sexta-feira, 2 de setembro de 2011

PROSTITUIÇÃO NA INTERNET - BOYS DE PROGRAMA VIRTUAIS OU REAIS?








OS BRUNOS SURFISTINHAS – BOYS DE PROGRAMA ON LINE

Essa semana ao acessar a internet, um anuncio inesperado chamou minha atenção. Na verdade era um convite de acesso a um blog pessoal. O simples acionar de uma tecla abriu diante de meus olhos um mundo [ou submundo] inusitado, porém não tão desconhecido a quem já algum tempo pesquisa o universo da prostituição. Na página em questão uma foto revela parte de um corpo jovem e atlético ao lado de uma prancha de surf. O cenário de fundo é uma praia do nordeste brasileiro, onde o sol forte também se insinua no bronzeado sobre a pele branca. A foto cuidadosamente montada é sucessivamente atravessada por uma coluna de mensagens digitais onde se pode ler: “Acompanhante de luxo. Sigilo total com garantia de prazer absoluto”. Qualquer semelhança com o blog da Bruna Surfistinha, imortalizada no cinema pela Débora Seco, no ano passado, com certeza não será mera coincidência. Na verdade o que se ver na tela é uma versão masculina da controversa ex-garota de programa que tornou público as dinâmicas e regras de um submundo invisibilizado. A estratégia de marketing é a mesma. O universo, ao contrário se renova por expor o homem, antes entendido como sujeito consumidor, na posição de executor da prostituição. 

“Bruno Surfistinha – acompanhante de luxo” com certeza já se tornou uma referência dentro de um mercado específico, que atende em sua maioria, a um público também específico. Considerando o quantitativo de seguidores, imagina-se que o jovem rapaz de 19 anos, pele clara, corpo atlético, com 1,76 de altura e nível universitário, faça tanto sucesso quando sua musa inspiradora outrora fizera. Na atualidade, a internet tem se apresentado como canal ou instrumento de e para divulgação e propagação de serviços especializados para quem busca por sexo casual. A mesma estratégia, antes limitadas a jornais [Fábregas-Martínez, 2000) e revistas voltadas a segmentos específicos, agora invade a rede virtual. A diferença em si, consiste nos recursos que a tecnologia disponibiliza, favorecendo maior interação e agilidade entre quem consome e quem negocia fantasias e erotismos. As possibilidades viabilizam além de maior espaço para descrição detalhada dos serviços ofertados, incluindo honorários, horários e locais de atendimento, a veiculação de imagens, sejam através de fotos ou vídeos de curta duração, que revelam demonstrativo das performances profissionais. Neste sentido, os risco relativos a enganos ou equívocos por parte dos consumidores parece minimizado. No melhor estilo E-comece, os produtos podem ser detalhadamente avaliados antes da efetiva compra ou aquisição.

Entro em outra página qualquer, via seguidores, e como que atravessando um portal que nos levaria a outra dimensão, me deparo com um vasto cardápio de corpos semi-cortados ou fragmentados, onde rostos são substituídos por bundas e pênis. É o mercado da carne que se abre a demanda rigorosa e exigente do mercado do sexo.  Um novo comando no teclado e novos portais se abrem. O prefixo do telefone deixa “Claro” o endereço e/ou área de atuação do “Negão 24 cm”. O anúncio evidencia os serviços oferecidos a um público que perpassa as fronteiras nacionais: “negão sexy e dotado para homens, mulheres e casais de bom gosto”. Como todo bom serviço gastronômico, o menu se apresenta pluridiomático: “Businness for gifted and sexy men, women and couples of good taste”. Ao passo que os boys de programa invadiram definitivamente a internet, a prostituição encontrou novas formas de se adequar aos contextos de um mundo globalizado, atendendo as solicitações de um mercado, que não diferente dos demais segmentos apresenta-se cada vez mais consolidado e competitivo. A inovação mostra-se como diferencial atrativo que busca despertar desejo. A diagramação visual desperta curiosidades levando o internauta a vasculhar conteúdos que podem se revelar surpreendentes. O requinte e qualidade das fotos evidenciam certo cuidado e esmero que objetivam agregar valor as embalagens corpóreas. O marketing se mostra assertivo, deixando claro o produto comercializado – fantasias, virtuais ou reais.  Outro “acompanhante de luxo” sinaliza dançando seminu: “venha realizar suas fantasias comigo. Gosto de experimentar coisas novas.” A cada movimento de abrir e fechar a toalha branca, que não expõe, mas evidencia o produto, a mensagem é traduzida do português para o inglês: “come out their fantasies with me. Like to try new things”. Outro site, outro convite: “Sarado 21 cm – Gato ativaço em Copacabana”. Mais um, e o convite agora chega do Recife. É o RafaSafado que oferece prazer de dimensões gigantescas, com garantia de qualidade e aprovação popular: “quem provou, gostou. Venha você também sentir a dimensão do prazer nordestino”. A mensagem pisca na tela enquanto lábios carnudos são vigorosamente umedecidos por uma língua provocativa.

O marketing adotado busca correlacionar dimensões físicas ao tamanho do prazer proporcionado, recorrendo as subjetividades construídas culturalmente, ao longo dos séculos, a partir de uma perspectiva falocêntrica. Neste mercado de corpos divididos em pedaços, ou blocos, como que peças de um grande quebra-cabeça [ou melhor, sem cabeças] vende-se e compram-se partes ou conjuntos, mas nunca o todo. Mas também não é o que se busca, considerando-se os depoimentos dos pretensos clientes. “Você é lindo, maravilhoso”, diz um deles, postado recentemente. Leio e me pego perguntando a quem se refere, ao boy de programa sem rosto, ou ao pênis ereto que balança em movimentos rotatórios? O sexo comercial concentra-se então na particularidade anátomo-fisiológica, onde pênis e bundas assumem identidades [Roludo 23, Kacete Kid, Gulosão Safado, Bundinha Gostosa, Super Pica, entre outros]. Nesta perspectiva, ambos parecem representar ou se configurar enquanto focos para o descarrego ou alívio das tensões da libido. Numa espécie de frigorífico humano, as peças de carne são expostas de forma fatiada - coxas, panturrilhas, pés, mãos, peitorais, costas, e raramente partes do rosto. E como na lógica capitalista de consumo toda carne tem um preço, esses pedaços muitas vezes revelam-se como pequenas mostras grátis de um todo que pode ser acessado via pagamento eletrônico. 

Apesar das inovações tecnológicas, observa-se que a lógica falocêntrica continua respaldando a base mercadológica. É neste sentido, que os centímetros parecem fazer a diferença. É a particularização da particularidade. Dentro dessas premissas um pênis de vinte um centímetros parecerá substancialmente diferente de outro com apenas vinte centímetros. Pelo viés onde pequenas diferenças anátomo-fisiológicas assumem significativo de grandiosas dimensões subjetivadas, a “dimensão do prazer nordestino”, por exemplo, será vendida como diferente da “dimensão prazerosa do sulista”. Assim, a lógica que demarca diferenças físicas, correlaciona centímetros as subjetividades históricas e geográficas, definindo diferentes preços as práticas sexuais comerciáveis. Também os recortes étnicos/raciais e geracionais mostram-se configurados como fatores de valorização mercadológica. Nessa perspectiva, um jovem negro pode tornar-se sinônimo de super garanhão, valente e viril, logo, dominador. Por sua vez, um adulto de pele clara poderá ser entendido, ou visto como menos potente, passível de dominação, e consequentemente menor força. 

Se o capitalismo cria produtos pautados no imaginário de consumo, homens e máquinas, ou homens-máquinas, podem ser pensados em questões de potência e força, que aqui se traduzirá em virilidade. Não é o homem em si que se comercializa, mas a simbologia de sua força. Neste sentido, o mercado do sexo não se direciona aos indivíduos guiados pela racionalidade concreta e fria, mas para os emotivamente imbuídos numa lógica consumista globalizada. O corpo torna-se apenas a embalagem, que bem adornada esteticamente respaldará o simbólico poder da aquisição ou compra. Se vender centímetros é trunfo, comprar ou consumir polegadas é status. Trava-se uma luta paradoxal através das relações de poder que mercantiliza os corpos. E neste aspecto, talvez valha a reflexão mais apurada: quem tem os centímetros a mais detém o poder da negociação? Quem compra polegadas obtém o poder na transação comercial? Ou vice-versa?  Nessa relação, o poder torna-se situacional ou relacional? Ou ambos? Ou ainda, nem uma coisa e nem outra? Neste mercado ainda, se a potência sexual tem tamanho ou medidas, também parece possuírem cor. É neste cenário que os negrões [ou negões como descritos e autodenominados] e os mestiços, simbolicamente maiores em tamanhos, parecem preferidos aos boys de programa de pele branca, simbolicamente menos dotados.

Na mesma perspectiva, o marketing comercial televisivo se utiliza da mesma estratégia. atualmente um comercial sobre um determinado carro, indaga os consumidores se os mesmos preferem a potencia dos cavalos selvagens [símbolo de virilidade] ou dos “pôneis malditos”, que rosados, mostram-se e consolidam-se no imaginário popular como delicados, e consequentemente menos potentes. Não é a mesma correlação que respalda a simbologia da potência dos motores das super-máquinas automobilísticas? Não é a mesma lógica que transforma atividade e passividade, entendidas enquanto preferências sexuais, em moedas valorativas simbólicas de potência/virilidade? A força então se configura enquanto fantasia. E é neste sentido que o mercado do sexo se consolida. Não é o corpo, ou parte do corpo que é negociado, mas a fantasia correlacionada. “Me informe seus desejos e farei o melhor para satisfazê-los [let me know your wishes and Will do our Best to satisfy them]” esclarece o negrão paulistano bem dotado. Apesar de sulista, sua origem ou raízes dizem no censo comum dos clientes das diferenças geográficas. Sua virilidade não se revela apenas pelos 24 cm de “dote”, mas também pela capacidade simbólica de sua força de trabalho: “disponível 24 horas por dia, 07 dias por semana, para programas, acompanhamentos e viagens [available 24 hours a day 07 days a week, programs, travel and dishes]”. 

Talvez essa seja a representação máxima da lógica capitalista, que explora a força de trabalho humano, também no comercio do sexo. Os atrativos físicos tornam-se elementos fundamentais a evidencia de habilidades e competências profissionais: “sou experiente na maioria das posições e fantasias sexuais, gosto muito de sexo e erotismo e possuo dote de 24X18 cm grosso não circuncidado para o seu deleite”, revela outro boy paulistano que também estende seus serviços ao público estrangeiro [I AM experienced in most positions and sexual fantasies, I Love sex and eroticism and have a dowry of 24X18 cm thick uncircumcised for your enjoyment]. Interessante observar que o fato de não circuncisão imprime ao dote o sentido ou status de natural inviolável, o que parece lhe conferir maior valia. Neste aspecto, a reflexão estende-se a denominação dote enquanto sinônimo do pênis. Gramaticalmente, derivado do latim, “dote” configura-se como conjunto de bens que leva a pessoa que se casa. No campo jurídico, o dote, relaciona-se aos bens incomunicáveis que a mulher, ou seus ascendentes ou terceiros, transfere ao futuro marido para ajudá-lo na satisfação dos encargos matrimoniais. Traduzindo em outras palavras, a mulher recebe o dote alheio [ascendentes ou terceiros], ou seja, o poder através dos bens de outros. O homem, ou esposo, possui o dote próprio [simbolizado pelo pênis], que concederar eventualmente a esposa. Logo, numa rápida analogia, no negócio da prostituição masculina a configuração das negociações também parecerá exata na centralidade e primazia do pênis. O cliente pagará para se beneficiar das satisfações matrimoniais temporárias, ou seja, entrará na transação conjugal, ou conjunção carnal, através do dinheiro [os bens]; enquanto que, o executor da atividade comercial lhe concederá eventualmente o poder simbólico de seu dote [falo]. Complicado? Se entendermos que popularmente o dote, na cultura brasileira, assumiu a configuração e sentido de “dom natural”, “merecimento”, ou como também predicado físico, o pênis torna-se um bem herdado, que transformado em produto, passará a servir como moeda de troca.

Talvez por isso, seguindo essa lógica, quanto maior o dote ofertado pelo boy de programa, maior será o bem [valor monetário] com que o outro [cliente] entrará na contratação da conjugação. Na nossa cultura se diz que vender por um dote, equivale a vender [algo] muito caro. Se neste caso, o dote estiver diretamente correlacionado à maior masculinidade [simbolicamente representada pela esteriotipação de força e virilidade masculina], maior se tornará seu valor comercial, o que talvez justifique o tabelamento das polegadas ou centímetros supostamente prazerosos. Mas num sentido mais amplo, no comercio do sexo, o dote também passa a se configurar no todo, pois que vem acompanhado de outros atrativos simbólicos, relativos a aspectos que se correlacionam [também simbolicamente] a segurança, higiene, grau de instrução, estética e beleza. Tanto que nos sites e/ou blogs pessoais dos boys de programa, tornam-se lugares comuns um endomarketing que salienta altura, grau de instrução e massa corpórea: “Negro, universitário, 25 anos, ativo liberal, magro, “corpo legal”, 1,90 de altura, 85 Kg, dote 24 Cm”. O conceito de corpo legal corresponde à estética atual que embasa o padrão de beleza mundial. Certa noite, em uma boate, me posicionei próximo a um grupo de jovens homossexuais para escutar um pouco da conversa [e não entendam como simples curiosidade, mas como característica peculiar do pesquisador]. Alguém pretendia apresentar um futuro “ficante” ao amigo. O primeiro passo foi relatar características valorativas, do tipo: universitário, bem sucedido financeiramente, liberal, bom beijador [...]. A lista parecia enorme, e de certo modo, até já se vislumbrava um Reinaldo Gianequine da vida. Parecia na verdade, o sonho de consumo de todo jovem gay que se encontra atrás de um grande amor, ou aventura fortuita. Porém, não foi suficiente. Em meio a tantas informações que evidenciava um excelente perfil, o jovem pretendido queria apenas saber se a estética corporal corresponderia as suas condições e exigências básicas. De forma direta e sem grandes receios do constrangimento conceitual do politicamente incorreto da pós-modernidade, indagou taxativo: Ele é gordo? Numa simples palavra, mas que traduz um conceito de representação social, o possível romance foi por água a baixo. E assim, o Gianequine tupiniquim foi descartado pelo simples fato de não possuir os famosos tanquinhos comuns aos malhadões das academias urbanas.

O conceito malhadão passa então a associa-se também ao dote, realçando potência a juventude e estética corporal. “Gato presença: 23 anos, 1,75 de altura, 82 Kg, moreno claro, corpo bronzeado, liso, do tipo malhadaço”. A massa corpórea reforça os estereótipos de masculinidade e embasam as performances de gênero. Como todo produto, o corpo também tem que apresentar garantias de resistência que se configurará no imaginário como prova de boa qualificação e desempenho sexual. Como salienta Normando Viana (2010), no negócio do sexo, os corpos precisam ser pensados e estruturados para o exercício da prostituição. “Macho gato: tatuado, 21 cm de rola reta e grossa sempre “duraça”. Sem decepções”, destaca um boy que atende em Boa Viagem, bairro nobre do Recife. Outro, do Rio Grande do Norte, salienta: “Boy ativo safado: 19 anos, branquinho, surfista, 1,78 de altura, magrinho, bem filé para te satisfazer com meus 20 cm de kacete cheim de leite. Atendo homens, mulheres e casais. Apesar da idade, tenho experiência e sou profissional”.

Neste aspecto, destaca-se ainda, que apesar de vários estudos evidenciarem a concepção de profissionais do sexo como categoria identitária não aceita e/ou reconhecida pela maioria dos executores da prostituição [Fábregas-Martínez, 2000], o profissionalismo é sempre divulgado nas chamadas, descritivos e oferta dos serviços, através de afirmativas como: “Atendimento personalizado e profissional, com hora marcada para homens, mulheres e casais”. Como verificado em Recife, [Viana, 2010], as práticas sexuais comerciais se configuram pela mesma lógica trabalhista ao assumirem e/ou determinarem parâmetros comuns ao regidos por legislações específicas, através do estabelecimento para horários de atendimentos, indumentária utilizada para o exercício da atividade e valores relativos aos serviços prestados. “Sarado gato ativaço: atendimento personalizado com hora marcada. Atendimento 24 horas. R$ 150,00 no meu apê, em Copacabana, R$ 200,00 em motéis ou residência dos clientes”. Na mesma perspectiva, GP de Luxo, boy de programa de Brasília, destaca: “Sou acompanhante de luxo. Realizo suas melhores fantasias. Sou educado, profissional e curto homens sem frescuras, casados, amantes e etc. Curto putaria com dinheiro. Pagando bem que mal tem?”

Por fim é isso, na atualidade apenas nos cabe pensar até que ponto  precisamos sair do mundo real para realizar nossas fantasias virtuais, ou sair da vistuosidade para  satisfazer nossos desejos concretos?

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