terça-feira, 20 de setembro de 2011

PARADA DA DIVERSIDADE SEXUAL 2011 - RECIFE


PARADA DA DIVERSIDADE 2010


PAREI COM A PARADA!!!

Confesso que ainda não entendi direito o que aconteceu no domingo, 18.09.2011, durante  a 10ª Parada da Diversidade Sexual de Pernambuco. Na verdade até agora tenho a nítida impressão de que não vi a Parada. Não que não houvesse muita gente, pelo contrário. Acredito até que essa talvez tenha sido a maior de todas em quantitativo. E aí, talvez esteja o grande problema porque quantidade nunca significou ou revelou qualidade de ação focada. Automaticamente isso me leva a pensar se a parada não se perdeu dentro da própria parada. Evidencia-se assim, que passados dez longos anos ainda não aprendemos a reivindicar direitos.

SHOW DE ABERTURA
Para que entendam do que falo, descreverei resumidamente os fatos, ou falta destes, que contribuíram para a minha perplexidade. Primeiro pelo show de abertura. E neste ponto saliento que não presenciei o início ou início dos trabalhos [eserá que era trabalho?], pois cheguei as 12:20 no Parque Dona Lindu. Wanessa estava cantando, não a da Mata, mas as dos Camargos, que depois de despencar no vazio obscuro do sucesso resolveu investir numa insólita carreira de Musa Gay. Engraçado pensar como o mercado homossexual hoje em dia tem se revelado como o grande e promissor filão para artistas de talentos frágeis e utópicos. Se pensássemos bem, não poderíamos questionar se esse não é o mesmo caminho que muitos outros aspirantes a artistas fizeram em direção ao universo gospel? Mas independente das ideologias ou objetivos da tal cantora [será que ela os tem?], o que penso é sobre sua representação e importância na causa que deveria está em pauta. Qual o engajamento, comprometimento e conhecimento político da Wanessa pessoa na luta pela igualdade de direitos? Qual a sua história?  É neste sentido que acredito que a sua fragilidade não se revelou apenas em sua performance ultra-enlatada nos moldes americanos, mas no vazio de seu discurso [alguém ouviu? ela falou alguma coisa ou foi impedida pelo playback?]. Acho mesmo que o melhor momento do show foi quando ela saiu do palco, inclusive do mesmo jeito que deve ter entrado, sem dizer a que veio. Sensação que pareceu compartilhada por muita gente, pois que o público se dissipou tão rápido quanto a sua participação. 

SAÍDA DA PARADA 2011 - RECIFE
Os trios elétricos foram colocados na avenida a quase meio quilometro de distancia do palco, e por incrível que pareça não estavam prontos para arrastar a multidão ao final do “grande show”. Fiquei realmente em dúvida se era descuido ou falta de cuidado. Talvez os dois, ou um pouco de cada coisa. O abre-alas era formado por um grupo folclórico, tipo qualquer coisa que se junta e manda seguir na frente. A beleza dos maracatus e de palhaços em pernas de pau se perdeu na “minusculosidade” em meio a tanta gente. Acho até que havia umas faixas de abertura, mas essas também sumiram em meio à multidão e passaram despercebidas [mas também que importância pode ter uma simples faixa com palavras de ordem?]. Fato é que os músicos e DJs pareciam fatigados e indispostos. Não havia energia. Não elétrica, claro, mas humana. A única coisa que parecia viva ali era o vento forte que anunciava chuva. 

De um momento para o outro, o trio da frente [aquilo era um trio ou um trem?] começou a tocar. O som estava ruim, abafado e estridente. Era um ruído daqueles que nos faz levar as mãos aos ouvidos. A coisa parecia que ia acontecer quando os veículos finalmente começaram a se movimentar, o que pareceu não acontecer com o público. Para animar mais ainda começou a queima de fogos. Mas isso ninguém viu porque alguém muito inteligente e “entendido” no assunto os colocou do lado contrário ao teatro e ao público. Quem estava na avenida viu apenas fumaça subindo. Mas deu para escutar a suada. Isso deu. E talvez os observadores admirados com tanto “frango” e “sapatão” juntos tenham assistido de suas janelas inatingíveis.

PERNAMBUCO SEM HOMOFOBIA
Procuramos por um trio mais animado e engajado. Não encontramos. Nada acontecia e nada parecia animar uma onda humana que se espalhava pela avenida, invadindo ruas e calçadas. Os trios foram passando, um a um, revelando um mesmismo impressionante. Não havia discursos calorosos, não havia denuncias, não havia compromisso. Era apenas um desfile como outro qualquer. Mas a Metrópole estava lá e como sempre se apresentou como o melhor e mais concorrido trio. Mas era só uma extensão da boate, nada mais. A palavra de ordem era: “pode beijar muito”, como se aquele fosse um dia especial, onde haveria autorizo e permissão social para que gays, lésbicas, travestis e todas as demais categorias e identidades sexuais se beijassem. Mas como, o beijo entre pessoas do mesmo sexo ainda é proibido em espaços públicos? Será que quem estava gritando o tão maravilhoso incentivo nunca andou pela Av. Conde da Boa Vista? Será que nunca fez compras no Shopping Boa Vista? Nunca foi comer crepe na galeria Joana D´arc? No ano em que a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida será que não haveria um bordão menos ultrapassado?

TRIO DO GOVERNO DO ESTADO
Nesse ponto, vale uma reflexão mais aprofundada, inclusive sobre a confusão teórica sobre temas e questões coletivas. Tinha alguém em outro trio pedindo que respeitassem a “opção sexual” das pessoas. Ou seja, estavam pedindo que respeitassem o direito que as pessoas têm de escolher entre ser homossexual ou heterossexual. Isso como se as pessoas em determinado momento de sua vida, se olhassem no espelho e dissessem: Não, hoje eu quero ser gay. Como a gente costuma fazer quando fica indeciso sobre uma ou outra roupa para sair. Orientação sexual se tornou questão de livre escolha? Esses questionamentos realmente já estão até enchendo o saco [de quem tem claro], mas o mais impressionante e estarrecedor é ouvir tais balelas da boca de pessoas que se dizem engajadas e entendidas nas temáticas e questões éticas  relacionadas ao movimento e pelas quais dizem matar e morrer. Para representar uma instituição séria, um coletivo, uma categoria ou segmento da população conhecido por lutar pelo direito as diferenças, sejam elas quais forem, é preciso ter fundamento inclusive acadêmico e científico. As pessoas podem sim fazer opções sobre formas de se comportar, sobre com quem se relacionar, mas escolher a orientação sexual é algo que todo ser humano desejaria. As pessoas podem inclusive escolher e optar, logicamente, em se atualizar ou permanecer hipócritas, a ponto de revelarem uma extremada afetação de uma virtude ou de um sentimento louvável que não tem. E nisso se inclui o conhecimento e fundamentação de causa. E para evitar que as pessoas que se dizem representativas continuem abrindo a boca para falar besteiras, talvez seja importante explicar que orientação sexual não se escolhe, mas se descobre.

TRIO METRÓPOLE
Só sei que para piorar a situação, no trio da frente outra pessoa prá lá de bem informada, bradava: “respeitem a livre opção sexual das pessoas”. E aí, paro para imaginar senhoras e senhores ultraconservadores conversando  com um filho que se revela homossexual: se é opção, porque não escolheu ser um homem de verdade e de respeito como seu pai? Porque você prefere viver na safadeza e na promiscuidade? Ou então, uma velhinha religiosa carismática em pregação: porque você não deixa essa vida viciosa e pecadora e opta pela salvação eterna? E não pensem que ela estaria falando no ato de largar as drogas. Quantos pais e mães ainda correlacionam homossexualidade com pecado, drogas, promiscuidade, violência e safadeza? Não é muito distante de nossa realidade pais afirmrem que prefereriam ter um filho assaltante do que gay. Será que isso é resultado de uma cultura homofóbica construída ao longo dos séculos? Seria papel do movimento atuar nesta instância? Se a confusão de conceitos e entendimentos se revela entre os participantes do próprio movimento de luta, imagina entre a população em geral. Partindo desse princípio, o que se poderia fazer em prol da causa? Não tenho respostas prontas [e muito menos gostos delas], mas sei que antes de se conscientizar alguém é melhor rever as próprias capacidades de reeducação e atualização. 

Neste momento achei que estava quase tudo perdido, porém descobri que as coisas poderiam ficar ainda piores quando ouvi algo que me vez arrepiar sob o sol abafado: “do mesmo jeito que se tem preconceito com os pretos, também se tem com os gays. Por isso estamos aqui, prá dizer prá todo mundo que gay também é gente e merece respeito”. Era digno de aplausos.

DESANIMO TOMOU CONTA DA PARADA
Só não digo que foi a melhor frase porque outras aberrações se sucederam e se mostraram dignas de uma verdadeira Ofélia, que só abre a boca quando tem certeza. Desde quando preto é identidade racial? Preto não é cor? E cor é raça? Considerando o elemento cor isso é preconceito ou preferencia? Logo, cor e raça são sinônimos ou coisas diferentes? Quem tem preconceito contra a cor preta também não pode ter contra a cor vermelha ou contra a azul? E preconceito contra cor é violência? E desde quando a categoria identitária gay abrange toda a diversidade de categorias de identidades homossexuais? Então o preconceito social é segmentado e especificamente direcionado aos gays? Então porque continuam agredindo e matando as lésbicas, as travestis e transexuais em Pernambuco? Estas são gays também? Alguém já ousou chamar uma lésbica, do melhor tipo caminhoneira, de gay? E uma transexual que se submeteu a cirurgia de transgenitalização gostaria de continuar sendo reconhecida como gay, ou preferiria se autodenominar mulher-trans? E a parada continua gay ou passou a ser reconhecida como da diversidade sexual? Melhor deixar a resposta a cargo de cada um, não é verdade? Até porque verdade é uma coisa extremamente pessoal e cada um tem a sua. Mas confesso que naquele momento desisti. Ali, naquele exato momento, em meio aquela multidão, percebi que a parada da diversidade tinha perdido seu objetivo e sentido.

A CULTURA FALOCÊNTRICA
Conversando e refletindo sobre o assunto com uns amigos chegamos a grande encruzilhada que parece se mostrar o X da questão: os/as homossexuais não evoluíram no entendimento relativo a luta por igualdade de direitos? Não saíram do lugar comum? Não conseguem perceber que o tempo mudou e que o discurso agora é outro. Porque continuar insistindo em gritar que gay também é gente? Isso não é uma coisa lógica e redundante? Não está claro para quem, para quem agride ou para quem suplica por um reconhecimento que é constitucional, e logo, legal? Se o objetivo da parada esse ano era exigir a legalização da lei que torna a homofobia crime porque mendigar respeito em discursos acalorados e chorosos? O que se pretende conquistar, direito ou piedade? Talvez seja a hora de se recolher para repensar e reconsiderar velhas questões e sofrimentos pessoais, que de certa forma, parecem se mostrar enquanto coletivos. A única fala coerente que ouvi durante toda a parada foi um protesto feito pela cantora Jaína [que por sinal é muito mais talentosa e engajada que Wanessa]que explicitou a prática homofóbica do Bar da Galinha, localizado em Piedade. A meu ver isso se chama coerência. Entendimento e apropriação de causa. Discernimento pessoal e político que torna o artista um referencial e formador de opiniões, logo merecedor do lugar de destaque que ocupa.

PARADA GAY OU DA DIVERSIDADE SEXUAL?
E lugar é outro assunto que precisa ser revisto na parada. Sendo uma parada da diversidade sexual, porque a diversidade não se faz presente nos lugares de destaques? Porque às travestis cabe apenas o chão e aos boys [ou gogo-boys] os holofotes e aplausos? Porque os carros não trazem mulheres seminuas ao lado dos grandões musculosos que rebolam em tangas minúsculas? A travesti ou transexual para sair em um trio tem que ser famosa [modelo, misse, ou qualquer outra coisa que o valha], enquanto que os boys bastam ter corpo malhado. O que se representa, ou se apresenta ali, modelos de homossexualidades ou possibilidades de sexo comercial? Quem usa quem nessa transação maluca? Os trios para atrair público posteriormente às boates e casa de shows, ou os boys [ou gogo-boys] que buscam se promover? Em plena parada da diversidade o discurso simbólico continua falocêntrico? O masculino [mesmo que estereotipado] continua tendo mais valor e espaço que o feminino? Será que não está na hora de se repensar velhos modelos? Não sou contra os garotões seminus, de corpos apolíneos que dançam como as velhas chacretes, mas sou contra o processo de exclusão as demais categorias quase que invisibilizadas diante da primazia gay masculina [ou masculinizada]. Pelo que me consta, as travestis foram as primeiras a colocar a cara nas ruas e gritar por direitos e respeito. Na primeira parada, que se concentrou no Parque Treze de Maio, só elas estavam lá. Não tinha trios, não tinha aparato comercial, não tinha cantora equivocada evocando hits de boates. Tinha gente. Havia representatividade de classe. Havia causa. E agora, quem puxava o cordão apenas se limita a acompanhar potentes trios repletos de falsos representantes do movimento?

MUITA GENTE E POUCA ANIMAÇÃO
E quanto aos políticos? Esse ano não estiveram na parada por quê? Ah, a eleição é só no ano que vem. Tenho certeza que em 2012 todos estarão lá. Alguém duvida? E duvido menos ainda que os organizadores e [ir]responsáveis pelo evento rejeitem a publicidade e o oportunismo gratuito [será?]. Porque por exemplo, o governador do estado e o prefeito de Recife não vão à parada da diversidade? Em São Paulo não já se faz isso há muito tempo? Se em setembro temos duas paradas – uma da diversidade sexual e outra militar, porque os excelentíssimos representantes do povo vão a uma e a outra não? [Será que é porque não é feriado?]. Então porque não se pensar em um feriado da diversidade sexual? Não levem a sério, afinal de contas, como a parada virou piada não custa fazer mais uma. 

AÇÃO EFICAZ CONTRA OS ARRASTÕES
Por falar nisso, acho que a ida para a Boa Viagem deu outra roupagem a parada. É incrível a quantidade de camarotes armados nos altos e protegidos prédios, repletos de curiosos e admiradores afásicos. Virou um verdadeiro desfile de beldades exóticas diante de uma burguesia que não se mistura. Não deixa de ser positivo no sentido de contra oposição peculiar aos movimentos sociais. Funciona meio que no estilo, você não precisa aceitar, mas saber que existe, para a partir daí respeitar. Pena que não exista uma articulação no sentido de conscientização mais concreta, seja através da panfletagem ou de reuniões, fóruns e ciclos de debate com a comunidade envolvida. Talvez esteja na hora de se pensar nisso também. Quem sabe assim eles conseguem diminuir as distancias e participar de forma ativa [e não que a ativa seja mais importante que a passiva, pois que todas são formas de participação]. E penso que o trabalho de conscientização também deva se estender aos que estão de fato na parada. Esse ano o modelito da onda foi desfilar de cuecas. Não que sejam peças que atentem contra o pudor, mas porque não acredito que se configurem com bandeira de causa. O nudismo pelo nudismo perde seu objetivo e valor. Numa terra de sol quente e de praias belíssimas como a nossa o seminudismo torna-se lugar comum e naturalizado. E isso se traduz em trajes de banhos, ainda que minúsculos. Mas cuecas, não vejo sentido. E não pensem que é falso moralismo. Apenas acredito na apropriação de causa.

FINAL DA PARADA
Outro ponto que chamou a atenção foi a quantidade de arrastões. Só eu presenciei uns cinco. Tornou-se espetáculo a parte. E neste sentido, não se pode deixar de parabenizar a defesa social, que com milhares de policiais capturavam e prendiam rapidamente os que ameaçavam a paz, a “beleza” e a grandiosidade do desfile, como gritavam sucessivamente os locutores em seus microfones histéricos. Juro que em uma determinada situação cheguei a achar graça sobre o fato. A viatura da polícia parecia mais um dos trios que desfilavam cheios de gente. No caso, adolescentes que aproveitavam a multidão para cometer pequenos delitos. Até cheguei a fotografar a “festa dos presos”, que dentro da viatura se divertiam e batiam palmas ao som das músicas. Gostei do exemplo de profissionalismo sem excessos e da inserção involuntária dos sujeitos em questão. E neste ponto, acho importante avisar a quem gritava dos trios que aqueles arrastões não eram atos de homofobia declarada, mas na verdade apenas atos respaldados pelos processos de exclusão social. Arrastões não estão relacionados a homossexualidade, pois que ocorrem em todo e qualquer evento de grandes aglomerações. Assim, é preciso separar [e melhor entender] as coisas para não cair no discurso infundado e vazio. A discussão sobre a homofobia se dá em outro nível e poderia ter ganho a avenida ao se divulgar por exemplo o número de homossexuais assassinados no Estado, ou a inércia dos setores responsáveis pela punição dos assassinou, ou ainda a ausência de políticas públicas mais efetivas e eficazes voltadas ao seu combate e enfrentamento. Mas usar de bode expiatório não é um bom exemplo e muito menos apropriado argumento de luta.
  
FINALIZAÇÃO DA PARADA
Por fim, a meu ver, a 10ª Parada da Diversidade, que deveria inclusive comemorar ou referenciar a data, terminou fria e sem graça como começou. Pena para o movimento. Pena para os que como eu, foi para ver movimento político e não viu, até porque carnaval já nos basta o de fevereiro. E por falar nisso, alguém até me disse que a parada daquele jeito lembrava muito os anos finais do Bloco da Parceria. A única coisa que discordo, é que neste havia organização e agradando ou não cumpria com seu papel e objetivo. O que não acontece mais com a parada da diversidade. E como diz um amigo, não sei se fui eu quem mudei ou se o movimento não evoluiu significativamente a ponto de rever e repensar seus erros. De uma forma ou de outra. Para mim, acho que chega. Parei com a Parada! Talvez seja melhor procurar outro bloco.

2011 - O ANO QUE A PARADA PAROU NO TEMPO

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