – devassidão, a ponto de levar os homens a perderem a cabeça, ou o controle. Mas devassa, também tem significados mais negativos, tornando-se muitas vezes, pelo menos no Nordeste, sinônimo de mulher de caráter duvidoso. Uma mulher devassa pode, por exemplo, ser correlacionado a mulher prostituta. Esclarecendo aqui, que logicamente o ato de exercer a prostituição não necessariamente torna mulher uma devassa ou de caráter duvidoso. O que questiono é o porquê as mulheres ainda permitem que sua imagem seja vendida de forma negativa. A cerveja não pode ser devassa por si só, independente do recorte de gênero? O problema é talvez esteja no poder da publicidade em transformar até mesmo coisas negativas em imagens positivas. Assim, até certo ponto, algumas mulheres se sentem homenageadas no papel de devassa, ou da “boa”, que todo homem deseja e cobiça, mas a qual nem sempre respeita.
Penso que nesta discussão, nos cabe também chamar a atenção das pessoas ou personalidades, tidas como formadoras de opinião. Talvez o melhor caminho fosse questionar as/os próprias/os modelos sobre suas concepções e comprometimentos com as mensagens vinculadas as suas imagens. Se é que as ofertas monetárias possibilitam espaço para tais reflexões. No momento atual torna-se facilmente perceptível que algumas dessas personalidades também já se tornaram produtos. Talvez a falta de consciência política os faça pensar muito mais em suas contas bancárias do que nas repercussões de seus atos, gestos e palavras. Neste sentido também, se faz necessário entender que nem todo mundo tem a obrigação de levantar bandeiras alheias ou participar de movimento dos quais não conhece, acredita, ou pior credita respeito e/ou importância. Especificamente no caso da violência contra mulher, talvez quem nunca tenha sofrido agressões não encontre motivos para tanto alarde provocado por uma simples campanha publicitária. Mas considerando que o Brasil é um país com os maiores índices de violência doméstica, e que as principais vítimas são exatamente as mulheres, mostra-se contraditório que uma mulher bem sucedida como a modelo contratada precise utilizar de recursos tão primários e estereotipados para justificar suas falhas.
Sempre tenho dito em palestras, cursos ou mesmo em minhas aulas que ministro, que quando nos dispomos a ocupar um determinado lugar devemos assumir as responsabilidades inerentes ao lugar que ocupamos. Ou seja, nos tornamos responsáveis diretos pelos impactos causados no coletivo a partir de nossas próprias ações. Assim, talvez não seja realmente a campanha que deva ser censurada, mas as personalidades que contribuem para fortalecer os estigmas sociais delegados a determinados segmentos da população. E aqui, vale salientar que quando me refiro a censurar não me refiro a proibir, mas a chamar a atenção. Penso que a tão sonhada transformação cultural e social do país só se dará pela educação. Neste sentido, quero dizer que se a população feminina fosse mais esclarecida iniciaria um movimento de boicote as peças da referida empresa. Por esse viés, se cada vez que a população que se sentisse atingida e incomodada por determinada campanha substituísse as marcas dos produtos consumidos, provocaríamos uma alteração de comportamento por parte dos produtores e publicitários. Na verdade a linguagem mais poderosa do mundo moderno chama-se dinheiro, entendido aqui, como lucros. É o que sustenta uma organização comercial. Se as compras diminuem, os lucros caem, provocando reflexões sobre a qualidade dos serviços prestados. Talvez quando o consumidor entender que tem a grande arma nas mãos, consiga provocar um movimento contrário e consciente em prol do respeito ao exercício da cidadania. E a coisa é bastante simples. Se por exemplo sou mal atendido em um determinado restaurante, nunca mais volto ao local. A mudança na lógica consiste então, em fazer o consumidor entender o seu lugar de cliente – de provedor. Isso significa entender que somos nós os grandes responsáveis por determinadas ofensas e insultos a que somos expostos frequentemente pela publicidade midiática. Se me torno um consumidor consciente, contribuo de forma significativa para a transformação publicitária. Para mim, como diria a famoso investigador inglês, “isso é elementar meu caro!”.

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