PARADA DA DIVERSIDADE 2010 |
PAREI COM A PARADA!!!
Confesso que ainda não entendi direito
o que aconteceu no domingo, 18.09.2011, durante a 10ª Parada da Diversidade Sexual de Pernambuco.
Na verdade até agora tenho a nítida impressão de que não vi a Parada. Não que
não houvesse muita gente, pelo contrário. Acredito até que essa talvez tenha
sido a maior de todas em quantitativo. E aí, talvez esteja o grande problema porque quantidade nunca significou ou revelou qualidade de ação focada. Automaticamente
isso me leva a pensar se a parada não se perdeu dentro da própria parada.
Evidencia-se assim, que passados dez longos anos ainda não aprendemos a
reivindicar direitos.
SHOW DE ABERTURA |
Para que entendam do que falo, descreverei resumidamente os fatos, ou falta destes, que contribuíram
para a minha perplexidade. Primeiro pelo show de abertura. E neste ponto
saliento que não presenciei o início ou início dos trabalhos [eserá que era trabalho?],
pois cheguei as 12:20 no Parque Dona Lindu. Wanessa estava cantando, não a da
Mata, mas as dos Camargos, que depois de despencar no vazio obscuro do sucesso
resolveu investir numa insólita carreira de Musa Gay. Engraçado pensar como
o mercado homossexual hoje em dia tem se revelado como o grande e promissor filão
para artistas de talentos frágeis e utópicos. Se pensássemos bem, não poderíamos
questionar se esse não é o mesmo caminho que muitos outros aspirantes a
artistas fizeram em direção ao universo gospel? Mas independente das ideologias ou
objetivos da tal cantora [será que ela os tem?], o que penso é sobre sua
representação e importância na causa que deveria está em pauta. Qual o
engajamento, comprometimento e conhecimento político da Wanessa pessoa na luta
pela igualdade de direitos? Qual a sua história? É neste sentido que acredito que a sua fragilidade
não se revelou apenas em sua performance ultra-enlatada nos moldes americanos,
mas no vazio de seu discurso [alguém ouviu? ela falou alguma coisa ou foi
impedida pelo playback?]. Acho mesmo que o melhor momento do show foi quando ela saiu
do palco, inclusive do mesmo jeito que deve ter entrado, sem dizer a que veio. Sensação que pareceu compartilhada por muita gente, pois que o público se dissipou tão rápido quanto a
sua participação.
SAÍDA DA PARADA 2011 - RECIFE |
Os trios elétricos foram
colocados na avenida a quase meio quilometro de distancia do palco, e por
incrível que pareça não estavam prontos para arrastar a multidão ao final do
“grande show”. Fiquei realmente em dúvida se era descuido ou falta de cuidado.
Talvez os dois, ou um pouco de cada coisa. O abre-alas era formado por um grupo
folclórico, tipo qualquer coisa que se junta e manda seguir na frente. A beleza
dos maracatus e de palhaços em pernas de pau se perdeu na “minusculosidade” em
meio a tanta gente. Acho até que havia umas faixas de abertura, mas essas
também sumiram em meio à multidão e passaram despercebidas [mas também que
importância pode ter uma simples faixa com palavras de ordem?]. Fato é que os
músicos e DJs pareciam fatigados e indispostos. Não havia energia. Não
elétrica, claro, mas humana. A única coisa que parecia viva ali era o vento
forte que anunciava chuva.
De um momento para o outro, o trio da frente [aquilo
era um trio ou um trem?] começou a tocar. O som estava ruim, abafado e
estridente. Era um ruído daqueles que nos faz levar as mãos aos ouvidos. A
coisa parecia que ia acontecer quando os veículos finalmente começaram a se
movimentar, o que pareceu não acontecer com o público. Para animar mais ainda
começou a queima de fogos. Mas isso ninguém viu porque alguém muito inteligente
e “entendido” no assunto os colocou do lado contrário ao teatro e ao público. Quem estava na
avenida viu apenas fumaça subindo. Mas deu para escutar a suada. Isso deu. E
talvez os observadores admirados com tanto “frango” e “sapatão” juntos tenham
assistido de suas janelas inatingíveis.
PERNAMBUCO SEM HOMOFOBIA |
Procuramos por um trio mais
animado e engajado. Não encontramos. Nada acontecia e nada parecia animar uma onda humana
que se espalhava pela avenida, invadindo ruas e calçadas. Os trios foram
passando, um a um, revelando um mesmismo impressionante. Não havia discursos
calorosos, não havia denuncias, não havia compromisso. Era apenas um desfile
como outro qualquer. Mas a Metrópole estava lá e como sempre se apresentou como
o melhor e mais concorrido trio. Mas era só uma extensão da boate, nada mais. A
palavra de ordem era: “pode beijar muito”, como se aquele fosse um dia
especial, onde haveria autorizo e permissão social para que gays, lésbicas,
travestis e todas as demais categorias e identidades sexuais se beijassem. Mas
como, o beijo entre pessoas do mesmo sexo ainda é proibido em espaços públicos?
Será que quem estava gritando o tão maravilhoso incentivo nunca andou pela Av.
Conde da Boa Vista? Será que nunca fez compras no Shopping Boa Vista? Nunca foi
comer crepe na galeria Joana D´arc? No ano em
que a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida será que não
haveria um bordão menos ultrapassado?
TRIO DO GOVERNO DO ESTADO |
Nesse ponto, vale uma reflexão
mais aprofundada, inclusive sobre a confusão teórica sobre temas e questões
coletivas. Tinha alguém em outro trio pedindo que respeitassem a “opção sexual”
das pessoas. Ou seja, estavam pedindo que respeitassem o direito que as pessoas
têm de escolher entre ser homossexual ou heterossexual. Isso como se as pessoas
em determinado momento de sua vida, se olhassem no espelho e dissessem: Não,
hoje eu quero ser gay. Como a gente costuma fazer quando fica indeciso sobre
uma ou outra roupa para sair. Orientação sexual se tornou questão de
livre escolha? Esses questionamentos realmente já estão até enchendo o saco [de
quem tem claro], mas o mais impressionante e estarrecedor é ouvir tais balelas
da boca de pessoas que se dizem engajadas e entendidas nas temáticas e questões
éticas relacionadas ao movimento e pelas quais dizem matar e morrer. Para representar uma instituição
séria, um coletivo, uma categoria ou segmento da população conhecido por lutar pelo direito as diferenças, sejam elas quais forem,
é preciso ter fundamento inclusive acadêmico e científico. As pessoas podem sim fazer
opções sobre formas de se comportar, sobre com quem se relacionar, mas escolher
a orientação sexual é algo que todo ser humano desejaria. As pessoas podem
inclusive escolher e optar, logicamente, em se atualizar ou permanecer
hipócritas, a ponto de revelarem uma extremada afetação de uma virtude ou de um
sentimento louvável que não tem. E nisso se inclui o conhecimento e fundamentação
de causa. E para evitar que as pessoas que se dizem representativas continuem
abrindo a boca para falar besteiras, talvez seja importante explicar que
orientação sexual não se escolhe, mas se descobre.
TRIO METRÓPOLE |
Só sei que para piorar a
situação, no trio da frente outra pessoa prá lá de bem informada, bradava:
“respeitem a livre opção sexual das pessoas”. E aí, paro para imaginar senhoras e
senhores ultraconservadores conversando com um filho que se revela homossexual: se é opção,
porque não escolheu ser um homem de verdade e de respeito como seu pai? Porque
você prefere viver na safadeza e na promiscuidade? Ou então, uma velhinha
religiosa carismática em pregação: porque você não deixa essa vida viciosa e
pecadora e opta pela salvação eterna? E não pensem que ela estaria falando no ato de largar as drogas. Quantos pais e mães ainda correlacionam homossexualidade com pecado, drogas, promiscuidade, violência e safadeza? Não é muito distante de nossa realidade pais afirmrem que prefereriam ter um filho assaltante do que gay. Será que isso é resultado de uma cultura homofóbica construída ao longo dos séculos? Seria papel do movimento atuar nesta instância? Se a confusão de conceitos e entendimentos se revela entre os participantes do próprio movimento de luta, imagina entre a população em geral. Partindo desse princípio, o que se poderia fazer em prol da causa? Não tenho respostas prontas [e muito menos gostos delas], mas sei que antes de se conscientizar alguém é melhor rever as próprias capacidades de reeducação e atualização.
Neste momento achei que estava quase tudo perdido, porém descobri que as coisas
poderiam ficar ainda piores quando ouvi algo que me vez arrepiar sob o sol abafado: “do mesmo
jeito que se tem preconceito com os pretos, também se tem com os gays. Por isso
estamos aqui, prá dizer prá todo mundo que gay também é gente e merece
respeito”. Era digno de aplausos.
DESANIMO TOMOU CONTA DA PARADA |
Só não digo que foi a melhor frase porque outras aberrações se sucederam e se mostraram dignas de uma verdadeira Ofélia, que só abre
a boca quando tem certeza. Desde quando preto é identidade racial? Preto não é
cor? E cor é raça? Considerando o elemento cor isso é preconceito ou preferencia? Logo, cor e raça são sinônimos ou coisas diferentes? Quem tem preconceito contra a cor preta também não pode ter contra a cor
vermelha ou contra a azul? E preconceito contra cor é violência? E desde quando a categoria identitária gay abrange toda a
diversidade de categorias de identidades homossexuais? Então o preconceito social
é segmentado e especificamente direcionado aos gays? Então porque continuam
agredindo e matando as lésbicas, as travestis e transexuais em Pernambuco?
Estas são gays também? Alguém já ousou chamar uma lésbica, do melhor tipo
caminhoneira, de gay? E uma transexual que se submeteu a cirurgia de
transgenitalização gostaria de continuar sendo reconhecida como gay, ou
preferiria se autodenominar mulher-trans? E a parada continua gay ou passou a
ser reconhecida como da diversidade sexual? Melhor deixar a resposta a cargo de
cada um, não é verdade? Até porque verdade é uma coisa extremamente pessoal e
cada um tem a sua. Mas confesso que naquele momento desisti. Ali, naquele exato
momento, em meio aquela multidão, percebi que a parada da diversidade tinha
perdido seu objetivo e sentido.
A CULTURA FALOCÊNTRICA |
Conversando e refletindo sobre o
assunto com uns amigos chegamos a grande encruzilhada que parece se mostrar o X
da questão: os/as homossexuais não evoluíram no entendimento relativo a luta
por igualdade de direitos? Não saíram do lugar comum? Não conseguem perceber
que o tempo mudou e que o discurso agora é outro. Porque continuar insistindo
em gritar que gay também é gente? Isso não é uma coisa lógica e redundante? Não
está claro para quem, para quem agride ou para quem suplica por um
reconhecimento que é constitucional, e logo, legal? Se o objetivo da parada
esse ano era exigir a legalização da lei que torna a homofobia crime porque
mendigar respeito em discursos acalorados e chorosos? O que se pretende
conquistar, direito ou piedade? Talvez seja a hora de se recolher para repensar
e reconsiderar velhas questões e sofrimentos pessoais, que de certa forma,
parecem se mostrar enquanto coletivos. A única fala coerente que ouvi durante
toda a parada foi um protesto feito pela cantora Jaína [que por sinal é muito
mais talentosa e engajada que Wanessa]que explicitou a prática homofóbica do
Bar da Galinha, localizado em Piedade. A meu ver isso se chama coerência.
Entendimento e apropriação de causa. Discernimento pessoal e político que torna
o artista um referencial e formador de opiniões, logo merecedor do lugar de destaque
que ocupa.
PARADA GAY OU DA DIVERSIDADE SEXUAL? |
E lugar é outro assunto que
precisa ser revisto na parada. Sendo uma parada da diversidade sexual, porque a
diversidade não se faz presente nos lugares de destaques? Porque às travestis
cabe apenas o chão e aos boys [ou gogo-boys] os holofotes e aplausos? Porque os
carros não trazem mulheres seminuas ao lado dos grandões musculosos que rebolam
em tangas minúsculas? A travesti ou transexual para sair em um trio tem que ser
famosa [modelo, misse, ou qualquer outra coisa que o valha], enquanto que os
boys bastam ter corpo malhado. O que se representa, ou se apresenta ali,
modelos de homossexualidades ou possibilidades de sexo comercial? Quem usa quem
nessa transação maluca? Os trios para atrair público posteriormente às boates e
casa de shows, ou os boys [ou gogo-boys] que buscam se promover? Em plena
parada da diversidade o discurso simbólico continua falocêntrico? O masculino
[mesmo que estereotipado] continua tendo mais valor e espaço que o feminino?
Será que não está na hora de se repensar velhos modelos? Não sou contra os
garotões seminus, de corpos apolíneos que dançam como as velhas chacretes, mas
sou contra o processo de exclusão as demais categorias quase que invisibilizadas
diante da primazia gay masculina [ou masculinizada]. Pelo que me consta, as
travestis foram as primeiras a colocar a cara nas ruas e gritar por direitos e
respeito. Na primeira parada, que se concentrou no Parque Treze de Maio, só
elas estavam lá. Não tinha trios, não tinha aparato comercial, não tinha
cantora equivocada evocando hits de boates. Tinha gente. Havia
representatividade de classe. Havia causa. E agora, quem puxava o cordão apenas
se limita a acompanhar potentes trios repletos de falsos representantes do
movimento?
MUITA GENTE E POUCA ANIMAÇÃO |
E quanto aos políticos? Esse ano
não estiveram na parada por quê? Ah, a eleição é só no ano que vem. Tenho
certeza que em 2012 todos estarão lá. Alguém duvida? E duvido menos ainda que
os organizadores e [ir]responsáveis pelo evento rejeitem a publicidade e o oportunismo gratuito
[será?]. Porque por exemplo, o governador do estado e o prefeito de Recife não vão à parada da
diversidade? Em São Paulo não já se faz isso há muito tempo? Se em setembro
temos duas paradas – uma da diversidade sexual e outra militar, porque os excelentíssimos
representantes do povo vão a uma e a outra não? [Será que é porque não é
feriado?]. Então porque não se pensar em um feriado da diversidade sexual? Não
levem a sério, afinal de contas, como a parada virou piada não custa fazer mais
uma.
AÇÃO EFICAZ CONTRA OS ARRASTÕES |
Por falar nisso, acho que a ida
para a Boa Viagem deu outra roupagem a parada. É incrível a quantidade de
camarotes armados nos altos e protegidos prédios, repletos de curiosos e
admiradores afásicos. Virou um verdadeiro desfile de beldades exóticas diante
de uma burguesia que não se mistura. Não deixa de ser positivo no sentido de
contra oposição peculiar aos movimentos sociais. Funciona meio que no estilo,
você não precisa aceitar, mas saber que existe, para a partir daí respeitar.
Pena que não exista uma articulação no sentido de conscientização mais
concreta, seja através da panfletagem ou de reuniões, fóruns e ciclos de debate
com a comunidade envolvida. Talvez esteja na hora de se pensar nisso também.
Quem sabe assim eles conseguem diminuir as distancias e participar de forma
ativa [e não que a ativa seja mais importante que a passiva, pois que todas são
formas de participação]. E penso que o trabalho de conscientização também deva
se estender aos que estão de fato na parada. Esse ano o modelito da onda foi
desfilar de cuecas. Não que sejam peças que atentem contra o pudor, mas porque
não acredito que se configurem com bandeira de causa. O nudismo pelo nudismo
perde seu objetivo e valor. Numa terra de sol quente e de praias belíssimas
como a nossa o seminudismo torna-se lugar comum e naturalizado. E isso se
traduz em trajes de banhos, ainda que minúsculos. Mas cuecas, não vejo sentido.
E não pensem que é falso moralismo. Apenas acredito na apropriação de causa.
FINAL DA PARADA |
Outro ponto que chamou a atenção
foi a quantidade de arrastões. Só eu presenciei uns cinco. Tornou-se espetáculo
a parte. E neste sentido, não se pode deixar de parabenizar a defesa social, que com milhares de policiais capturavam e prendiam rapidamente os
que ameaçavam a paz, a “beleza” e a grandiosidade do desfile, como gritavam
sucessivamente os locutores em seus microfones histéricos. Juro que em uma
determinada situação cheguei a achar graça sobre o fato. A viatura da polícia parecia
mais um dos trios que desfilavam cheios de gente. No caso, adolescentes que
aproveitavam a multidão para cometer pequenos delitos. Até cheguei a fotografar
a “festa dos presos”, que dentro da viatura se divertiam e batiam palmas ao som
das músicas. Gostei do exemplo de profissionalismo sem excessos e da inserção
involuntária dos sujeitos em questão. E neste ponto, acho importante avisar a
quem gritava dos trios que aqueles arrastões não eram atos de homofobia declarada, mas na verdade apenas atos respaldados pelos processos de exclusão social. Arrastões não estão
relacionados a homossexualidade, pois que ocorrem em todo e qualquer evento de
grandes aglomerações. Assim, é preciso separar [e melhor entender] as coisas
para não cair no discurso infundado e vazio. A discussão sobre a homofobia se
dá em outro nível e poderia ter ganho a avenida ao se divulgar por exemplo o
número de homossexuais assassinados no Estado, ou a inércia dos setores
responsáveis pela punição dos assassinou, ou ainda a ausência de políticas
públicas mais efetivas e eficazes voltadas ao seu combate e enfrentamento. Mas
usar de bode expiatório não é um bom exemplo e muito menos apropriado argumento
de luta.
FINALIZAÇÃO DA PARADA |
Por fim, a meu ver, a 10ª Parada
da Diversidade, que deveria inclusive comemorar ou referenciar a data, terminou
fria e sem graça como começou. Pena para o movimento. Pena para os que como eu,
foi para ver movimento político e não viu, até porque carnaval já nos basta o
de fevereiro. E por falar nisso, alguém até me disse que a parada daquele jeito
lembrava muito os anos finais do Bloco da Parceria. A única coisa que discordo,
é que neste havia organização e agradando ou não cumpria com seu papel e
objetivo. O que não acontece mais com a parada da diversidade. E como diz um
amigo, não sei se fui eu quem mudei ou se o movimento não evoluiu
significativamente a ponto de rever e repensar seus erros. De uma forma ou de
outra. Para mim, acho que chega. Parei com a Parada! Talvez seja melhor
procurar outro bloco.
2011 - O ANO QUE A PARADA PAROU NO TEMPO |
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